Galerias Ribeirinhas Mediterrânicas – Oásis Lineares

Francisca Aguiar – Instituto Superior de Agronomia
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Figura II Vegetação ribeirinha mediterrânica (Ribeira de Grândola, 2004)

A componente herbácea sob coberto é muito variada, albergando espécies com vários graus de associação ao meio aquático, desde espécies emergentes (ou helófitas) tolerantes à oscilação do nível de água, como os juncos, junças e tabúas, até às espécies higrófitas, espécies que têm como habitat preferencial locais com grande humidade, mas estabelecidas geralmente em substratos não alagados, como por exemplo as espécies do géneros Mentha, Myosotis, Polygonum, Lythrum, e várias espécies de musgos, hepáticas e pteridófitos. Uma característica deste tipo de sistemas é a penetração de espécies terrestres, sendo frequente encontrar um elenco florístico terrestre superior ao das espécies associadas ao meio aquático.


A perturbação e uso antropogénico dos sistemas fluviais, quer no leito, quer nas margens ou nas zonas envolventes é uma constante nos sistemas fluviais da Península Ibérica, sem excepção para os rios de carácter mediterrânico. Esta degradação reflecte-se numa homogeneização florística e na intrusão de espécies ruderais (i.e. próprias de sítios artificializados, como margens de caminhos, entulheiras), espécies adventícias (fugidas de culturas) e nitrófilas (estabelecem-se preferencialmente em habitats ricos em nutrientes).

Para além da influência dos grandes gradientes regionais climáticos e da perturbação humana, as espécies ribeirinhas distribuem-se diferentemente ao longo do perfil longitudinal dos rios, em resultados da variabilidade geográfica (e.g. altitude, declive, topografia) e local (e.g. largura do canal, tipo de substrato). Assim, zonas de cabeceira de vales encaixados e substratos rochosos, suportam geralmente comunidades de fraca complexidade e de estrutura arbustiva ou herbácea. Os troços a jusante, com leitos de cheia frequentemente aluvionares e de solos mais profundos e enriquecidos em nutrientes, permitem o estabelecimento de comunidades de estrutura e composição mais complexa.


Figura III Galeria ribeirinha dominada por salgueiros (Ribeira de Aravil, 2004)

Funções e atributos das galerias ribeirinhas

Numerosas funções físicas, biológicas, ecológicas, sociais e económicas são atribuídas às galerias ribeirinhas, estando muitas vezes relacionadas entre si e dependentes do tipo de espécies presentes e da integridade das galerias, traduzida em aspectos como a continuidade, o número de estratos, a densidade, a estrutura etária.

Uma das funcionalidades mais referenciadas é a de suporte ecológico de comunidades bióticas é a promoção da biodiversidade. Várias espécies de mamíferos, insectos, aves, macroinvertebrados aquáticos, peixes, anfíbios, entre outros, utilizam e dependem directa ou indirectamente das galerias ribeirinhas nas suas várias vertentes: habitat, repouso, refúgio, reprodução e alimentação. Para estas funções, contribuem atributos específicos que favorecem uma maior complexidade estrutural e biológica das galerias, como a heterogeneidade florísitica, a renovação sazonal ou desfasada da folhagem (espécies caducifólias e/ou perenifólias), a “contínua” incorporação no sistema de materiais orgânicos, a existência de estratégias diversas de reprodução, propagação e dispersão, a elevada produtividade e elevada eficiência no uso da água. Por outro lado, a natureza linear das galerias contribui para a função de “corredor ecológico”, conectando populações e permitindo a migração de indivíduos no seu interior. Este aspecto está amplamente dependente de factores estruturais, como a largura da galeria, o modo de ocupação do espaço aéreo (ou seja, a distribuição de estratos) e radicular, a heterogeneidade florística e a continuidade longitudinal.

As funções físicas são também de enorme importância em climas mediterrânicos, assegurando a retenção de sedimentos provenientes da elevada erosão hídrica decorrente do regime torrencial de caudais e contribuindo para a estabilização das margens. A situação de interface entre dois sistemas – o meio aquático e o terrestre – permite a actuação das galerias como zona-tampão (ou filtro biológico) de nutrientes e substâncias tóxicas provenientes de actividades agrícolas e industriais das áreas confinantes, além de incorporar material e organismos de ambos os ecossistemas. Não menos importante, a regulação biofísica do meio, com efeitos na moderação do crescimento excessivo de algas e espécies eutróficas, na protecção das comunidades e do meio aquático, proporciona amenidade climática em relação a temperatura, vento e luminosidade excessivas.

Outras funcionalidades menos visíveis são as de âmbito social e económico. No contexto sócio-cultural, contam-se as funções recreativas e educativas, como a melhoria da qualidade cénica da paisagem, fornecendo um gradiente cromático e textural esteticamente aprazível, e a oferta de áreas de lazer, de turismo de natureza e de educação ambiental (percursos pedestres, visitas temáticas).

O valor económico das galerias estende-se para além do uso da madeira, estando referenciadas uma multiplicidade de usos. Nas espécies lenhosas, para além do uso da madeira, algumas espécies são melíferas como o ulmeiro e o pilriteiro, outras têm folhagem com bom aproveitamento para forragem como o freixo e ulmeiro, ou podem ser usadas em doçaria, como é o caso do uso dos frutos de sabugueiro, no fabrico de bebidas alcoólicas (pilriteiro), medicamentos (e.g. choupo-negro, sabugueiro, tamujo, salgueiros) e até em tinturaria (tamujo, loendro). Mais conhecido é o uso dos ramos de alguns salgueiros (Salix sp.), do choupo-negro e do sanguinho-de-água em cestaria. São também numerosos os exemplos de utilizações económicas das espécies ribeirinhas herbáceas, sobretudo a nível cosmético (e.g. erva-sabão, Saponaria officinalis), medicinal (e.g. hipericão, Hypericum sp.), na alimentação (e.g. poejo, Mentha pulegium) ou como melíferas (e.g. verbena, Verbena officinalis). Em oposição, um valor que se rege por ópticas não economicistas é o puramente eco-cêntrico ou eco-altruísta, encarando estes sistemas pelo seu valor ecológico único, numa perspectiva conservacionista, visando a protecção de espécies, da biodiversidade e de habitats.

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