Ficha da Salamandra-lusitânica

Filipa Martins
Imprimir
Texto A A A

 

Jóia da herpetofauna portuguesa, a salamandra-lusitânica é um endemismo muito sensível do noroeste da Península Ibérica que depende de ambientes muito húmidos e não poluídos para subsistir.

 

 

 

IDENTIFICAÇÃO E CARACTERÍSTICAS

A salamandra-lusitânica (Chioglossa lusitanica) possui um corpo delgado e uma longa cauda, que corresponde a cerca de 2/3 do seu comprimento total. Ao longo do dorso possui duas bandas de um belo dourado ou vermelho-cobre, que se prolongam sobre a cauda numa única banda da mesma cor, e que contrastam vivamente com o fundo negro. O ventre apresenta uma coloração cinzenta escura com pequenos pontos brancos. Tem uma cabeça pequena e achatada, com olhos grandes e proeminentes colocados em posição lateral. Os membros anteriores e posteriores, com quatro e cinco dedos respectivamente, são muito curtos e delgados. O comprimento total pode variar entre 120-150 mm, sendo que as fêmeas são geralmente maiores do que os machos. Os adultos podem pesar em média 2,0 g e uma fêmea com ovos pode atingir os 3,3 g.

Fora da época de reprodução, é geralmente difícil diferenciar os sexos. Já durante este período, os machos apresentam calosidades nupciais nas patas anteriores e a região cloacal mais proeminente do que as fêmeas.

As larvas de salamandra-lusitânica exibem um corpo alongado, cabeça achatada e brânquias pouco desenvolvidas. Apresentam um comprimento total entre 28 e 50 mm e pesos que variam entre 0,07 e 0,45 g. A cauda é achatada lateralmente e arredondada na extremidade, e apresenta uma crista relativamente baixa. As larvas nas primeiras fases do desenvolvimento são totalmente brancas mas à medida que vão crescendo apresentam uma coloração mais escura, chegando por vezes a ser totalmente negras.

 

DISTRIBUIÇÃO E ABUNDÂNCIA

É uma espécie endémica da Península Ibérica, com distribuição restrita às regiões montanhosas do noroeste da Península, que compreende a parte ocidental das Astúrias, Galiza e Noroeste de Portugal. Em Portugal, a espécie apresenta como limite a sul o rio Tejo, a este, a Serra da Estrela, e centro/oeste, as serras do Buçaco e da Lousã.

Calcula-se que o número total de indivíduos maduros se situe acima dos 10.000, uma vez que é em geral abundante nos locais onde ocorre.

ESTATUTO DE CONSERVAÇÃO

Está incluída no Anexo II da Convenção de Berna e dos Anexos II e IV da Directiva Habitats, e é considerada uma espécie vulnerável à extinção (VU).

FACTORES DE AMEAÇA

As ameaças mais importantes a esta espécie são a poluição dos cursos de água por efluentes industriais, domésticos e agrícolas; a canalização e desvio de pequenas linhas de água para a rega; a destruição dos habitats circundantes dos rios e ribeiros, em particular a vegetação ribeirinha; a destruição de locais de reprodução, como minas e fontes subterrâneas; agricultura intensiva e substituição das florestas caducifólias por plantações de eucaliptos; e a urbanização desordenada. Sendo uma espécie com uma capacidade de dispersão limitada, os incêndios representam uma ameaça adicional.

 

HABITAT

Como não possui pulmões funcionais, respira essencialmente através da pele, ocorrendo por esta razão em locais extremamente húmidos de zonas montanhosas, a altitudes que não excedem os 1500 m. Pode ser encontrada em locais próximos de ribeiros de água límpida, bem oxigenada e corrente, com vegetação abundante nas margens, entre musgos, nas cavidades das rochas ou sobre pedras com substratos húmidos. Vive igualmente em grutas e galerias de captação de água (minas). Estes locais estão geralmente circunscritos em bosques caducifólios ou lameiros, e em alguns casos em campos agrícolas.

ALIMENTAÇÃO

A alimentação dos adultos é constituída por insectos, aracnídeos e moluscos de pequenas dimensões. As larvas alimentam-se essencialmente de pequenos insectos aquáticos, moluscos e crustáceos.

 

INIMIGOS NATURAIS

Os adultos de salamandra-lusitânica podem ser predados por cobras-de-água, víboras, lontras, grandes sapos (Bufo bufo) e salamandras (Salamandra salamandra). As larvas desta espécie podem ser capturadas por cobras-de-água, escaravelhos aquáticos e larvas de libélula.

 

REPRODUÇÃO

A época de reprodução pode variar consoante a região em que se encontra, mas em Portugal parece ocorrer no período compreendido entre Maio a Novembro.

O acasalamento ocorre após um complexo comportamento de cortejamento em terra ou em águas pouco profundas. Após o amplexo com o macho, a fêmea deposita entre 12 a 20 ovos num local húmido e protegido, geralmente em pequenas concavidades naturais nas margens dos cursos de água, debaixo de pedras ligeiramente submersas ou nas paredes de minas e galerias próximas de linhas de água. A eclosão ocorre seis a nove semanas após a postura.

