Episódios da história do urbanismo

Nuno Quental, Escola Superior de Biotecnologia – Universidade Católica Portuguesa
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Oitenta por cento dos cidadãos europeus vivem em zonas urbanas, que se estendem por territórios cada vez mais vastos. Aqui relatam-se algumas abordagens que marcaram a história do urbanismo e algumas incursões recentes no campo da sustentabilidade.

Patrick Geddes (1854-1932), biólogo e filósofo escocês, é credenciado como o “pai” do planeamento regional. Geddes imaginava um modelo de cidade abrangente e grandioso, baseado nas ideias da Cidade-Jardim de Ebenezer Howard (1850-1928). Refere Jane Jacobs, no seu famoso livro “A Morte e Vida de Grandes Cidade”, publicado em 1961, que “com o planeamento regional, as Cidades-Jardim poderiam ser distribuídas racionalmente por amplos territórios, imbricando-se com recursos naturais, em equilíbrio com a agricultura e os bosques, formando um todo lógico e esparso”. As ideias de Howard e Geddes foram activamente propagadas por visionários como Lewis Mumford e Clarence Stein, que acrescentaram às ideias originais o necessário rigor do desenho urbano. Esse modelo de cidade viria a conhecer aplicação prática nas cidades de Letchworth (1904), Hampstead (1909) e Welwyn (1919), que deveriam envolver Londres como pólos alternativos de desenvolvimento e fixação populacional. O Plano para a Região de Londres, de 1944, da autoria de Patrick Abercrombie, previa exactamente uma descentralização populacional por pequenos aglomerados em torno de um núcleo central mais próspero. Nos Estados-Unidos, a influência do modelo de Cidade Jardim foi mais visível a partir dos anos vinte e perdura ainda nos dias de hoje.

No início do século XX, os modelos orgânicos e a Cidade-Jardim começaram a ser questionados. Os Congressos Internacionais de Arquitectura Moderna e a Carta de Atenas, redigida em 1933 e tornada pública apenas em 1941, desenvolveram um modelo de cidade radicalmente diferente. Tirando proveito dos avanços tecnológicos na área da construção civil, as cidades passariam a ser constituídas por conjuntos de edifícios altos rodeados de espaço público e zonas verdes. A mobilidade seria assegurada por um conjunto de enormes avenidas. Emerge uma cidade funcional, segregando-se os diversos usos do solo através do seu zonamento segundo quatro funções principais: habitar, trabalhar, recrear-se e circular. As habitações pretendiam-se bem insuladas e airosas, pelo que a localização e orientação dos edifícios deveria ser de modo a maximizar a exposição solar e a evitar ensombramentos. José Lamas, no livro “Morfologia urbana e desenho da cidade”, conclui que “a metodologia da concepção moderna é completamente diferente. Na cidade tradicional, a dimensão e a organização do alojamento resultavam da forma do edifício, e este da forma do lote e da sua posição no quarteirão. Para o urbanismo moderno, a célula habitacional é o elemento-base de formação da cidade. Agrupa-se para constituir edifícios, e estes agrupam-se para formar bairros (...). O agrupamento de células habitacionais determina a forma do edifício e o agrupamento de edifícios determina a forma do bairro.” Le Corbusier ocupa um lugar de destaque no movimento moderno e pode ser considerado o principal inspirador do novo modelo de cidade, cidade essa que apelidou de “radiosa”.


Fotografias de José Romão

Os modelos de Cidade-Jardim e de Cidade Radiosa, embora com profundas diferenças ao nível morfológico, tinham em comum a libertação de amplos espaços para usufruto público. No início da década de sessenta surgiram as primeiras críticas ao movimento moderno. De facto, pesem embora as boas intenções dos seus criadores e da qualidade arquitectónica dos edifícios, a cidade moderna foi pensada em grande escala, uma espécie de produção em massa estandardizada, expandindo se por territórios cada vez mais vastos. Carecia de locais mais humanos, com que os cidadãos se identificassem, o que se traduziu na reduzida vivência dos amplos espaços públicos e interacção entre pessoas e, consequentemente, em problemas sociais. A própria concepção de rua e de quarteirão, tão caros ao urbanismo formal, desapareceu, fenómeno alimentado por um funcionalismo que criava zonas dormitório entediantes.

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