As Marés e os habitats por elas criados

Alexandre Vaz
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As zonas costeiras são regiões de interface entre os ecossistemas terrestres e marinhos, importantes pela enorme diversidade biológica que suportam e pela vasta gama de funções ecológicas reguladoras e depuradoras que desempenham.

Ciclicamente, a força da gravidade da Lua e do Sol provoca um fenómeno que se designa por Maré. Ao contrário do que muitas vezes se pensa, a força das marés faz-se sentir não só nos oceanos, mas também nas massas continentais. O deslocamento da crosta terrestre pode atingir, nalguns locais, os 30 cm. Em teoria, a força gravítica destes astros pode produzir marés até num copo de água. A amplitude das marés depende de muitos factores, como da dimensão da massa de água, do perfil do fundo dos mares, das costas e da posição relativa dos astros. O Sol exerce sobre a Terra menos de metade da força gravítica exercida pela Lua. Mesmo assim, quando estas forças se conjugam, durante a Lua cheia e a Lua nova, em particular nos Equinócios, a amplitude das marés é máxima.

As marés, altas e baixas, sucedem-se como consequência do movimento de rotação da terra. As regiões do globo terrestre que se encontram alinhadas com o eixo entre a Terra e a Lua estão na Preia-mar (maré alta) e as que se encontram na perpendicular desse eixo então na Baixa-mar (maré baixa). Demorará aproximadamente 6 horas 12 minutos e 30 segundos para que a Terra cumpra ¼ de volta, passando um local da máxima maré para mínima. Neste intervalo de tempo, o nível das águas do mar poderá ter variado mais de 15 metros. Apesar disso, nalgumas regiões do globo, como no Vietname, uma das marés do dia é tão mais pronunciada do que a outra, que aparentemente só existe uma baixa-mar e uma preia-mar por dia. Mesmo uma variação de apenas alguns metros no nível das águas do mar, pode traduzir-se no cobrir, ou descobrir, de muitos milhares de hectares de terra.

Fotografias de José Romão

 O efeito das marés sobre as comunidades vivas da orla costeira é imenso, estando elas na origem de biótopos extremamente ricos. Algumas zonas húmidas estão entre os biótopos mais produtivos do planeta, e um grande número resulta da variação dos níveis de água causada pelas marés. Ao longo dos séculos, o Homem transformou profundamente muitas destas áreas, que ainda hoje estão entre os biótopos mais perecíveis. Calcula-se que os alimentos produzidos em antigas zonas húmidas correspondam a cerca de metade das necessidades globais. A diversidade dos biótopos dependentes das marés é muito grande, pois, para além da sua acção, factores como o clima, o tipo de solo e o relevo contribuem para criar habitats muito diferentes. Até num país relativamente pequeno como é Portugal, podemos encontrar diversos habitats profundamente afectados por este fenómeno.

As praias ocupam a maior extensão do litoral português e, ainda que à primeira vista possam parecer bastante estéreis, são na verdade habitats verdadeiramente vivos. A razão pela qual nos parecem pouco habitadas, prende-se com o facto dos seus inquilinos viverem sobretudo debaixo da areia, pelo menos enquanto esta está emersa. Prova disso mesmo, são as diferentes espécies de aves limícolas que as frequentam em busca de alimento. Debaixo da areia das praias podem encontrar-se caranguejos, bivalves, diversos invertebrados e algas microscópicas.

 As comunidades que habitam as costas rochosas são profundamente condicionadas pela altura a que se encontram, e consequentemente pelo tempo que ficam expostas alternadamente ao ar ou à água salgada. No nível superior, as rochas são apenas banhadas pelas águas salgadas do oceano duas vezes por mês, durante a lua nova e o plenilúnio. Esta faixa é, frequentemente, enegrecida, devido à presença de variedades de líquenes e algas muito particulares. Mais abaixo, vão-se sucedendo organismos altamente dependentes das marés e do movimento das ondas para se alimentarem dos nutrientes em suspensão na água do mar. Neste meio particularmente oxigenado, podem encontrar-se lapas, mexilhões, algas, caranguejos, estrelas do mar e anémonas. Nas rochas costeiras formam-se ainda poças e pequenas piscinas naturais, em que a vida abunda, e que constituem também elas habitats muito particulares.

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