O projeto ecológico e ambiental das Salinas do Samouco

Inês Rosado (junho de 2015)
Imprimir
Texto A A A

Alcochete foi, durante muitos anos, o principal produtor de sal de todo o país. As suas salinas tornaram-se históricas e representativas de uma vila plantada à beira Tejo, que ainda hoje colhe os frutos que passaram de geração em geração. Hoje é conhecida por salinas do Samouco e tem em si um projeto ecológico e ambiental de proteção e conservação que vai para além da produção de sal.

Basta passar a ponte Vasco da Gama para a margem sul do Tejo que muitos veem os salgados circundantes e sabem que ali em tempos houve uma grande quantidade de salinas em funcionamento, nos tempos áureos em que a produção de sal em Alcochete era uma mais-valia para a economia da vila, antes de a produção do mesmo começar a ser banalizada. O que não sabem é que ali há a única salina em funcionamento em todo o estuário do Tejo e todo um projeto de proteção, conservação e gestão ambiental.

Situadas na mais importante zona húmida do país, as salinas do Samouco são assim chamadas porque a única salina em funcionamento pertence ao salgado da freguesia do Samouco. Para além de ter a única salina ativa do estuário, é um dos principais pontos para alimentação e nidificação de aves que procuram a margem sul do Tejo em refúgio e, por essa importância ecológica e ambiental que representa sentiu-se a necessidade de criar em 2000 a Fundação para a Proteção e Gestão Ambiental das Salinas do Samouco.

A Fundação das Salinas do Samouco incorre em vários projetos de proteção e conservação ambiental, onde se destaca a produção de sal que ainda é feita de forma tradicional pelo último salineiro no ativo na vila de Alcochete, João Matias, que para além disso é também o encarregado geral de manutenção da salina. Márcia Vaz Pinto é bióloga e trabalha na Fundação há quatro anos. Conta-nos que o processo de apanhar o sal é mais complicado do que o que se pode pensar “Para se fazer sal é preciso uma série de trabalhos preparatórios e manutenção das salinas. Não havendo pessoas com conhecimentos não se faz (…) os salineiros têm de perceber de química, de meteorologia… para se fazer o sal não é só puxar a aguinha do estuário e já está. Ele [João Matias] anda para ali um mês a fazer circular as águas. Temos muita sorte em tê-lo connosco, é uma pessoa que tem muita experiência.”

A Fundação das salinas do Samouco faz ainda, pela altura do verão, atividades de rapação de sal para todos os interessados em participar, que vão continuar a trazer muitos visitantes ao complexo pela experiência de se tornarem salineiros por umas horas. É uma atividade que se realiza todos os anos e que dá mais visibilidade à Fundação e a todo o trabalho que dia após dia é realizado nos cerca de cinco quilómetros de extensão que separam a entrada, do lado de Alcochete, ao final das salinas, já em território pertencente à freguesia do Samouco.

Para além do sal, que ainda hoje é recolhido e comercializado, não só na loja das salinas como em pequenos comércios e lojas gourmet, a Fundação das Salinas do Samouco conta com outros projetos, não só ao nível de estudos das aves como mais recentemente ao nível das plantas halófitas, projeto levado a cabo por Márcia: “Há uma novidade no nosso projeto que é ao nível das plantas halófitas. As plantas halófitas são plantas aquáticas que aguentam estar submersas durante grandes períodos de tempo e que sobrevivem a grandes salinidades. São também conhecidas como legumes do mar.

Em alguns países já são incluídas na alimentação, aqui ainda estamos muito no início e tudo começou com a salicórnia (…) São plantas comestíveis, são riquíssimas, têm muitas propriedades da água marinha como antioxidantes… tem uma série de nutrientes importantes e muitas delas têm sal incluídas.” Estas plantas halófitas surgiram devido ao constante abandono e degradação das salinas, que precisam de um constante trabalho de manutenção e de responsáveis que saibam no que estão a trabalhar. Como apenas uma está em funcionamento, o abandono das restantes tornou possível um crescimento cada vez mais maior destas plantas. O objetivo, para já, é comercializar os “legumes do mar”, sendo que com as vendas Márcia alertou que “não pretendemos aqui enriquecer. A totalidade do valor conseguido com estas vendas e também com as vendas do sal reverte a favor da Fundação e dos nossos projetos de conservação.”

