Auditorias ambientais a aglomerados urbanos

Sandrina Pereira, GEGREN – Instituto Superior de Agronomia
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A integração das auditorias ambientais no processo de planeamento urbano revela-se um importante instrumento de apoio à decisão na gestão ambiental urbana contribuindo para um desenvolvimento urbano sustentável.

1. Auditorias ambientais a aglomerados urbanos e indicadores

1.1 Noção, enquadramento e objectivo

O termo auditoria ambiental é habitualmente utilizado sempre que se realiza qualquer avaliação relacionada com o ambiente. As áreas urbanas são sistemas complexos com características ambientais, económicas, sociais e institucionais específicas e o seu planeamento requer um grande conhecimento desses sistemas. Contudo esta complexidade dos sistemas urbanos e a sua diversidade territorial constituem um obstáculo à compreensão da dinâmica urbana e dos problemas ambientais associados, daí a necessidade de integração das auditorias ambientais no processo de planeamento urbano promovendo o desenvolvimento urbano sustentável.

Podemos dizer que as auditorias ambientais a aglomerados urbanos têm como principal objectivo a avaliação do desempenho ambiental das cidades em diversos aspectos. Para tal recorrem à análise de vários indicadores e socorrem-se de algumas metodologias para a sua implementação. As auditorias ambientais podem ser encaradas como um instrumento de suporte à decisão na gestão e planeamento do ambiente urbano, envolvendo os vários agentes intervenientes e contribuindo para assumir um compromisso em atingir determinados objectivos ambientais.

As auditorias ambientais ao espaço urbano são um campo ainda pouco explorado no nosso País, no entanto têm surgido algumas iniciativas de âmbito europeu e internacional (projecto Urban Audit da U.E., Programa das Cidades Sustentáveis da UNCHS/UNEP, Atlas Urbano da E.E.A.) nas quais Portugal tem colaborado e desenvolvido esforços de integração.

O papel dos indicadores, nas auditorias ambientais a aglomerados urbanos, consiste na medição e monitorização de determinados parâmetros ambientais importantes na avaliação do desempenho das medidas e políticas ambientais, na avaliação do grau de degradação do ambiente e, mais recentemente, na avaliação do progresso rumo ao desenvolvimento sustentável.

A tabela 1 apresenta os indicadores relativos ao tema Qualidade ambiental urbana, do Conjunto Núcleo de Indicadores da OECD.

Tabela 1 - Indicadores OECD - Tema Qualidade Ambiental Urbana
  

Fonte: OECD, 1993

A definição e função dos indicadores é distinta da dos parâmetros e índices. Os parâmetros estão a montante da formulação dos indicadores e fornecem dados para a sua construção. Os índices situam-se a jusante dos indicadores e resultam da agregação de indicadores combinados matematicamente (IISD, 2000). Os indicadores resultam de dados, i.e., de parâmetros susceptíveis de medição ou observação, e podem ser definidos como um valor capaz de disponibilizar informação sobre um determinado fenómeno. Os indicadores utilizados nas auditorias a aglomerados urbanos são uma ferramenta essencial para o conhecimento e monitorização da complexidade dos sistemas urbanos.

A selecção dos indicadores mais representativos ou melhor adaptados à realidade urbana não é uma tarefa fácil. Para a escolha do melhor indicador é necessário possuir um vasto conhecimento do sistema, e isso nem sempre é possível quando se trata dos sistemas ambientais, de facto podem ser medidos muitos parâmetros, mas só alguns deles conseguem traduzir de forma eficaz a complexidade de relações dos aglomerados urbanos.

 
 
2. Perfis e relatórios ambientais

Tendo por base a abordagem do SCP (Programa de Cidades Sustentáveis) da UNCHS/UNEP, o perfil ambiental pretende dar uma visão sistemática das actividades de desenvolvimento da cidade e da sua interacção com os recursos ambientais e ser uma fonte de informação relevante no apoio ao processo de identificação e mobilização dos agentes envolvidos.

O perfil ambiental reúne informação dos sectores de actividade de desenvolvimento da cidade, dos recursos e riscos ambientais e dos sistemas de gestão urbanos. Analisa a interacção entre desenvolvimento (sectores de actividade) e ambiente (recursos ambientais), através de uma matriz de interacção. Identifica os factores-chave ambientais da cidade enquadrados num contexto de desenvolvimento e gestão. Identifica os agentes (grupos e organizações) com interesse (normalmente conflituosos) nas actividades de desenvolvimento e nas temáticas ambientais.

