Ficha da Narceja

Paulo Catry
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A Narceja-comum é uma pequena ave limícola, com uma plumagem que lhe garante passar despercebida a olhos menos atentos. Mas os sons que produz nos voos nupciais crepusculares são inconfundíveis, parecendo autênticos “balidos caprinos”.

IDENTIFICAÇÃO E CARACTERÍSTICAS

A Narceja-comum Gallinago gallinago é uma limícola (sub-ordem Charadrii) pertencente à família Scolopacidae. Tem cerca de 25 cm de comprimento, dos quais 6 ou 7 dizem respeito ao bico. Aliás, este enorme bico é uma das características mais notáveis da Narceja. Como quase todas as limícolas, possui patas relativamente compridas, embora este aspecto nem sempre seja evidente, porque mantém-se muito tempo agachada. A plumagem é de tons castanhos, com listas amareladas, e branca no ventre. Os belos desenhos que as penas coloridas formam conferem a esta ave um mimetismo notável, que faz com que raramente possamos ver as narcejas nos seus habitats preferidos, antes que elas levantem voo à nossa aproximação. Quando levantam, muitas vezes a curta distância do observador, emitem um grito de alarme característico, repetido duas ou três vezes. Têm um voo rápido e uma silhueta característica, com o longo bico e as asas bem pontiagudas. Tanto surgem isoladas como em pequenos grupos, só esporadicamente sendo possível observar-se algumas dezenas de aves juntas em locais de maior concentração.

Nas zonas de criação é possível ouvir-se os seus cantos nupciais (um tick-a, tick-a, tick-a, por vezes repetido incansavelmente), frequentemente emitidos por uma ave poisada sobre uma árvore ou num poste de uma vedação. Para além disso, fazem voos nupciais a grande altura, com subidas e descidas abruptas, enquanto deixam as penas exteriores da cauda, espetadas para fora, vibrar com o vento. Estas produzem um som característico, difícil de descrever, e que se ouve sobretudo ao crepúsculo.

DISTRIBUIÇÃO E ABUNDÂNCIA

A Narceja-comum está representada por diversas subespécies na Europa, Ásia, África, América do Norte e do Sul. Em Portugal, durante o Inverno, a Narceja encontra-se um pouco por todo o território nacional, onde exista habitat favorável. É relativamente rara no interior norte e centro, e no arquipélago da Madeira. Encontra-se em maior número no litoral centro e sul, sobretudo nas zonas baixas de grandes bacias hidrográficas, como a do Tejo e a do Sado. Durante a época de reprodução está circunscrita à região da Serra do Barroso no Continente, e a algumas ilhas do arquipélago dos Açores.

ESTATUTO DE CONSERVAÇÃO

A Narceja é uma espécie comum e não ameaçada na generalidade da sua área de distribuição europeia. Infelizmente o mesmo não se pode dizer em relação ao seu estatuto em Portugal. As populações invernantes são numerosas e a sua conservação não é motivo de preocupações. Por outro lado, a população nidificante em Portugal Continental tem vindo a decrescer marcadamente ao longo de grande parte do século XX, e é provável que a espécie esteja à beira da extinção neste sector da sua área de distribuição. Os motivos que levaram a este decréscimo populacional não são bem conhecidos, mas estão certamente ligados com a drenagem de pastos húmidos e alterações nas práticas agrícolas tradicionais nas montanhas onde nidificava. A população dos Açores é mal conhecida e considerada Vulnerável no Livro Vermelho dos Vertebrados Portugueses.

A Narceja-comum é uma espécie cinegética, muito caçada durante o Outono e Inverno.

 


HABITAT

No Inverno frequenta uma grande diversidade de zonas húmidas. É particularmente abundante em pauis, campos de cultivo e pastagens alagadas, arrozais, nas margens de lagoas costeiras, nas beiras de valas ou em pequenos açudes com margens não muito fechadas. Também surge em salinas, orlas de sapais e margens de ribeiras e rios. Na época de reprodução frequenta lameiros e pastagens húmidas em zonas elevadas, assim como terrenos mal drenados, ricos em plantas herbáceas e turfa (este último habitat encontra-se só nos Açores).

ALIMENTAÇÃO

As Narcejas utilizam o seu longo bico para sondar a lama ou a turfa mole, sentindo, com ele, os movimentos dos pequenos animais de que se alimentam, sobretudo larvas de insecto, minhocas e outros vermes. Presas menos frequentes são outros pequenos invertebrados, como crustáceos, gastrópodes, aranhas ou insectos adultos.


REPRODUÇÃO

A época de reprodução em Portugal Continental é (ou pelo menos era, em meados do século XX) muito prolongada, sendo possível encontrar ninhos com ovos de Maio a Agosto. As Narcejas podem realizar uma ou duas posturas. O ninho é escondido num prado húmido, muito bem disfarçado na vegetação, sendo quase impossível de encontrar, mesmo quando o observador se encontra quase sobre ele. A postura compõe-se de três ou quatro ovos em forma de pêra e finamente marcados por inúmeros pontos e linhas. O período de incubação dura 18 a 20 dias. As crias abandonam o ninho poucas horas após a eclosão, estando desde logo aptas a caminhar e a apanhar os alimentos sem qualquer ajuda dos adultos. No entanto, seguem o progenitor, que as guia para as melhores zonas de alimentação e as protege de eventuais predadores. Ao fim de cerca de 20 dias começam a voar.

 

MOVIMENTOS

As Narcejas migradoras de passagem e invernantes chegam a Portugal já em Agosto, permanecendo a maioria até Março ou Abril. São originárias de uma vasta área que vai da Islândia à Escandinávia e à Europa Oriental, passando pelas Ilhas Britânicas e pela Europa Central. Nada se sabe sobre o estatuto migratório das populações nidificantes no Barroso. As Narcejas açorianas são, muito provavelmente, residentes, permanecendo todo o ano naquele arquipélago.


LOCAIS DE OBSERVAÇÃO

O Outono e o Inverno são as melhores épocas do ano para procurar esta espécie. É relativamente fácil de encontrar em áreas ricas em terrenos alagados, pauis ou arrozais. As lezírias do baixo Tejo ou os arrozais dos vales do Mondego ou do Sado são regiões particularmente propícias. Açudes ou outras pequenas zonas húmidas no meio do Alentejo também são muito favoráveis. Nos Açores, as Narcejas encontram-se sobretudo nos terrenos mais elevados, muitas vezes nas cristas ou nas caldeiras dos antigos vulcões.


CURIOSIDADES

O som produzido pelas aves em voo durante as paradas nupciais é deveras curioso e está, certamente, na origem de uma série de nomes vernáculos que a Narceja tinha nas suas áreas de criação nos maciços barrosenhos. Assim, porque às populações serranas aquele som lembrava sem dúvida a voz de uma cabra, foi baptizada de Bode, Cabra-do-ar, Cabra-do-monte ou Cabra-velha, conforme as aldeias ou regiões.

BIBLIOGRAFIA

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