Toupeira, engenheira do sub-solo

Miguel Monteiro
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Quem não viu já campos agrícolas, jardins e relvados salpicados de montículos de terra? Eles não são mais do que o resultado da intensa actividade de um habitante do subsolo – a toupeira, sempre atarefada na construção dos seus túneis e galerias.

IDENTIFICAÇÃO E CARACTERÍSTICAS

A toupeira (Talpa occidentalis) é um mamífero insectívoro pertencente à família Talpidae, à qual pertence também a Toupeira-de-água (Galemys pyrenaicus). Tem um corpo cilíndrico e alongado, com cerca de 90-130 mm, uma cauda com 25-30 mm e pesa em média de 50 g (varia entre 34-66 g). A pelagem é densa e aveludada, de cor negra ou cinzenta-escura.

O corpo da toupeira está extremamente bem adaptado aos seus hábitos subterrâneos e escavadores. Os olhos encontram-se cobertos por pele e os ouvidos tapados por pêlos. Os membros dianteiros estão hiper-desenvolvidos destacando-se uma pata espalmada com 5 garras largas e fortes (a face palmar está virada para fora, funcionando como uma pá). O focinho é pequeno e afilado e tem a função táctil muito desenvolvida através de vibrissas sensitivas e dos órgãos de Eimer (papilas extensamente enervadas).

DISTRIBUIÇÃO E ABUNDÂNCIA

É um endemismo ibérico. Comum no nosso país, apresenta uma distribuição generalizada de Norte a Sul. Em Espanha é igualmente comum, encontrando-se ausente no quadrante NE e na província de Navarra.

A distribuição do género Talpa é, no entanto, muito mais vasta, indo desde a Península Ibérica até ao Japão. As toupeiras são assim animais com grande sucesso, que sofreram um alargado processo de especiação. Não estando ainda clarificada toda a sistemática do género, é possível distinguir: T. europaea, com uma larga distribuição europeia; T. romana, no sul de Itália; T. stankovici, no sul da Jugoslávia e na Grécia e T. caeca, no norte de Itália e Costa Adriática. Provavelmente na Herzegovina (T. hercegovinensis) e no Japão (T. nizura) estaremos também na presença de duas espécies distintas.


ESTATUTO DE CONSERVAÇÃO

É considerada uma espécie não ameaçada (NT) pela UICN e pelo Livro Vermelho dos Vertebrados Portugueses.

O principal predador da toupeira acaba por ser o homem, que vê nela uma praga, responsável pelo desenraizamento de plantas de cultivo e deslocamento de raízes. De facto, enquanto constrói galerias, a toupeira vai revolvendo a terra, causando alguns prejuízos a agricultores e jardineiros. No entanto, a sua presença tem também um lado positivo, visto ser uma grande consumidora de animais prejudiciais a muitas plantas de cultivo e oxigenar o solo através da sua actividade escavadora.

Alguns juvenis, quando em dispersão, são ocasionalmente predados por raposas, aves de rapina, gatos e cães domésticos.

HABITAT

É uma espécie comum em pastos, zonas agrícolas, jardins e terrenos arenosos. Habita igualmente áreas florestais (e.g. carvalhais e pinhais), desde que o solo seja fresco e profundo, de modo a permitir a construção de túneis subterrâneos.


ALIMENTAÇÃO

A sua dieta é essencialmente constituída por anelídeos e larvas de insectos. As presas são capturadas durante a escavação das galerias ou quando entram ou caiem pelas aberturas dos pequenos montículos de ligação ao exterior. Por vezes armazenam alimentos perto do ninho por períodos superiores a 10 dias. Estes alimentos são geralmente anelídeos a que as toupeiras mutilaram os segmentos anteriores, de forma a imobilizá-los.

 

REPRODUÇÃO

A época de acasalamento ocorre entre Fevereiro e Junho, sendo o período de gestação de aproximadamente 30 dias. Em geral nascem 3-4 crias (variando entre 2-8), cegas e sem pêlo, pesando apenas 3,5 gramas. Ao fim de 4-5 semanas as crias deixam de mamar, estando preparadas para abandonar o ninho. As fêmeas podem ter duas ninhadas por ano. A maturidade sexual ocorre entre os 6 e os 12 meses.

Para a reprodução, a fêmea constrói um ninho esférico composto de matéria vegetal variada. É apenas durante este período que machos e fêmeas partilham túneis, havendo geralmente uma segregação espacial no resto do ano.

Podem viver até aos 7 anos, embora a esperança média de vida seja de apenas 3. A mortalidade é mais elevada na fase de dispersão. Esta pode-se fazer através do subsolo, até encontrarem um espaço não ocupado por outros indivíduos. No entanto, em áreas de maior densidade populacional, os jovens deslocam-se à superfície, estando por isso mais expostos aos predadores.


HÁBITOS

Como já referido, trata-se de um animal solitário, de hábitos subterrâneos e activo tanto de noite como de dia. Utiliza um complexo sistema de galerias construídas a profundidades entre os 10 cm e 1 m. As galerias são formadas por vários túneis (a profundidade mais habitual é de 70 cm), com aberturas para o exterior. À medida que vai escavando as galerias alguma terra é utilizada na compactação das paredes, mas a restante é transportada para a superfície formando os conhecidos “montes de toupeira”. Estas aberturas são usadas para fugir a eventuais predadores e servem para ventilar e drenar as galerias.

 

Figura por Catarina Oliveira

CURIOSIDADES

Durante o período da Guerra Fria, os agentes infiltrados eram apelidados de “toupeira”, provavelmente inspirados nos hábitos de secretismo destes insectívoros. Uma boa “toupeira” era uma arma poderosa, que permitia aceder a planos e à tecnologia do inimigo, bem como revelar a identidade dos seus agentes.

 


LOCAIS FAVORÁVEIS DE OBSERVAÇÃO

Por passar a maior parte da sua vida debaixo do solo, torna-se um animal bastante difícil de observar na natureza. A sua presença é, no entanto, facilmente detectada através dos montículos de terra que se acumulam à entrada dos seus túneis. Por vezes, após períodos de chuva, é possível observar estes pequenos insectívoros à superfície, provavelmente ocupados com a reconstrução dos seus túneis.

BIBLIOGRAFIA

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