A estrutura do perfil ambiental do SCP tem o conteúdo seguinte:

. Breve introdução à cidade (Vertentes social, económica, física).

. Desenvolvimento (Sectores de actividade da cidade: características, uso dos recursos ambientais, impactes nos recursos ambientais, riscos ambientais).

. Ambiente (Relacção entre os sectores de actividade e os recursos/riscos ambientais, competição entre os sectores de actividade pelos recursos ambientais).

. Gestão Ambiental (Actores chave e grupos de interesse, instituições de gestão urbana e ambiental, visão geral dos sistemas de gestão da cidade).

A UNCHS preconiza a actualização anual ou bianual do perfil ambiental sob a forma de um Relatório do Estado do Ambiente Urbano, que incluirá para além do perfil ambiental, toda a informação que entretanto fica disponível e/ou é necessária recolher.

Também a European Environment Agency (EEA) tem vindo a desenvolver, de forma sistemática, um esforço de avaliação do estado do ambiente nos países Europeus. Um dos instrumentos básicos utilizados é o Relatório do Estado do Ambiente (State of Environment Report – SOE) que por sua vez se apoia no conjunto de indicadores ambientais e de sustentabilidade disponíveis.

A EEA publicou dois relatórios do tipo SOE, para a totalidade dos países Europeus, intitulados "Europe's Environment: The Dobris Assessment" (EEA, 1995) e “Europe's Environment: second assessment” (EEA,1998) nos quais identificou, analisou e agregou os problemas ambientais fundamentais da Europa em 12 temas. Em relação ao tema Ambiente Urbano o relatório Dobris de 1998 introduziu o conceito de ecossistema urbano e forneceu uma estrutura de análise deste ecossistema baseada nas categorias: padrões urbanos, fluxos urbanos e qualidade ambiental urbana. Os padrões correspondem à estrutura do ecossistema urbano; os fluxos correspondem às entradas de energia, água e materiais no sistema onde são processados e transformados em fluxos de saída que devem ser absorvidos (fluxos constituídos por emissão de gases, resíduos líquidos e sólidos, ruído, calor); a qualidade ambiental por sua vez corresponde aos atributos do estado do ambiente que influenciam nas condições de vida e saúde dos habitantes. O Relatório do Estado do Ambiente seleccionou um conjunto de 55 indicadores ambientais urbanos, agrupados em 16 atributos segundo as três categorias de análise acima indicadas.


Tabela 2 - Categorias de análise e Atributos relativos ao tema Ambiente Urbano no Relatório Dobris

Fonte: EEA, 1995

Actualmente os relatórios SOE, da EEA, ampliaram-se e passou-se a adoptar a terminologia SoER “State of Environment Reporting” para se referir ao processo de preparação, discussão, divulgação e avaliação das questões abordadas no relatório SOE. O processo caracteriza-se como um instrumento de decisão sob a óptica do processo de decisão integrado e participativo preconizado na Agenda 21.


3. Evolução teórica e tendências internacionais

Evolução teórica

Com o aumento do conhecimento dos limites dos sistemas ambientais e das pressões resultantes da actividade humana, em termos de consumo e poluição, as organizações internacionais têm vindo a desenvolver esforços na definição de indicadores ambientais.

Estes indicadores têm como objectivo “reflectir as tendências de evolução do sistema ambiental e monitorizar a aplicação das medidas de política ambiental” (EEA, 1999).

Existe uma grande variedade de indicadores produzidos a diferentes níveis. Ao nível internacional as principais instituições são a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e as Nações Unidas (U.N.).

A OCDE é uma organização pioneira no desenvolvimento de indicadores ambientais e estabeleceu a base para o desenvolvimento de indicadores em todo o mundo. Para além disto, o programa da OCDE implementou o modelo PSR (Pressure-State-Reponse), estabeleceu uma terminologia comum e uma organização conceptual (World Bank, 1997; Hill, 1997).

Ao nível das Nações Unidas foi estabelecido o Programa de Indicadores Urbanos (UIP - Urban Indicators Programme) da responsabilidade do UNCHS (United Nations Center for Human Settlements). Este programa visa a recolha de dados baseados em indicadores que permitirão a comparação entre cidades, países e regiões. É constituído por um conjunto universal de indicadores chave e um conjunto de indicadores desenvolvidos localmente integrados numa rede global de indicadores urbanos.

