Como as árvores se tornaram música

Fernanda Bessa e Helena Pereira, Centro de Estudos Florestais, Instituto Superior de Agronomia
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Ao ouvir a guitarra de Carlos Paredes já imaginou que muito do que está a ouvir não seria possível sem a utilização da madeira? Neste artigo saiba como das árvores nasce a música.

 

 

O Homem e a música

Auxiliar do Homem há mais de trezentos milénios, a madeira é utilizada para fabricar instrumentos musicais há mais de 10.000 anos. Para a construção dos instrumentos musicais, como aliás para as múltiplas utilizações da madeira, é indispensável o conhecimento das propriedades deste material. O mestre artífice escolhe a madeira que lhe parece a mais apta à utilização que pretende dar-lhe, tentando penetrar no segredo de cada prancha, onde tenta ler a história individual da árvore que lhe deu origem.

A música acompanha o desenvolvimento do homem cultural. Para os gregos, a música tem origem divina e na mitologia aparece ligada às figuras de Apolo (Figura 1), de Amphion e de Orfeu, evidenciando o carácter mágico e o seu poder de domar a natureza e o lado mais selvagem do próprio homem. 

No homem primitivo, a música manifesta-se com origem sagrada e, simultaneamente religiosa e profana, exprime a revolta ou a sujeição, a alegria ou o medo perante a vida, a morte, a doença, os fenómenos da natureza. O carácter ritual das primeiras manifestações sonoras é confirmado pelos instrumentos pré-históricos encontrados, tais como chifres, ossos, objectos percutíveis, etc. 

Tudo deixa supor que, bem cedo, o Homem começou a construir e a aprender a tocar os seus instrumentos embora não se saiba quando, e em que circunstâncias, ele produziu os primeiros sons musicais, na época pouco conhecida da pré-história. Talvez que, pondo-se à escuta se tenha apercebido do eco abafado do bico do pica-pau martelando os troncos ocos, do assobio do vento nas canas quebradas ou da corda do arco que propulsa a flecha. Mais tarde, os fustes esvaziados das árvores servir-lhe-ão para comunicar à distância e aprende a fabricar, em osso ou em cana, apitos para se distrair e, finalmente, transforma o arco num instrumento sonoro. Consegue depois amplificar o som da corda, primeiro utilizando a ressonância da sua cavidade bucal, depois adaptando ao arco cabaças, descobrindo o princípio da caixa de ressonância que permite aumentar o volume sonoro de um instrumento.

Outras considerações de ordem social e religiosa entram também em linha de conta na construção dos instrumentos, cujo material deveria possuir carácter precioso ou indicar o estatuto e a classe social do proprietário. Por esse motivo, os instrumentos de madeira eram esculpidos e abundantemente ornamentados de ouro e prata.

É com o aperfeiçoamento das técnicas musicais e da pesquisa de novas tonalidades que as propriedades sonoras ganharão importância. Por exemplo, a madeira de buxo (Buxus sempervirens), a mais densa e dura das regiões europeias meridionais, foi utilizada para a construção de flautas desde a mais alta antiguidade. A sua semelhança com o marfim, um material nobre, tinha tanta importância como a facilidade com que se podia tornear ou o facto de raramente fender, mesmo seca.

A construção dos instrumentos musicais necessita de uma crescente especialização dos artesãos e um perfeito conhecimento dos materiais. A madeira é um material indispensável para a construção de instrumentos musicais, e deverá ser sempre adequada e da melhor qualidade para o efeito pretendido.

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