Poluição sonora, um inimigo invisível

Alexandre Vaz
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A poluição sonora é uma forma de agressão ambiental que é frequentemente negligenciada até níveis muito prejudiciais. Reduzindo a nossa qualidade de vida e afectando os ecossistemas, os décibeis em excesso são um inimigo invisível.

Existem formas de poluição tão distintas como a poluição atmosférica, das águas, dos solos, a poluição genética, luminosa e sonora. Em comum a todas elas, há uma interferência, de origem antropogénica com efeitos negativos no meio e nos seres vivos.

As primeiras três caracterizam-se pela contaminação dos respectivos meios com substâncias prejudiciais à vida. São por isso quantificáveis na razão da quantidade dessas substâncias presentes no meio. A poluição genética, decorre por exemplo do cruzamento de espécies domesticadas com espécies selvagens que lhe são próximas (é o caso da hibridação do gato-bravo com o gato doméstico). Neste processo pode perder-se um património genético irrecuperável. Também aqui é actualmente possível quantificar o grau de contaminação.

A poluição sonora, tal como a luminosa e ao contrário das anteriores, não deixa resíduos, existindo apenas no momento em que está a ser produzida. Por este facto, são formas de poluição tendencialmente consideradas menos perigosas. No entanto, sabe-se que a exposição repetida a estas formas de agressão pode produzir efeitos crónicos e irreversíveis.

Os efeitos da poluição sonora são de resto ainda pouco estudados, porque é difícil estudar uma forma de agressão que só se manifesta como resultado de uma exposição prolongada e que por isso sofre a interferência de um elevado número de variáveis difíceis ou impossíveis de controlar.


Na natureza, e no que toca a espécies selvagens, esta dificuldade é ainda maior porque, em regra, às perturbações sonoras estão invariavelmente associadas outras formas de perturbação. Vejamos este exemplo: quando se verifica que uma pedreira causa impactos negativos nas espécies que habitam nas imediações, é extremamente difícil quantificar qual a importância do ruído dos rebentamentos com dinamite face a todos os outros factores, como as poeiras ou o tráfego de máquinas e camionetas.

O potencial prejuízo causado por um som é independente de este agradar ou incomodar, quem o ouve. Inclusivamente, um ruído inicialmente incómodo pode, por habituação, passar a ser tolerado. Também se verifica que a tolerância para sons semelhantes é muito variável, sendo frequente uma pessoa sentir-se incomodada com o ruído de veículos automóveis numa estrada e sentir-se repousada com um ruído de intensidade semelhante produzido pelo mar ou por uma cascata.


A própria definição de ruído é extremamente ambígua. Aquilo que pode ser música para alguns pode ser ruído para outros, ou mesmo aquilo que em algumas circunstâncias pode ser um som agradável, pode noutras tornar-se quase insuportável.

Pelo contrário, o som pode definir-se objectivamente como ondas de pressão que se propagam através de um gás, como o ar, de um liquido, como a água, ou até de um sólido. De uma forma geral, o ouvido humano consegue detectar sons entre os 20 e os 20 000Hz. O Hertz é a unidade de frequência, que corresponde a um ciclo por segundo. Convencionou-se chamar aos sons abaixo da capacidade de detecção pelos humanos infra-sons e aos acima desse limiar ultra-sons.

A unidade de medida da intensidade do som é o Decibel (dB). Esta é uma escala logarítmica, em que se considera a unidade (1 dB) como o valor correspondente ao som mais baixo que o ouvido humano consegue detectar. Por esse facto, 10 dB correspondem a um som 10 vezes mais intenso que 1 dB, 20 dB 100 vezes mais intenso, 30 dB 1000 vezes e assim sucessivamente.

Assim, o som produzido por uma aragem nas folhas de uma árvore poderá rondar os 10 dB; já o trafego em hora de ponta poderá atingir os 90 dB e igual valor o estrondo das cataratas de Niagara. Um martelo pneumático atinge os 100 dB e um avião a baixa altitude após a descolagem os 130 dB. Se atendermos a estes valores, e sabendo que o ouvido pode sofrer lesões a partir dos 85 dB, verificamos que qualquer habitante de uma grande metrópole está diariamente exposto a agressões múltiplas de consequências provavelmente irreversíveis. O efeito maligno do ruído não decorre apenas da sua intensidade, mas também da sua duração. Portanto, um trabalhador sujeito a um ruído de 75 dB é aconselhado, mesmo usando protecções, a não ultrapassar as 8 horas de exposição diárias. Atendendo à natureza da escala, se o ruído for de 78 dB o número de horas deve ser reduzido para metade. No limite, verifica-se que apenas quatro minutos de exposição a um som de 110 dB, um valor frequente em discotecas, pode causar danos definitivos na audição.

Infelizmente, nos humanos as consequências da poluição sonora não se ficam pela perca de audição. Ironicamente, enquanto não se perde, parte ou a totalidade desta, pode-se ficar sujeito a um role interminável de consequências ainda mais graves. A poluição sonora contribui para o agravamento da hipertensão, da taquicárdia e arritmia, e também para desequilíbrios dos níveis de colesterol e hormonais. É também um factor de stress, e por isso pode ser responsável por distúrbios do sono, dificuldade de concentração, perda de memória, outras perturbações psíquicas e até tendências suicidas.

As consequências do ruído nos animais silvestres são em muito semelhantes às sofridas pelos humanos, e ainda piores em alguns casos. Muitos animais dependem directamente da audição para comunicar e para caçar, ou para evitar ser caçados. A diminuição destas capacidades acaba frequentemente por se fazer sentir ao nível da produtividade e de um elevado número de parâmetros fisiológicos. Os animais silvestres evitam zonas de grande poluição sonora como as grandes metrópoles. Certamente que o ruído não é a única razão por que o fazem, mas é natural que tenha um peso considerável, com efeito sabe-se que os animais silvestres evitam o ruído por si só, vendendo-se inclusivamente no mercado máquinas para o produzir com a finalidade de espantar aves dos campos agrícolas. Em todo o caso, quando da utilização repetida destes mecanismos, como sucede por exemplo em alguns aeroportos, as aves acabam por se habituar e passam a ignorar o ruído. Mesmo assim, obviamente que pelo simples facto de os animais se habituarem ao ruído não podemos concluir que este não lhes é prejudicial.

Actualmente a poluição sonora não se restringe sequer às zonas habitadas, chega efectivamente a quase todo o lado. Desde as imensidões geladas dos pólos, até às selvas mais remotas, as actividades humanas e consequentes ruídos fazem-se sentir, nem que seja através do número crescente de aviões que cruzam os céus.

Ao nível dos oceanos, o problema parece ser ainda mais grave. Por um lado, e pelo facto dos mares e oceanos não serem habitados por humanos, não se investe quase nada na redução do ruído produzido nesse meio. Por outro lado, a propagação do som na água faz-se não só mais rapidamente, como até maior distância do que no ar.

Os oceanos albergam ainda animais, com características particulares associadas ao som, como os cetáceos (baleias, golfinhos) que estão dotados de sonar, e que dependem deste sistema de eco-localização para se alimentar e se orientar. Pensa-se que interferências neste apurado sentido possam estar na origem da colisão de cetáceos com redes de pesca, ou dos cada vez mais frequentes erros de navegação que os levam a encalhar em praias e baixios.

A poluição sonora está efectivamente na origem de um enorme número de problemas para todos aqueles que de uma forma ou de outra beneficiam do maravilhoso sentido da audição. O primeiro passo na procura de uma solução para esta questão passa pela tomada de consciência de que este é um problema em que somos a causa, uma das vítimas, e a única solução.

 

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