Mas não é o tanto o sal nem as plantas que levam as pessoas a visitar as salinas: é a avifauna que cada vez mais cativa as pessoas. As salinas do Samouco são um importante porto de abrigo para as mais variadas populações de avifauna mas é no inverno que podem ser observadas com regularidade mais de 15.000 aves. A localização das salinas na margem sul do estuário do Tejo confere-lhe grande importância como local de paragem de muitas aves migratórias, que ali param para nidificar.

Entre as cerca de 90 espécies que acorrem às salinas, destacam-se as garças, os pernilongos, a águia-pesqueira e o flamingo, “a ave que mais querem ver” como nos conta André Batista, responsável pelas visitas guiadas ao complexo e que já trabalha nas salinas há dois anos: “Rara foi a vez que não se viram flamingos numa visita guiada”. Para além daqueles que visitam as salinas por motivos de lazer, há cada vez uma maior procura por especialistas em aves: “Há uma procura muito grande por parte dos especialistas de aves (…) eles procuram outro tipo de aves que são mais difíceis de encontrar e de ver para o público em geral.”

Durante os trilhos que percorrem toda a extensão das salinas podem ver-se a olho nu alguns tipos de aves como o flamingo, mas há outras que são mais difíceis de encontrar. Para esse efeito, as salinas dispõem de pequenas casas construídas em sítios estratégicos onde se pode fazer a observação das aves através de telescópio, assim como à entrada é disponibilizado equipamento para a visita – que pode ser livre ou guiada – como bicicletas e binóculos. O complexo das salinas leva também a cabo o processo de anilhagem científica das aves, que lhes permite recolher um elevado número de dados, entre os quais se destaca quantos anos pode viver uma espécie, de onde vêm e para onde vão. “

A anilhagem é como um bilhete de identidade, o registo é sempre diferente de ave para ave”, partilha André “Uma ave pode ser anilhada aqui e anos mais tarde ser encontrada na Islândia, por exemplo. A anilhagem vai fornecer-nos muitos dados nessas ocasiões.”

Aqueles que visitam as salinas podem também regozijar-se com as dezenas de burros mirandeses que estão no local, a única espécie certificada de burros portugueses, que ali se encontram ao abrigo de um projeto de conservação.

Como os burros, também existem nas salinas outros tipos de mamíferos como coelhos-bravos, raposas e micromamíferos tais como ratos e ratazanas. Apesar de atuarem maioritariamente em ambiente noturno, estes animais são também contabilizados como pertencentes do habitat das salinas uma vez que os visitantes também procuram por eles, principalmente as crianças.

Passados quinze anos da sua criação, este projeto só recentemente começou a ter mais divulgação e atenção por parte não só dos habitantes locais como também de escolas de toda a zona da Grande Lisboa e de amantes e apaixonados pela avifauna do local, sendo que entre os visitantes das salinas já se contabilizaram alguns estrangeiros. André esclarece-nos: “Em 2014 tivemos 2800 visitantes durante todo o ano. Este ano, estamos em maio e já levamos quase tantos visitantes e ainda estamos a meio do ano”, em números concretos, até dia 21 de maio de 2015, as salinas do Samouco contabilizaram um número total de 2200 visitantes.

André e Márcia são as pessoas que, no local, dão a cara por este projeto que é independente na sua criação, não pertencendo a nenhuma autarquia. A Fundação é presidida pelo Engenheiro Firmino de Sousa e Sá, nomeado pela Lusoponte e tem um representante da Câmara Municipal de Alcochete e do Instituto de Conservação da Natureza ao abrigo do Ministério do Ambiente.

As salinas do Samouco têm na sua envolvência um ecossistema riquíssimo, que fornece produtos completamente saudáveis que podem ser utilizados e consumidos pelo ser humano, ao mesmo tempo que representa uma importante reserva para as mais variadas aves e alguns tipos de mamíferos. Márcia Pinto reforça a importância deste estuário e dos projetos que estão a ser postos em prática pela Fundação das salinas do Samouco: “A reserva natural do estuário do Tejo é importante a nível internacional. O estuário do Tejo não é só a ameijoa e os pescadores, tem toda esta parte ecológica e ambiental.”

*Escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico

 

Leituras Adicionais

O abandono das salinas

Ecologia e Conservação da Andorinha-do-mar-anã nas Salinas de Castro Marim e Cerro do Bufo

Documentos Recomendados

Observação de aves nas salinas de Alverca

A Produção de Sal

Produtos Sugeridos

Observação de Aves no EVOA - Espaço de Visitação e Observação de Aves - 1 adulto

Observação de Aves em família no EVOA - Espaço de Visitação e Observação de Aves

Comentários

Newsletter