A nível europeu a EEA conjuntamente com o 5º Programa de Acção Ambiental da UE (5EAP) desenvolveram um conjunto de indicadores ambientais com base no modelo DPSIR (Driving forces, Pressure, State, Impact, Reponse). A figura 1 ilustra, esquematicamente, os componentes do modelo DPSIR.

1. Driving forces – actividades humanas tais como a produção, o consumo, os transportes, a construção.

2. Pressure – pressões exercidas pelas actividades humanas sobre o meio ambiente, geralmente denominadas causas ou vectores de mudança (emissão de poluentes, deposição de resíduos, extracção de recursos naturais, etc.).

3. State - estado ou condição do meio ambiente resultante das pressões.

4. Impact - impacto ou efeitos produzidos pelas pressões e pela qualidade do meio ambiente nos ecossistemas, na qualidade de vida humana, na saúde pública, etc.

5. Reponse - resposta é a componente da matriz que corresponde às acções colectivas ou individuais que previnem, minimizam ou corrigem os impactes ambientais negativos, conservam os recursos naturais ou contribuem para a melhoria da qualidade de vida da população local.


Figura 1 - Aplicação do modelo DPSIR à dinâmica do sistema urbano

Fonte: Adaptado da EEA, 2002

Tendências internacionais

Após mais de 10 anos de desenvolvimento e crescente utilização dos indicadores ambientais por parte de organizações internacionais e governos, na actualidade os esforços concentram-se no aperfeiçoamento das estruturas e métodos de análise da grande quantidade de informação proporcionada por conjuntos de indicadores cada vez mais numerosos e específicos.

O modelo PSR (Pressure, State, Reponse) continua a ser de grande utilidade pela simplicidade de uso e interpretação das informações manuseadas. Entretanto para a avaliação de políticas sectoriais com reflexos sobre o ambiente torna-se necessário a agregação de indicadores que não se enquadram na estrutura PSR. O desdobramento do modelo PSR através da introdução de mais duas categorias (Driving forces, Impact) deu origem ao modelo DPSIR (Driving forces, Pressure, State, Impact, Reponse).

O modelo DPSIR proporciona uma metodologia de análise das várias informações pertinentes de cada um dos temas que são abordados num processo SoER, mais do que simplesmente fornecer uma organização para apresentação dos indicadores.
 
Nos últimos anos assistiu-se à operacionalização de ferramentas de preparação e divulgação destes relatórios através da Internet. A UNEP desenvolveu o programa Cities Environment Reports on the Internet -CEROI que fornece uma biblioteca de indicadores e recursos de software para a edição de textos, gráficos, mapas e fotos, além de hospedar o relatório no próprio site. 

Bibliografia consultada e Web Sites

Bretschneider, M., Mäding, H. The Urban Audit as an Instrument of Comparative City Analysis - The Example of Berlin, Helsinki, and Stockholm. Paper delivered at the Conference "Stockholm - Berlin - Helsinki: Three European Capitals Facing the Future", Stockholm, 14-15 September 2000.

European Commission, EEA (2002). Environmental issue report Towards an urban atlas nº 30.

European Common Indicators Project (ECI) (2003). Towards a Local Sustainable Profile. Ambiente Italia Research Institute, Milano, Italy. May, 2003.
http://www.sustainable-cities.org/indicators

Franca, L. P. (2001). Indicadores ambientais Urbanos. Revisão da Literatura. ISER/IBAM/REDEH.

http://europa.eu.int/comm/regional_policy/urban2/urban/audit/src/yearbook.htm

http://www.inforegio.cec.int/urban/audit/

http://themes.eea.eu.int/Actions_for_improvement/reporting

http://www.unchs.org/programmes/guo/guo_indicators.asp

http://www.unchs.org/programmes/guo/guo_cityprofiles.asp

http://www.ceroi.net

The SCP Source Book Series. Preparing the Environmental Programme. SCP/UNCHS/UNEP

UNCHS (Habitat) (1997). Indicators Programme.
www.unchs.org

UNCHS, Global Urban Observatory, Own survey. www.unhabitat.org/guo/

Leituras Adicionais

Auditorias Ambientais: referências normativas, classificação e definições

Auditorias de Qualidade e/ou Ambiente - preparação e documentação

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