Uma reflexão sobre o ordenamento do território

Nuno Quental, Escola Superior de Biotecnologia – Universidade Católica Portuguesa
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O caos que grassa no ordenamento do território tem raízes profundas e resultados muito graves em termos ambientais, sociais e económicos. No artigo apresenta-se uma reflexão sobre esta problemática a pretexto da vaga de incêndios que assolou o país.

A catástrofe que se abateu sobre o País durante o mês de Agosto de 2003 expôs de uma forma particularmente clara toda uma teia de disfunções e de sucessivos erros que se vêm cometendo ao longo das últimas décadas. Muito se tem escrito sobre as causas e consequências da vaga de incêndios que transformou em cinzas mais de dez por cento da nossa área florestal. Para além do prejuízo económico de valor verdadeiramente impressionante, choca e revolta toda a tragédia humana que a envolve e a enormidade de árvores e animais que, no curto espaço de um mês, pura e simplesmente desapareceu. É difícil explicar por palavras esta sensação mista de revolta e inconformismo, por isso rendo-me à evidência da tragédia.

Enquanto Governo e Oposição reagiram segundo os procedimentos há muito estabelecidos pela rotina política, e portanto não trouxeram um contributo de especial interesse para a opinião pública, a sociedade em geral debateu intensamente o tema, talvez como nunca antes se debateu algo tão directamente relacionado com o ambiente e ordenamento. É, por curioso que pareça, questão em que todos somos ambientalistas – o que é notável para um povo que tanto desdém nutre pelas árvores, a avaliar pela forma como são tratadas em podas selváticas e abates indiscriminados.

Não será novidade referir que, especialmente em países com um desenvolvimento cultural mais reduzido, a influência da imprensa – com destaque para a televisão – naquilo que o país discute é preponderante. Esta constatação não é boa nem má em si mesma, mas tem como consequência a morte prematura de certos debates que se deveriam prolongar, caindo rapidamente no esquecimento e perdendo, portanto, o seguimento que mereciam. Sabendo à partida que a política funciona, em boa parte, como um jogo de “puxa e empurra” (os políticos são afectados pelas pressões públicas, mas simultaneamente são capazes de imprimir determinadas tendências na opinião dominante), corremos o sério risco que, passado o calor e emoção sentidos no auge Verão, tudo fique na mesma situação a que, de resto, já nos vamos habituando e está na base de uma desconfiança endémica que de alguma forma cultivamos pelo poder, que, do ponto de vista social, é perfeitamente compreensível.

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