Os poderosos Vírus

Maria Carlos Reis
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Os vírus não são considerados verdadeiros seres vivos, pois só entram em actividade no interior de células. Aqui eles controlam o metabolismo celular, para se conseguirem replicar, provocando muitas das mais comuns infecções do Homem.

De todos os elementos patogénicos que atormentam a vida no planeta, os vírus encontram-se entre os mais complexos. Conseguimos compreender facilmente formas celulares que atacam outras formas celulares, porque elas nos são familiares, mas os vírus são diferentes de tudo o que se conhece e o seu modo de infecção parece abjecto. No entanto, se tivermos uma perspectiva um pouco mais alargada, compreenderemos que eles têm os objectivos de qualquer outra “criatura”.

À medida que os trabalhos de Kock, Pasteur e de outros cientistas ficaram conhecidos, nos finais do século XIX, acreditava-se que as doenças, com excepção das herdadas e das produzidas pelo ambiente, eram provocadas por agentes infecciosos. Os microbiologistas descobriam novos agentes etiológicos (causadores de doença) todos os dias. Bactérias, protozoários e fungos patogénicos pareciam existir em todos os lados e cada doença nova manifestada oferecia a possibilidade de fama para quem descobrisse o seu agente.

Em 1892, no decurso de experiências de isolamento de microrganismos patogénicos, recorrendo à filtração, Iwanowski verificou que, por vezes, os filtrados obtidos não eram estéreis, como era normal acontecer, pois eles mantinham a capacidade de produzir a doença original em novos hospedeiros, apesar de nada ser observado com os mais potentes microscópios da altura. Iwanowski conclui que estava na presença de uma nova forma de vida patogénica, a que chamou “vírus filtrante”.

No início do século XX já se havia demonstrado que doenças como a febre amarela eram provocadas por vírus filtrantes. A comunidade científica sabia que estava a tratar de um novo grupo de organismos muito perigosos. O termo “vírus” (que significa “veneno”) ficou permanentemente associado a estas novas “criaturas”. No entanto, eles só foram vistos pela primeira vez nos anos trinta, após o desenvolvimento do microscópio electrónico, que veio permitir maiores ampliações de imagem. 
 
Actualmente sabemos que os vírus atacam provavelmente todas as formas de vida celular do planeta. São descobertos novos vírus a todo o momento e grande parte dos virologistas crê que se está apenas a aflorar a imensa variedade destes organismos. Por exemplo, quando se observa ao microscópio electrónico um concentrado de água do mar é visível que ela pulula em partículas virais, das quais não se faz a mínima ideia de onde vêm ou de quem são os seus hospedeiros.

A natureza dos vírus tornou-se ainda mais confusa quando, em 1935, foi observado que eles podiam cristalizar, tal como sais inorgânicos. Esta observação iniciou o debate animado, mas durante muito tempo estéril, sobre a natureza dos vírus, gerando uma questão filosófica sobre o facto de serem ou não partículas vivas. Muitos virologistas defendem que não, pois para além da capacidade de cristalização, eles não possuem a maquinaria necessária para executar aspectos básicos do metabolismo, tais como a síntese de proteínas, já que são metabolicamente inertes. Isto implica uma incapacidade de replicação fora da célula hospedeira. No entanto, apesar de poderem ser considerados estruturas químicas simples, eles possuem no seu ADN comandos para redireccionar o metabolismo celular dos hospedeiros em seu próprio proveito, subvertendo o funcionamento da célula para a sua replicação. São, por isso, parasitas intracelulares obrigatórios, já que a sua sobrevivência está completamente dependente da sobrevivência dos hospedeiros. Sem consenso na discussão, será preferível considerá-los seres que existem no limite entre o mundo vivo e o inanimado.

Os vírus colocam verdadeiros desafios aos cientistas que os pretendem estudar, pois o seu modo de existência implica que para deles se fazerem culturas, há que também fazê-lo das células hospedeiras, o que muitas vezes não é possível. No entanto, estes estudos deram já alguns frutos. Sabe-se, actualmente, que os vírus são constituídos por proteínas e ácidos nucleícos, com formas e tamanhos definidos, característicos das diversas variedades existentes, que alguns possuem uma cabeça e apêndices distintos e que todos possuem dimensões inferiores às de qualquer outro organismo (embora variem consideravelmente em tamanho - de 20 nm a 250 nm).

Todos os vírus estão protegidos por uma cápsula proteica – capsídeo. Nos animais é frequente juntarem-se ao capsídeo compostos lipídicos da própria membrana da célula hospedeira, garantindo maior protecção. Para além das proteínas do capsídeo, os vírus contêm importantes proteínas de ligação, que servem para o seu acoplamento à célula hospedeira. Mas para que tal aconteça, a célula tem de reconhecer as proteínas de ligação, através de proteínas receptoras que existem na sua membrana celular. É por isso que todos os vírus possuem um espectro limitado de hospedeiros e mesmo dentro de um organismo, só invadem determinado tipo de células, ou seja, aquelas que possuem o tipo apropriado de receptor. Assim, o vírus da gripe invade apenas as células das mucosas das vias respiratórias superiores, onde se multiplica.

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