Comércio e Ambiente

Isabel Abreu
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A vertente mais conhecida da relação entre o comércio e o ambiente é a sobre-exploração de recursos naturais devido à falta de regras. Contudo, a relação é mais ampla - como é que as políticas ambientais se articulam com as normas mundiais do comércio?

A vertente mais conhecida da relação entre o comércio e o ambiente é a sobre-exploração de recursos naturais a que o comércio sem regras poderá levar. Contudo, trata-se de uma relação mais ampla, em que novos aspectos começam a tomar forma – até que ponto poderão as políticas ambientais funcionar como um travão ao comércio? e como formas disfarçadas de restrição ao comércio? e como medidas de proteccionismo do comércio nacional? como é que estas situações são reguladas? como é que as políticas ambientais se articulam com as normas mundiais do comércio livre e sem fronteiras? Estes são alguns dos aspectos que são abordados neste artigo. Trata-se de uma área de debate a nível mundial e que requer a compatibilização de princípios de áreas tão vastas com a do comércio e a do ambiente.

A Organização Mundial do Comércio

A importância do binómio comércio/ambiente levou à criação de organismos que se dedicam a esta questão. O organismo de referência nesta matéria é a Organização Mundial do Comércio (OMC), no seio da qual estas questões são da responsabilidade de um comité especializado – o CTE (Comité on Trade and Environment), criado em 1994. Este comité tem a seu cargo a compatibilização das regras do comércio mundial e os instrumentos de protecção ambiental, como por exemplo, os acordos ambientais multilaterais, os esquemas de rótulos ecológicos e o Princípio da Precaução. Trata-se de áreas para as quais terão de ser estabelecidas regras que evitem o conflito entre as medidas ambientais e o comércio. Serão de seguida abordados cada um destes pontos em separado.
 
Acordos ambientais mutilaterais

Dada a abrangência geográfica dos problemas ambientais, os acordos ambientais multilaterais surgiram como forma de lidar com essas questões a nível internacional. Exemplos desses acordos multilaterais são o já referido Protocolo de Quioto, o Protocolo de Montreal para a protecção da camada do ozono, a Convenção de Basileia sobre o transporte internacional de resíduos perigosos e a Convenção sobre o comércio internacional de espécies da fauna e da flora em vias de extinção (CITES). Existem cerca de 200 acordos multilaterais para a protecção do ambiente. Desses acordos, cerca de 20 incluem medidas relacionadas com a restrição do comércio, permitindo os países restringir a importação de determinados produtos.

Até que ponto, essas disposições são legais à luz das regras da OMC, que impedem a tomada de medidas que limitem as trocas comerciais? Um exemplo é o Protocolo de Quioto que preconiza a criação de um mercado de emissões de gases com efeito de estufa para os países participantes. Excluir do mercado de emissões de gases com efeito de estufa os membros que não assinaram o protocolo chocará com as regras da OMC, que preconiza que todos os parceiros comerciais devem ter igual tratamento?

Apesar de até à data a OMC não ter recebido nenhum pedido de resolução de conflito entre os acordos ambientais multilateriais e as regras mundiais do comércio, no futuro tal poderá suceder. Como resolver uma situação em que um país recorre à OMC quando os seus produtos são rejeitados por outros no âmbito de um protocolo que ele não assinou, sendo desta forma discriminado? E as medidas de limitação de importações terão legitimidade à luz da OMC? Todas estas questões que foram levantadas têm sido alvo de discussão a nível internacional, constituindo uma parte importante da chamada Agenda de Doha (ver o que aconteceu em Cancún).

As regras da OMC relativas ao Ambiente

O que diz a OMC em relação às trocas comerciais e ao ambiente?

Os princípios pelos quais a OMC se rege datam de 1947, e foram criados no âmbito do GATT – General Agreement on Trade and Tariffs. No que diz respeito ao ambiente, há 3 artigos principais:

Artigo I – Princípio da nação mais favorecida – Este princípio estabelece que todos os membros devem ter igual tratamento, não se devendo favorecer um dos membros em detrimento dos restantes. Isto é, se um membro criar condições que favoreçam os bens e serviços de outro membro, então deve estabelecer igual tratamento para os restantes membros.

Artigo III – Principio do tratamento nacional – Princípio que estabelece que os produtos importados devem ter igual tratamento que os produtos domésticos, não podendo um país criar condições que favoreçam os produtos domésticos em detrimentos dos importados. Este princípio tem sido alvo de controvérsia, pois considera como iguais os produtos que têm a mesma utilização final e as mesmas características independentemente do seu processo de fabrico, o que poderá não fazer muito sentido em termos ambientais (Ver Rótulos Ecológicos).

