A Apanha de Algas no Sudoeste Alentejano

Dora Jesus
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No Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina existe uma aldeia – Azenha do Mar – que nasceu em torno da apanha de algas. Ainda que já tenha tido dias mais prósperos, esta actividade ainda subsiste e dela há muito que contar.

Uma das algas vermelhas que cresce na costa sudoeste portuguesa dá pelo nome científico de Gelidium sesquipedale, é uma alga com elevado interesse económico porque dela se extrai o ágar-ágar, um dos hidrocolóides cujo uso conhece maiores aplicações, desde a microbiologia como meio sólido de culturas microbianas, à indústria alimentar, onde conhece aplicações várias (emulsificante e conservante, pectina em gelatinas e compotas, agente clarificador na produção de cervejas, vinhos e café); à indústria têxtil (cola e impermeabilizante para tecidos) ou mesmo como lubrificante na fabricação de lâmpadas.


A apanha comercial desta alga deu origem, há pouco mais de 40 anos, a uma pequena aldeia do Sudoeste Alentejano – a Azenha do Mar, situada dentro do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV).


Para esta pequena e isolada comunidade piscatória, a faina no mar é a principal e quase exclusiva actividade económica durante a maior parte do ano, mas no Verão a exclusividade passa para a “apanha do limo” (apanha de algas), actividade que lhe muda o aspecto e odor.


Esta alga era inicialmente apanhada nos “laredos” (pequenas praias) entre as falésias, onde arrojava depois de ser arrancada pelo mar; na altura envolvia alguns núcleos familiares que ali se deslocavam em busca de rendimentos extra.


Com o passar dos anos, e com a fixação desses núcleos familiares, a apanha desenvolveu-se e evoluiu com as técnicas de mergulho, passando a apanha a ser designada como submarina, e chamando, a cada ano, mais apanhadores de fora, chegou a envolver cerca de 70-80 homens distribuídos por 20 ou mais embarcações.


Esta actividade debate-se hoje com alguns problemas graves, não decorrentes do recurso em si ou da exploração realizada mas sim dos factores económicos e legais que a envolvem.

Economicamente, o preço por quilo da alga, desce a cada ano que passa, e as despesas que cada apanhador tem de suportar sobem na razão inversa, quer pela conjectura económica nacional quer pelo aumento das exigências da única fábrica ainda a laborar em Portugal. Em termos legais, por um lado sente-se a crescente desactualização (23 anos) do decreto – lei n.º 504/80 de 20 de Outubro, que regulamenta esta actividade; por outro, o vazio legal existente à volta da carteira profissional de apanhador de algas: as únicas carteiras alguma vez emitidas, em 1967, são ainda provisórias, mas estão em vigor devido ao consecutivo adiamento (por sucessivos decretos-lei) da elaboração e promulgação de um diploma que regulamente esta profissão em concreto, bem como a sua formação, fora da alçada da Marinha de Guerra, e que determine os requisitos para essa mesma formação. Este facto leva a que a comunidade de apanhadores actualmente existente no nosso País esteja envelhecida e que os jovens potencialmente interessados na actividade se coíbam, com receio de elevadas coimas e sobretudo receio de perca da sua vida, porque ilegais não têm direito à assistência gratuita de medicina hiperbárica.

 Assim, e desde há alguns anos, que na Azenha se vive com a sensação de que “este é o último ano”, tendo-se verificado nos últimos 5 anos uma redução acentuada de homens e embarcações, ao ponto de em 2002, apenas 4 embarcações e 12 homens terem saído para a apanha submarina de algas.


Mesmo com esta sensação sempre presente, os homens da Azenha mantêm a esperança e continuam, a cada ano, os preparativos para mais uma safra.

Apesar da época oficial se iniciar a 15 de Julho de cada ano (estendendo-se até 15 de Novembro), a azáfama começa uns meses antes, porque é necessário renovar licenças e equipamento, solicitar vistorias às embarcações e equipamentos respectivos, pintar e limpar, afinar motores e compressores e escolher os homens para a safra desse ano, tudo para que na data oficial barcos e homens estejam prontos para mais uma das já muitas safras de limo que contam no seu currículo.


