O Projecto Genoma Humano

Leonor de Almeida
Imprimir
Texto A A A

O CONFLITO PÚBLICO / PRIVADO

Após vários anos de investigação, o consórcio internacional colocou à disposição de todos, nomeadamente através da Internet, a sua base de dados. Craig Venter, um dos cientistas do consórcio público, queria patentear todo e qualquer pedaço de ADN cuja sequência determinara. As reacções de James Watson e de outros cientistas foram negativas e levaram Craig Venter a entrar na corrida ao genoma, fundando uma empresa privada, a Celera Genomics. Por um lado, esta entrada em cena de novos “actores” trouxe a vantagem de acelerar o trabalho do consórcio, obrigando-o a apressar-se e a publicar, em Dezembro de 1999, a sequência completa da porção codificante – aquela que contém os genes - do mais pequeno cromossoma, o 22. Em Abril de 2000 anunciou a sequenciação de mais três cromossomas: 5, 16 e 19, e no princípio de Maio divulgou a descodificação do cromossoma 21. 
 
Hoje temos alguns dados divergentes entre os dois grandes “competidores”, que dizem respeito ao número de genes (26000 a 39000 para a Celera e 30000 a 40000 para o consórcio) e ao número de variações individuais na sequência de bases (2,1 milhões para a Celera contra 2,4 milhões para o consórcio). Mas a verdade é que foi uma surpresa o número tão pequeno de genes para tanto “lixo”. A conclusão a que se pode chegar é a de que, por um lado, o lixo não será lixo mas “trastes” ou seja, faz parte daquilo que guardamos no sótão, sem saber para que serve no momento, mas que pode ainda vir a servir. Ora esse enorme conjunto de sequências repetitivas poderá vir a revelar-se de importância na regulação da expressão dos genes, nomeadamente, na produção alternativa de proteínas a partir de uma mesma colecção de “pedaços” de ADN.

CONSEQUÊNCIAS DO PROJECTO DO GENOMA HUMANO

As metodologias que se desenvolveram para o genoma humano foram imediatamente aplicadas a genomas mais pequenos, como o da mosca do vinagre, organismo de utilização clássica nos estudos de genética e que se revelou ser semelhante ao humano em cerca de 70%. Será um óptimo modelo de estudo de funções biológicas comuns à mosca e ao homem. O mesmo acontece para outros genomas mais simples, como o do verme Caenorabditis elegans. No estudo de bactérias, a comparação entre o genoma de estirpes patogénicas e não patogénicas tem mostrado diferenças abissais.

Hoje em dia já não se fala em Genética, mas em genómica e em proteómica. Enquanto a genética abordava o funcionamento do organismo através da alteração de um ou vários genes, e observação do seu efeito na célula, no tecido, no órgão e, por fim, no organismo, a genómica tenta compreender a função da célula, órgão ou animal, interrogando todos (ou a maior parte) dos genes de um tecido, ao mesmo tempo. Assim, constrói os chamados chips, que são microplacas do tamanho de uma moeda, contendo ADN, os genes ou ARN, o produto da expressão dos genes, extraídos de um tecido.

Tomemos como exemplo o músculo. Esta última análise compara o músculo em repouso com o músculo em movimento, por exemplo, por hibridação na microplaca, determinando que, no músculo em movimento, ocorre um aumento da produção de mioglobina e de enzimas da glicólise. No chip, esta alteração é assinalada com uma diferença de intensidade de cores, que é registada e interpretada e são tiradas conclusões sobre a expressão dos genes da mioglobina numa e noutra situação (figura 5). Em paralelo, separa, por electroforese em gel, todas ou quase todas as proteínas do músculo. Observa diferenças e semelhanças na quantidade e qualidade das proteínas presentes. É nisto que se baseia a proteómica. Avança assim no conhecimento da função do órgão, até comparar o órgão são e o doente.

Comentários

Newsletter