Artigo XX – As excepções relativas ao Ambiente - artigo que responde à questão: Se um país achar que as suas importações são prejudiciais ao ambiente ou à saúde humana, pode criar medidas que limitem as mesmas?

Este artigo permite excepções aos artigos I e III estabelecidas pela OMC desde que as medidas tomadas sejam necessárias para a protecção da saúde humana, animais e plantas ou ainda relacionadas com a protecção das fontes naturais esgotáveis. Contudo, as medidas tomadas no âmbito deste artigo não devem constituir uma forma arbitrária de discriminação ou de discriminação injustificável. No site da OMC encontram-se casos de disputa em que o Artigo XX foi usado, com informações como esses casos foram conduzidos e a decisão da OMC para cada um deles. 
 
Princípio da Precaução

O artigo XX permite a tomada de medidas como forma de precaução relativamente ao efeito de produtos no ambiente e na saúde humana. A ideia do chamado Princípio da Precaução está desta forma incluído nas leis da OMC, sendo, contudo necessário que seja explicitamente incorporado e clarificado – quando deve ser aplicado o principio da precaução, com que suporte, em que moldes, como varia o conceito de precaução de país para país e entre parceiros comerciais? Como evitar o recurso ao Princípio da Precaução como forma disfarçada de proteccionismo? A Comissão Europeia publicou uma comunicação relativa ao Princípio da Precaução (COM(2000), 02.02.200) através da qual traça as linhas gerais do uso deste princípio. Um ponto importante na utilização do Princípio da Precaução é que qualquer decisão deverá ter um suporte científico, e ser baseada numa análise custo-benefício da tomada e da não tomada de medidas, e não ser uma decisão baseada numa mera suspeição de risco. Contudo, em questões internacionais como o comércio e o ambiente, terá de ser feito um esforço mais alargado de definição de conceitos e abordagens, e não permitir que abordagens diferentes do Princípio da Precaução conduzam a distorções no comércio internacional. 
 

Rótulos Ecológicos

De acordo com as regras da OMC, os produtos não podem ser discriminados com base no seu método de produção. Desde que tenham as mesmas características e que permitam a mesma utilização final, os produtos são considerados iguais, e não podem ser tratados de forma diferente no que diz respeito a trocas comerciais. Trata-se, no entanto, de uma regra que não reflecte o impacto ambiental associado aos métodos produtivos. Por uma lado, ao dar a um país a liberdade de escolher os produtos com base no seu processo de fabrico, esse país poderia favorecer os produtos que produzidos nacionalmente, em detrimento dos produtos importados produzidos por processos diferentes. Por outro lado, ao impor-se determinados métodos produtivos poder-se-á cair numa situação que não é apropriada para determinados países, nomeadamente os menos desenvolvidos, e criar-lhes dificuldades de acesso ao mercado internacional. A participação em acordos ambientais multilaterais pode ser uma forma de diferentes países acordarem standards gerais ou diferenciados por países onde se tem em conta as especificidades de cada um, e deste modo evitar-se a tomada de medidas que restrinjam a sua actividade económica. Um exemplo da relevância dos processos de produção é traduzido nos processos de certificação e rotulagem ambiental que informam os consumidores sobre os impactos ambientais do fabrico ou utilização de determinados produtos.

 


O que se passou em Cancun?

Decorreu em Setembro de 2003 em Cancun, a V Conferência Ministerial que reuniu vários membros da OMC. O objectivo desta reunião foi fazer o ponto de situação relativamente ao que tinha sido agendado em Doha em 2001, na IV Conferência Ministerial. A chamada Agenda de Doha indicava vários objectivos que deveriam ser atingidos até 2005. No que diz respeito ao ambiente, a agenda de Doha, indicava como objectivos a compatibilização dos acordos ambientais multilaterias e as regras da OMC relativas ao comércio, a eliminação de subsídios prejudiciais ao ambiente, o desenvolvimento de esquemas de comércio e ambiente de apoio mútuo, o recurso a rótulos ecológicos, a liberalização de serviços e produtos ambientais, entre outros. A conferência de Cancun mostrou que apesar da importância objectivos reforçados pela Declaração de Joanesburgo e pela Declaração do Milénio das Nações Unidas, muito há por fazer até 2005, não havendo, contudo ainda decisões finais em relação a nenhum destes assuntos.

Links interessantes:

Centro Internacional para o Comércio e Desenvolvimento Sustentável

Direcção Geral do Comércio da CE

Organização Mundial do Comércio

Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável

Comércio e Ambiente

Rótulo Ecológico

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