A época oficial para a época de apanha não é criteriosamente seguida, nunca começa antes da data oficial e nunca acaba na data oficial e raramente se consegue trabalhar mais do que 4 dias seguidos, e em raros anos de sorte consegue-se trabalhar 25 dias, porque nesta actividade quem manda é o mar e é ele que, quase sempre, decide quando se trabalha.

Um dia durante esta época começa bem cedo, quase madrugada ainda (6 – 7:00 da manhã), quando os homens se reúnem no pequeno porto de pesca da Azenha para olharem o mar e decidirem entre eles se mergulham nesse dia.


Quando o “mar é capaz”, agrupam-se em pequenas embarcações de apoio que os levam aos barcos da apanha submarina de algas, pintados de amarelo-dourado, e com nomes tão diversos como “Zezé”, “Lina Graça”, “Sesimbra Bela”, “Santa Susana” ou “Paulo Duarte”.


Os barcos dividem-se entre barcos grandes, que trabalham com um máximo 6 mergulhadores e 1 ou 2 “moleques”, que têm como função puxar as redes cheias de algas, entregues pelos mergulhadores, para a embarcação e arrumá-las convenientemente para que a embarcação esteja sempre equilibrada; e os barcos pequenos, conhecidos como “apolos”, que funcionam com um máximo de 4 mergulhadores (consoante o tamanho) e um “moleque”.


A apanha submarina de algas é uma actividade extremamente violenta fisicamente, pelo que a preparação de um dia de trabalho é um ritual seguido a preceito por todos os mergulhadores, pois dele dependem a prevenção de acidentes e, em último caso, as suas vidas: todos os pequenos pormenores são verificados, com especial atenção para as condições do aparelho (regulador) por onde respiram, e para o estado dos fatos de mergulho (o mais pequeno rasgão num fato pode provocar feridas devido à fricção constante, bem como ser um foco permanente de entrada de água ... fria).

A prevenção, aprendida e transmitida ao longo dos anos, para factores como o frio e o desconforto provocado pelas longas horas de imersão, é tomada em linha de conta no seu ritual diário; é prática comum ligar os pulsos, para assim evitar “pulsos abertos” e diminuir-se a dor do movimento milhares de vezes repetido; a colocação de uma prancha de madeira ou barbatana velha na zona lombar para evitar curvar as costas e manter direito o tronco é outra prática; vestir debaixo do fato de mergulho meias de vidro é outra das práticas comuns, esta para além de ajudar a combater o frio, facilita os movimentos e evita que os fatos, pela fricção constante na pele, provoquem cortes e queimaduras que dificilmente saram quando constantemente expostas ao mesmo movimento e à água salgada.

Com o ritual cumprido (não demora mais do que uns 15-20 minutos), eis que está na hora de começar mais um dia de trabalho nas profundezas, o compressor é posto a trabalhar, verificam-se mais uma vez os aparelhos de respiração; estes homens são mergulhadores semi – autónomos, o que significa que utilizam um equipamento de mergulho de circuito aberto autónomo de baixa pressão (narguilé), encontrando-se dependentes do compressor existente no barco que recolhe ar atmosférico e o envia através de mangueiras para poderem respirar debaixo de água. Estas mangueiras são o seu “cordão umbilical”.


Atiram-se para a água como calha, descem rapidamente até ao fundo e prontamente começam a recolher, à força de pulsos, algas para dentro de um saco de rede (xalavar) colocado à cintura. Quando o saco está cheio, os mergulhadores dão sinal ao “moleque” que estão prontos para subir, dois/três puxões na mangueira e o “moleque” começa a recolher a mangueira, mangueira a que os mergulhadores se agarram e que durante breves instantes é também significado de descanso. Chegados ao barco, o saco cheio é colocado num guincho e recolhido para bordo, e outro saco vazio é entregue ao mergulhador, que prontamente inicia a descida.

