E depois do fogo? II. A evolução da vegetação

Joaquim Sande Silva, Escola Superior Agrária de Coimbra
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A sucessão de espécies que se acaba de descrever decorre, como é fácil prever, com inúmeras variantes. Uma das variantes mais importantes no nosso país corresponde à recuperação da vegetação em pinhais queimados. