Reproduzir para Preservar – Conservação de Espécies Piscícolas Ameaçadas

Carla Sousa Santos – Centro de Biociências, ISPA
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A situação de conservação dos peixes dulciaquícolas nativos do território português

À medida que as investigações sobre a ictiofauna das águas doces de Portugal tem progredido, nomeadamente através de uma amostragem cada vez mais exaustiva dos diferentes cursos de água e do recurso a técnicas moleculares, tem-se vindo a tornar cada vez mais claro que muitos dos pequenos cursos de água do centro e sul do país albergam um importante número de espécies endémicas, muitas vezes limitadas a números extremamente reduzidos de pequenas bacias. Esta situação é bem ilustrada pelo facto de nos últimos sete anos se terem descoberto cinco novas espécies endémicas das nossas águas doces: Squalius aradensis na bacia do Arade e pequenas bacias do Algarve, Squalius torgalensis na bacia do Mira e ribeiras do sudoeste Vicentino, Iberochondrostoma almacai nas bacias do Mira, Arade e sudoeste Vicentino, Achondrostoma occidentale em três pequenas ribeiras da Estremadura (Alcabrichel, Sizandro e Safarujo) e Iberochondrostoma olisiponensis em alguns afluentes da margem direita do Tejo, junto a Lisboa.

Figura 3 – Escalo do Sul (Squalius pyrenaicus), espécie com estatuto de conservação “Ameaçada”. 

(Auoria: Carla Sousa Santos)

De acordo com a nova proposta de Livro Vermelho, existem cinco espécies de peixes nativos dulciaquícolas criticamente ameaçadas que requerem por isso medidas urgentes de protecção – Tabela 1. A esta lista deve juntar-se Achondrostoma occidentale, espécie que por ter sido descrita quando o Livro Vermelho se encontrava já em fase de ultimação não pôde ser avaliada. No entanto, de acordo com os autores que a descreveram, esta espécie encontra-se também em risco crítico de extinção elevando para cerca de 27% a percentagem de espécies endémicas nativas criticamente ameaçadas.

Tabela 1 – Espécies de ciprinídeos nativos consideradas criticamente ameaçadas e suas respectivas áreas de distribuição.

Espécie Rios
Anaecypris hispanica Guadiana
Iberochondrostoma almacai Mira, Arade e ribeiras do sudoeste Vicentino
Iberochondrostoma lusitanicum Sado, afluentes da bacia inferior do Tejo e ribeiras da Grande Lisboa
Achondrostoma occidentale Alcabrichel, Sizandro e Safarujo, Arade e Ribeiras do Algarve
Squalius aradensis Algarve
Squalius torgalensis  Mira e ribeiras do sudoeste Vicentino

Se se considerar a lista destas espécies criticamente ameaçadas (Tabela 1) emerge claramente um padrão biogeográfico: trata-se basicamente de espécies de pequenos ciprinídeos endémicos de áreas muito restritas do território nacional e habitando cursos de água de regime intermitente, de carácter acentuadamente mediterrânico (que ficam nos Verões secos muitas vezes reduzidos a pouco mais que um conjunto de pêgos) e situados em áreas do centro e sul do país onde o risco de seca severa é máximo. Do ponto de vista ecológico, constata-se que estes pequenos cursos de água estão na sua maioria fortemente degradados, sofrendo elevadíssimas agressões antropogénicas por acções poluidoras e extensas destruições de habitat.

Figura 4 – Ruivaco do Oeste (Achondrostoma occidentale), espécie criticamente ameaçada.

(Autoria: Jorg Freyhof)

Relativamente à poluição, não só os níveis básicos são frequentemente altos como (e este é o aspecto mais grave) existem crises agudas de poluição tipicamente associadas a descargas ilegais de poluentes que provocam mortalidades massivas. Estes picos de poluição eliminam os peixes da maior parte do curso dos rios, confinando os sobreviventes a pequenas bolsas a montante dos locais de descarga dos poluentes, que são muitas vezes áreas muito limitadas e que albergam números muito reduzidos de animais. Embora a partir destes refúgios precários haja, em anos em que não há crises agudas de poluição, alastramento das populações a outras áreas dos rios, torna-se claro que se está perante uma situação de extrema precariedade dos refúgios (já que mesmo intervenções humanas de pequena escala os podem destruir) e perante gargalos genéticos impostos repetidamente às populações.

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