A Lagoa de Óbidos - ciclos de maré e campanha de amostragem de águas e sedimentos

Maria João Sacadura Carvalho, Mestrado em Gestão e Políticas Ambientais*
Imprimir
Texto A A A

A Lagoa de Óbidos é uma zona húmida de elevado valor ecológico e económico que tem sofrido um processo progressivo de poluição e assoreamento. É aqui apresentado um estudo sobre a contaminação da água e sedimentos e análise dos seus ciclos de maré.

Este artigo pretende apresentar o trabalho efectuado e os dados já recolhidos no âmbito de uma tese de mestrado sobre a Gestão Ambiental da Lagoa de Óbidos e, que pretende fazer uma abordagem a alguns temas nunca estudados nesta, como é o caso da contaminação de águas e sedimentos com metais, da análise de ciclos de maré e da biomonitorização. Estão já executados os ciclos de maré e sua análise, assim como recolhidas as amostras de águas e sedimentos. Apresentam-se aqui os resultados já disponíveis e serão elaborados outros artigos, à medida que foram sendo recolhidos mais dados.

A Lagoa de Óbidos tem uma bacia de drenagem que ocupa áreas variáveis de 7 concelhos, sendo que os de Óbidos, Bombarral, Cadaval e Caldas da Rainha são os que maior expressão têm nas suas necessidades de gestão, seja pela área que a bacia neles ocupa, seja pela inclusão do próprio espelho de água no seu território.

 Trata-se de uma bacia com cerca de 440 km2, nos quais a lagoa propriamente dita ocupa cerca de 7 km2. Nesta bacia individualizam-se as sub-bacias do Arnóia e do Real pela área que ocupam e a do Cal, pela carga poluente que este transporta. É uma área de potencial ocorrência de património arqueológico, está classificada como biótopo CORINE, foi incluída no Sítio Peniche – Óbidos, na proposta preliminar de sítios da Rede Natura 2000 e enquadra-se na lista de zonas húmidas portuguesas, elaborada de acordo com os critérios Ramsar. No Braço da Barrosa congrega importância para vários grupos biológicos, possui uma das poucas manchas de carrascal ainda existentes, tem zonas de vasa com vegetação bem conservada, boas condições para avifauna e ictiofauna e função de viveiro. Os principais factores de perturbação têm sido: poluição provocada por esgotos industriais e domésticos e, pelos pesticidas trazidos pelas enxurradas através de toda a bacia hidrográfica, forte pressão turística, construção, pisoteio sobre as dunas, queima do caniço, mobilizações profundas do solo para florestação de grandes áreas, possibilidade de drenagem da Poça do Vau para uso agrícola, caça ilegal e abate de espécies protegidas por lei até há pouco tempo, progressivo assoreamento da zona aberta que tende a fechar a comunicação da Lagoa com o mar.

 

 Sempre se verificou um maior transporte de sedimento do mar e rios para a Lagoa, que desta para o mar. Entre 1917 e 1980, houve um total de sedimentação de 2.692.750 m3, um total de erosão de 250.500 m3 e um diferencial de entradas na lagoa de 2.442.250 m3. O material sedimentado por ano e por km2 equivale a cerca de 5538 m3. Há 4000 anos a Lagoa de Óbidos era 9 vezes maior que hoje e a Pederneira era navegável até Alcobaça. A Lagoa de Óbidos chegava ao castelo no tempo de D. Afonso Henriques e há 500 anos a Lagoa de S. Martinho estava a duas léguas de Caldas da Rainha. Tem-se verificado sistematicamente um assoreamento da zona da foz dos Rios Real e Arnóia e redução da área dos braços do Bom Sucesso e Barrosa. Quanto à aberta, esta desvia ciclicamente ora para Sul ora para Norte. A partir dos anos 80, efectuaram-se diversas dragagens com o objectivo de tentar evitar o progressivo assoreamento e o fecho da aberta. De 1995 para agora, verifica-se que houve um substancial assoreamento do corpo central da lagoa até junto à confluência dos dois braços, sendo que neste momento a zona de entrada dos braços tende a fechar. Desde a construção do paredão de definição do canal de entrada/saída de água da lagoa para o mar, tem aumentado substancialmente o processo de assoreamento, acompanhado de erosão da margem sul perto do Gronho.