MOVIMENTOS/COMPORTAMENTO

Os adultos apresentam hábitos terrestres, utilizando o meio aquático para se refugiarem dos predadores e, por vezes, para acasalarem e depositarem os ovos. 

Durante as migrações para os lugares de reprodução ou de estivação podem percorrer grandes distâncias (superiores a 700m), mas também é possível observar indivíduos sedentários, que ficam no mesmo lugar durante mais de 100 dias.

Apresentam uma locomoção rápida e ágil, deslocando-se através de movimentos laterais do tronco com o auxílio da cauda, movimento que se assemelha ao serpentear das cobras-de-pernas (Chalcides sp.), podendo mesmo dar pequenos saltos.

Para além de desempenhar um papel fundamental na sua locomoção, a cauda da salamandra-lusitânica funciona como reservatório de lípidos. Funciona também como “chamariz” para os predadores - esta espécie apresenta a capacidade de libertar a cauda quando se sente ameaçada, à semelhança dos lagartos, que mesmo separada do resto do corpo mantém-se em movimento. Uma vez que a cauda apresenta um regeneração muito lenta e é tão importante na locomoção, este processo é pouco utilizado, sendo a fuga o método de defesa mais utilizado na maioria dos casos. Outro método de defesa que utiliza é a produção abundante de uma secreção esbranquiçada irritante que a torna escorregadia e, como tal, difícil de capturar.

ACTIVIDADE

É uma espécie de hábitos nocturnos, no entanto pode apresentar actividade diurna e crepuscular em dias nublados ou chuvosos. A salamandra-lusitânica suspende a actividade durante o Verão, devido às elevadas temperaturas e baixa humidade do ar, e durante os meses de Inverno, devido às baixas temperaturas.

 

CURIOSIDADES

Esta salamandra apresenta um mecanismo altamente especializado para captura das presas - possui uma língua pedunculada que é meticulosamente projectada na direcção do alimento.

 

LOCAIS FAVORÁVEIS DE OBSERVAÇÃO

Esta espécie pode ser observada à cabeceira de pequenos ribeiros de regiões montanhosas, debaixo de pedras soltas, tapetes de musgo, manta morta de folhosas, em muros de pedra, pequenas concavidades e minas próximas de cursos de água. As minas são muitas vezes utilizadas como locais de reprodução e estivação.

As larvas podem ser observadas, na sua maioria, em zonas de remanso de pequenos ribeiros de águas límpidas, bem oxigenadas e de fundos pedregosos e, mais raramente, arenosos ou argilosos. Estas, quando próximas da metamorfose, podem ser frequentemente observadas nas margens dos riachos debaixo de pequenas pedras, em zonas de abundante escorrência de água.

 

BIBLIOGRAFIA

Almeida, N.F., Almeida, P.F., Gonçalves, H., Sequeira, F., Teixeira, J. e Almeida, F.F. (2001). “Guia FAPAS Anfíbios e Répteis de Portugal”. FAPAS - Fundo para a protecção dos animais selvagens.

Arntzen, J.W., Bosch, J., Denoël, M., Tejedo, M., Edgar, P., Lizana, M., Martínez-Solano, I., Salvador, A., García-París, M., Gil, E.R., Sá-Sousa, P. e Marquez, R. (2008): Chioglossa lusitanica. In: IUCN 2010. IUCN Red List of Threatened Species. Version 2010.1. <www.iucnredlist.org>. Acedido a 27 Março 2010.

ICNb (2006). Chioglossa lusitanica. In: Plano Sectorial da Rede Natura 2000 (Vol.II - Valores Naturais). Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, Lisboa. <http://www.icn.pt/psrn2000/caracterizacao_valores_naturais/FAUNA/anfibios_repteis/Chioglossa%20lusitanica.pdf>. Acedido a 27 Março 2010.

Lesparre, D. e Crespo, E. (2008). A Herpetofauna do Parque Natural da Serra da Estrela. Município de Ceia. p.27

Oliveira, M.E. (coord.), Brito, J.C., Dellinger, T., Ferrand de Almeida, N., Loureiro, A., Martins, H.R., Pargana, J., Paulo, O.S., Rito, P. e Teixeira, J. (2005): Chioglossa lusitanica Salamandra-lusitânica. In: Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal. Cabral MJ et al. (eds.). Instituto da Conservação da Natureza, Lisboa. pp. 115-116

Sequeira, F. e Alexandrino, J. (2008): Chioglossa lusitanica. In: Loureiro, A., Ferrand de Almeida, N., Carretero, M.A. e Paulo, O.S. (eds.), Atlas dos Anfíbios e Répteis de Portugal. Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, Lisboa. pp. 92-93

Teixeira, J., Sequeira, F., Alexandrino, J. e Ferrand, N. (1998). Bases para a Conservação da Salamandra-lusitânica (Chioglossa lusitanica). Instituto da Conservação da Natureza, Lisboa

Vences, M. (2009): Salamandra rabilarga - Chioglossa lusitanica. In: Enciclopedia Virtual de los Vertebrados Españoles. Salvador, A. (Ed.). Museo Nacional de Ciencias Naturales, Madrid. <http://www.vertebradosibericos.org>. Acedido a 27 Março 2010

 

 

Comentários

Newsletter