Bacteriófagos como alternativa a antibióticos: esquecidos ou simplesmente ineficazes?

Carlos Silva Pereira
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É cada vez mais generalizada a preocupação resultante do uso inadequado e indiscriminado de antibióticos e consequente desenvolvimento de resistência por parte das bactérias. Serão os bacteriófagos, vírus que destroem bactérias, uma alternativa eficaz?

Quem no seu quotidiano não ouviu ou mesmo discutiu diversos problemas que advêm do uso indevido de antibióticos, mesmo sem entender o mecanismo porque esses problemas se geram? Uma grande parte das pessoas sabe que não deve tomar um qualquer destes medicamentos sem ordem expressa do médico, sabe que não pode interromper a sua utilização antes de determinado tempo ou dosagem e também tem a noção que o excesso de antibióticos dado aos animais usados na nossa alimentação, não é benéfico para nós.

Todas estas preocupações são legítimas e deveriam ser ainda maiores e mais discutidas, dada a dimensão deste problema que já enfrentamos agora e que as gerações futuras herdarão de nós.

As bactérias, como todos os organismos, tendem a adaptar-se às condições do meio que as rodeia, e é precisamente dessa adaptação que surge a resistência a um antibiótico, que antes seria letal para elas. Há já relatos de, nos chamados países em vias de desenvolvimento, haver resistência a todos os antibióticos disponíveis para o combate a doenças como a pneumonia e a tuberculose. Num cenário extremo, se não existisse protecção contra as infecções bacterianas, não seria possível realizar, por exemplo, tratamentos como quimioterapia ou transplantes de órgãos, em que o sistema imunitário do paciente fica debilitado, e portanto vulnerável a infecções bacterianas. 
 
Mesmo com a intensiva investigação que nesta área se realiza e com os avanços da biotecnologia e da engenharia genética, há cerca de 3 décadas que não se descobre uma nova classe de antibióticos, mas sim se desenvolvem novos produtos derivados das classes já existentes. Não se pode assim deixar de colocar uma pergunta: não valerá a pena explorar novas frentes de ataque, novas maneiras de combater as bactérias nocivas?

É aqui que surgem os bacteriófagos ou também como são conhecidos, fagos. Estes são uma classe de vírus que, sendo incapazes de infectar organismos mais complexos, vivem das bactérias. Quando um destes vírus infecta uma bactéria, reproduz-se no seu interior, e o resultado final é que a bactéria rebenta, libertando muitos destes novos fagos, prontos para "atacarem" outras bactérias. De realçar que cada fago é específico de um determinado tipo de bactéria.

É precisamente neste processo que assenta a terapia fágica, ou seja, uma vez identificada a bactéria responsável por uma dada infecção, combatê-la naturalmente, usando para isso o fago que lhe é específico.

Defensores deste género de terapia argumentam que, comparando com os usuais antibióticos de origem química, os fagos apresentam, entre outras, as seguintes vantagens:

- São específicos para determinada bactéria, o que significa que não prejudicam as bactérias benéficas que vivem no nosso organismo (ex: flora intestinal), ao contrário dos antibióticos convencionais;

- É mais difícil as bactérias desenvolverem resistência aos bacteriófagos, pois estes adaptam-se juntamente com elas;

- Teoricamente os fagos reproduzir-se-iam até destruirem todas as bactérias, ponto em que também eles não poderiam sobreviver e seriam eliminados;

- A sua produção é económica e não exige recurso a tecnologias muito avançadas, resultando por isso num produto final muito acessível.

Além das já referidas aplicações directas na medicina, existem muitas outras como por exemplo na medicina veterinária, na agricultura, etc.
Porque será então o interesse da comunidade científica tão reduzido em relação a esta matéria?

Para tentar compreender este fenómeno talvez uma breve perspectiva histórica ajude. O interesse a nível terapêutico surgiu talvez na década de 20, apesar de já antes se saber da existência destes agentes destruidores de bactérias. No entanto, a algo desastrada maneira como estas investigações foram levadas a cabo, bem como o grande desenvolvimento dos antibióticos nos anos 40, levaram ao adormecimento e parcial esquecimento da terapia fágica. E parcial apenas porque na ex-União Soviética, mais concretamente na Georgia, o centro mundial para a investigação nesta área, o Tbilisi Institute for Bacteriophague exercia já uma intensa actividade, aproveitando o financiamento que vinha de Moscovo. 
 
Com o advento da Guerra Fria, a Cortina de Ferro estendeu-se também à comunidade científica, tornando-se uma barreira à tão necessária troca e discussão de conhecimentos e informação. No ocidente era crescente essa troca de informação através de jornais e revistas científicas de língua inglesa, enquanto que os cientistas da União Soviética e outros países circundantes publicavam os artigos nas suas próprias línguas e, forçosamente e não por vontade própria, apenas para "consumo interno". Ainda hoje, e apesar das antigas e inultrapassáveis barreiras já não existirem, por razões culturais e políticas, a livre troca de informação entre estes cientistas e os do mundo ocidental ainda não se verifica nos termos ideais, mas para lá se caminha. Actualmente já nasceram alguns focos de interesse em membros da comunidade científica de países ocidentais, como os Estados Unidos.

Esta terapia não se propõe a substituir totalmente o uso de antibióticos químicos, mas sim a constituir nuns casos uma alternativa ao seu uso e noutros até, um complemento.

A sensação que fica ao analisar todo o caminho percorrido até agora, é que muito ainda está por dizer e comprovar e, como tal, vale a pena dispender mais esforços para validar ou não cientificamente esta terapia.

Sites consultados:

Tbilisi Institute for Bacteriophague: www.geocities.com/HotSprings/Spa/5386/

The Bacteriophage Ecology Group: www.phague.org

Bibliografia:

T. Madigan, Michael; M. Martinko, John; Parker, Jack; Brock´s Biology of Microorganisms. 8th ed., Prentice Hall.

Lorch, A. (1999). Bacteriophagues: An alternative to antibiotics?. Biotechnology and Development Monitor. 39: 14-17.

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