Este vai e vem é repetido vezes sem conta ao longo de 7 a 8 horas, dependendo essencialmente da quantidade de algas existente e da força e vontade de cada homem, em média cada mergulhador apanha por dia 15 sacos, o que, consoante a capacidade dos sacos (entre os 50 e 100 quilos), dá em peso húmido cerca de 750 a 1600 quilos de algas/dia.


Neste vai e vem constante, não há tempo para descanso nem para se preocuparem com paragens de segurança e descompressões, o objectivo é encher o maior número possível de sacos, e a segurança no mergulho é relegada para 2º plano na consciência destes homens, apesar de saberem e conhecerem de perto os riscos que correm mesmo às baixas profundidades a que trabalham (entre os 3 e os 12 metros).

 A única paragem que fazem é ao almoço. Nessa altura, calam-se os compressores e os homens relaxam a bordo por breves instantes, nunca mais do que 30 minutos, e porque há que aproveitar o mar e o tempo é dinheiro, a digestão faz-se debaixo de água.


Ao final do dia (16 – 17 horas) regressa-se ao porto e ao fim de 7 – 8 horas debaixo de água, os mergulhadores sujeitam-se ao esforço final do dia – descarregar o barco; as “apolos”, por serem mais pequenas entram directamente para o porto e iniciam logo a descarga dos sacos, os barcos grandes são fundeados ao largo do porto e a sua carga transferida para as pequenas embarcações de apoio e daqui para os tractores que transportam os sacos até aos campos de secagem. Nesta altura, os homens respiram finalmente e contabilizam os sacos desse dia, cada mergulhador conhece os seus sacos ou pela cor do saco propriamente dito ou pela cor da corda que fecha o saco, e as cores não se repetem.


Inicia-se então o trabalho das mulheres, geralmente as esposas ou outras familiares dos mergulhadores, um trabalho duro e sobretudo muito monótono, implicando uma prolongada exposição ao calor intenso do Verão.

A partir deste momento, a povoação da Azenha do Mar ganha um novo aspecto e odor; depois dos tractores atravessarem os campos, para onde são atirados os sacos do mergulhador “dono” do respectivo campo, as mulheres, muitas vezes “ajudadas” pelos filhos que ali brincam ao redor, iniciam a abertura dos sacos, deixando as algas em monte até finalizarem esse serviço.


As algas são então espalhadas o mais possível pelos campos de areia, para que sua secagem possa ser rápida mas uniforme, de maneira a que determinado grau de humidade seja atingido, sem que a alga seque demasiado e fique tipo “palha seca”, são segredos e truques que as mulheres foram aprendendo com as suas mães e com a experiência. Os campos ficam assim cobertos por um manto avermelhado mais ou menos uniforme, e no ar paira um cheiro forte mas agradável a algas.


No dia seguinte, em plena hora de almoço, quando o sol do meio-dia aperta, as mulheres dirigem-se novamente aos campos para voltarem as algas, com o auxílio de uma forca ou mesmo de uma cana.


Ao final do dia, um pouco antes do regresso dos homens, iniciam a recolha das algas já secas para um monte ou “pilha”, para que na volta dos barcos já o campo esteja pronto para receber novo carregamento de algas.


Quando o mar começa a “embravecer” e a dar mostras que já não acalma, lá para os finais de Agosto, meados de Setembro, é altura de recolher novamente os barcos a portos mais seguros, e de pensar em vender o “limo”.


Os homens encarregam-se da venda das algas secas, estas são carregadas para camiões e vendidas à única fábrica ainda a laborar no nosso país, onde sofrem os processamentos necessários para as diferentes aplicações a que o agar se presta.


O regresso a casa é feito com o dinheiro que lhes vai permitir fazer face aos rigores do Inverno e à impossibilidade de poderem mandar no mar, que não os deixa sair para a faina quando mais precisam.

A consultar para excelentes fotografias:

João Mariano (2001) “Trabalho de Fundo”. 1000 Olhos – Imagem e Comunicação, Lda. (www.1000olhos.com)


Bibliografia

D. Jesus. A Apanha de Algas na Azenha do Mar, Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina – Relatório Final, PNSACV, Odemira.

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