 

 Da análise dos ciclos de maré verifica-se essencialmente que há pouca relação entre amplitudes de maré e distância ao mar, mas que estas são bastante grandes por comparação com as profundidades médias; verifica-se também que os atrasos aumentam com a distância ao mar e são mais pronunciados nas marés vivas e vazantes. Verifica-se que há correlação negativa entre a amplitude da maré e a duração da enchente. De tudo isto decorre que o efeito de fricção dos fundos muito baixos é bastante pronunciado, a crista da onda de maré desloca-se mais depressa que a sua base e surgem vazantes prolongadas e com fraca capacidade de transporte hidráulico e enchentes curtas e com maior capacidade de transporte. Isto é concordante com Aubrey & Friedrichs, WHOI, para planícies de inundação de grande dimensão, onde o efeito do atrito é importante, de acordo com os quais se trata de um sistema com DOMINÂNCIA DE ENCHENTE, com enchentes mais curtas e de maior velocidade, que tendem a preencher os canais e depressões. As geometrias destes sistemas são menos estáveis e tipicamente de águas pouco profundas, por comparação com a amplitude das marés. Têm pouca capacidade de armazenamento de água, nas zonas intertidais aplanadas e nas zonas alagadas. Ainda de acordo com os mesmos autores, com o aumento de profundidade ou a diminuição da amplitude das marés ou ainda, o aumento das áreas de armazenamento intertidais, aumenta o domínio da vazante. Sendo que é impossível alterar as amplitudes das marés, restam as outras duas possibilidades, que por sua vez podem colidir e provavelmente colidem, com a manutenção de habitats de pouca profundidade, indispensáveis para aves limícolas e funções de viveiro.

 

 A campanha de recolha de sedimentos, águas superficiais e de profundidade, foi realizada em 19 pontos de amostragem, para avaliação das cargas poluentes de metais, dos conteúdos em matéria orgânica indiferenciada, dos valores de pH e da avaliação sedimentológica, com vista à execução de cartografia de distribuição mínima usando o Surfer e à identificação das origens de sedimentos e de cargas poluentes. Verificou-se para já, e só a partir da observação das amostras e pontos de recolha e da medição de pH, que na zona central do Braço da Barrosa o pH dos sedimentos ascende a 9 e, se libertou uma grande bolsa de metano dos mesmos, no acto da recolha. Sabe-se que tem havido desde sempre uma forte aporte de materiais contaminantes à lagoa, vindos das duas ETARs (Águas Santas e Foz do Arelho), de fábricas de cerâmica, produtos alimentares e agro-pecuárias.

Estão neste momento a ser desenvolvidos esforços pelas duas Câmaras mais próximas no sentido de evitar estes problemas, mas não há ainda nem da parte de Óbidos, nem da de Caldas, uma total resolução do problema, continuando a existir muitas ligações directas de esgotos a linhas de água, principalmente de agro-pecuárias na zona de Óbidos, que não passam por ETARs e, indústrias que não cumprem os requisitos mínimos de descarga nas mesmas – Cerâmicas Bordalo Pinheiro, Calimenta, Fábrica do Sabão e Fábrica das Velas entre outras.

 Como conclusões pode-se dizer que: é essencial terminar a caracterização iniciada, definir zonas sensíveis, de acordo com a caracterização a executar, prevendo-se já o interior dos dois braços, aumentar o leque de ensaios a executar nessas zonas – tipificar e localizar a matéria orgânica presente, assim como as contaminações industriais, sondar se possível em zonas não dragadas para caracterização holocénica, sondar nas zonas sensíveis para caracterização sedimentar em profundidade dos aportes contaminantes e, planear as dragagens a executar em função destes dados, permitindo:



. Minorar a ressuspensão de sedimentos
. Evitar a contaminação de toda a lagoa durante a dragagem das zonas mais sensíveis, com metais e compostos orgânicos como o metano que forma bolsas no sedimento
. Evitar a eutrofização
. Evitar desequilíbrios durante épocas de reprodução e crescimento de juvenis
. Encontrar um ponto de equilíbrio entre a maior profundidade necessária para estabelecer um REGIME DE VAZANTE e, a sobrevivência das espécies dependentes das zonas alagadas pouco profundas e intertidais

Está também prevista uma campanha de biomonitorização que permitirá definir zonas no que se refere à capacidade de suporte de vida para algumas espécies e habitats; esta carece ainda de definição em detalhe.

 

Documentos Recomendados

Gestão sustentável de sistemas lagunares: a Lagoa de Óbidos

Análise da relação entre a dinâmica de áreas saturadas e o transporte de sedimentos em uma bacia hidrográfica por meio de monitoramento e modelagem

Comentários

Newsletter