Enquanto há vento, há moinho

Sara Otero
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O moinho: uma peça de museu a trabalhar

Vitor Hugo adivinhou o meu espanto. Nunca tinha testemunhado o interior de um moinho a trabalhar. Mas afinal quantos de nós viram um moinho em funcionamento? E as crianças sabem de onde vinha a farinha para fazer o pão, ou pensarão que o pãozinho cresce por um fenómeno de geração espontânea nas prateleiras do supermercado?

Para colmatar estas falhas o moinho foi restaurado há catorze anos pelo Parque Natural de Sintra – Cascais, com a intenção de mostrar às crianças e a quem se interessar como é que antigamente se fazia a farinha.

O moinho tem dois pisos, em baixo a “loja”, e por uma escada muito estreita de pedra chega-se ao piso de cima, onde está toda a brilhante engrenagem que permite moer o cereal. O movimento das velas transmite-se à engrenagem interior através do mastro e é assim que as mós de pedra rodam e moem hoje o trigo. Quando este sai já moído em forma de farinha é protegido por um pano branco que está no chão “o panal”. O moleiro explica “a farinha acabada de moer é farinha em rama”, ou seja, integral. Dela se podem retirar através de sucessivas peneiras o farelo, o rolão e a farinha fina.

Pensou-se recentemente poder aproveitar este moinho para a produção de farinha biológica. O problema é que o custo de manutenção e o rendimento não equilibram o baixo preço com que se adquire a farinha industrial.


Fotografias de José Romão

A curiosidade faz girar as velas do moinho

Já há alguns anos que o que faz as velas do moinho girarem é a curiosidade de várias pessoas e escolas que o visitam. Hoje tem uma visita especial, as netas de Vitor Hugo, uma com cinco e outra com oito. Riem, sobem ao moinho e chamam “Oh, Avô. Avô!!!...”. Acenam. Grande agitação.

O filho, serralheiro mecânico de profissão, está doente. Nesta altura, o moleiro robusto como o seu moinho e bem disposto cede. Afinal não é fácil sustentar a família sem o rendimento do fabrico da farinha de outros tempos. Mas, vender o moinho é que não vende. Já lhe ofereceram dinheiro pelo moinho, mas desabafa “não senhor, não vendo o moinho”.

No ano passado, de Março a Novembro todas as semanas teve excursões de turistas, alguns estrangeiros, que nunca viram um moinho. “Se a Câmara paga a jardineiros para arranjar os jardins, porque é que não paga a um moleiro para manter o moinho.” E acrescenta: “Toda a vida tive de pedir esmolas. Estou farto. Se quiserem dar, melhor, senão...”,encolhe os ombros.

“Dinheiro na mão de pobre é sempre pouco”

O sítio é o mais elevado em redor, a confirmá-lo lá está o marco geodésico e o vento sempre a soprar. O vento, maestro sublime, dá o tom, e as velas, músicos experimentados, fazem ouvir a conhecida “música do moinho”.

Daqui ainda se contemplam no horizonte parcelas de terra agora lavrada, dum castanho forte, fértil, que promete boas colheitas, e remotos muros de pedra tão característicos desta região saloia.

Antigamente não havia parcela de terra que não estivesse amanhada. A paisagem era mais bonita. “Mais bonita era, mas melhor não. Os trabalhadores que andavam aqui a cavar estas terras, cavavam tudo. Não ficava nada por cavar, e tinham um quarto de pão por dia para comer. Alguns ainda se viam aflitos para arranjar dinheiro para comprar um quarto de pão. Nessa altura trabalhar era duro como o diabo”.


Fotografias de José Romão

Encarar a realidade como o moinho enfrenta o vento

Agora, novamente descontraído, o moleiro pergunta adivinhando o silêncio: “Sabe porque é que o moinho é redondo? Para pudermos girar o telhado para onde está o vento.” O moinho é orientado consoante a direcção do vento encarando-o sempre de frente.

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