Gestão e valorização de lamas de ETAR

Rita Teixeira d’Azevedo
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Quando depositadas no solo sem qualquer tratamento, as lamas libertam gases tóxicos, resultado da decomposição anaeróbia, o que origina poluição atmosférica e riscos para o Homem, além dos óbvios odores intensos que causam incómodo. Os metais pesados que potencialmente se encontram na constituição das lamas (devido à potencial descarga de águas residuais industriais na rede de drenagem pública de águas residuais) irão infiltrar-se no solo, com consequente contaminação deste e das águas subterrâneas. Os metais pesados têm um efeito cumulativo e tóxico, pelo que, a ingestão de alimentos produzidos no solo contaminado e a utilização destas águas de má qualidade pode ser letal para o Homem. Relativamente aos microrganismos patogénicos, estes irão proliferar quer no solo, superficialmente ou por infiltração, quer nas águas subterrâneas, pelo que, além das evidentes contaminações ambientais, serão causa de proliferação de doenças.

4. Valorização e eliminação das lamas

As principais técnicas utilizadas para o tratamento das lamas, tendo em vista a sua adequada aplicação são: digestão anaeróbia, estabilização química com cal, compostagem de lamas, secagem térmica e eliminação por incineração.

4.1.Digestão anaeróbia

A digestão anaeróbia das lamas consiste num processo bioquímico de várias etapas que pode ser aplicado para a estabilização de diversos tipos de materiais orgânicos. O processo ocorre em três estágios sequenciais:

- 1º estágio/fase hidrolítica – ocorre a hidrólise dos complexos orgânicos sólidos, celulose, proteínas e lípidos que pela acção de enzimas extracelulares são degradados a formas solúveis, ácidos gordos orgânicos, álcoois, dióxido de carbono e amónia;

- 2º estágio/fase acidogénea – as bactérias acidogéneas transformam os compostos anteriormente referidos em ácido acético, ácido propiónico, hidrogénio, anidrido carbónico, sulfureto de hidrogénio e em compostos orgânicos de baixo peso molecular;

- 3º estágio/fase metanogénea – por acção das bactérias metanogéneas ocorre a conversão dos compostos obtidos na fase acidogénea em dióxido de carbono e metano. O biogás produzido, devido ao metano, permite a valorização energética das lamas.

- Estabilização química com cal

Com o intuito de evitar os impactes negativos ambientais e na saúde pública anteriormente descritos, torna-se necessário efectuar um tratamento às lamas tendo em vista a sua adequada aplicação, garantindo a sua inocuidade, ou seja, a sua higienização. Isto consegue-se recorrendo à estabilização química com cal.

A utilização de cal não produz uma redução de matéria orgânica das lamas. A sua acção de estabilização/desinfecção dos microrganismos presentes nas lamas é evidenciada quer através de simples elevação do pH das mesmas (para valores superiores a 12), com a utilização de cal hidratada [Ca(OH)2], quer através da conjugação deste fenómeno com o aumento de temperatura para valores superiores a 60 ºC, quando utilizada sob a forma de cal viva (CaO).

- Compostagem de lamas
A compostagem de lamas é um processo utilizado para transformar as lamas num produto de valor agronómico. Pode definir-se como um método de tratamento de resíduos sólidos provenientes do tratamento de águas residuais, no qual os compostos orgânicos decompõem-se biologicamente, em condições aeróbias controladas, até alcançar um estado que permita a sua manipulação, o seu armazenamento e a respectiva aplicação, sem impactes ambientais negativos, fazendo de todo o composto um excelente fertilizante e um adjuvante capaz de melhorar e de enriquecer as propriedades físico-químicas e biológicas dos solos.

Na Maia encontra-se em funcionamento a primeira estação de compostagem de lamas em Portugal, com uma produção média de 8 a 10 toneladas diárias de composto, que são facilmente escoadas para a jardinagem e para a agricultura.

4.4. Secagem térmica

Este processo consiste em reduzir o teor de humidade das lamas por adição de calor (através da evaporação da água), até um teor desejado que pode chegar aos 90 %. Consegue-se desta forma um produto quase sólido com cerca de 75 a 95 % de matéria seca, de textura geralmente granular, adequado a vários destinos finais. Permite ainda estabilizar e higienizar as lamas, facilitar a sua valorização orgânica ou a sua incineração, bem como reduzir os custos associados ao tratamento das lamas.

4.5. Eliminação por incineração

O objectivo principal deste processo é a queima dos componentes orgânicos combustíveis das lamas, de forma a que os produtos resultantes (gases e cinzas) sejam relativamente inertes. Complementarmente, conseguem-se obter reduções de cerca de 95 % em volume e peso sólido das lamas e a destruição de compostos tóxicos e patogénicos.

A incineração das lamas poderá ser efectuada aproveitando o poder calorífico das mesmas, em equipamentos específicos para o efeito, com ou sem prévia secagem térmica. Existem também a nível europeu experiências de co-incineração, em incineradoras de resíduos sólidos urbanos (RSU), com capacidade excedentária ou a queima em fornos de cimenteiras ou em centrais termoeléctricas a carvão.

5. Destino final das lamas

No que concerne ao destino final das lamas, apontam-se como referência as seguintes soluções: valorização agrícola; recuperação de solos; florestas; recobrimento de aterros sanitários; selagem de lixeiras (recuperação paisagística); construção civil (fábricas de tijolos); cerâmica (incorporação de 20 % de lamas); estradas (recuperação/sementeira de taludes); áreas verdes; co-incineração/cimento (incorporação no cimento, valor calorífico para a queima); incineração (combustível, valor calorífico para as incineradoras); co-compostagem com RSU.

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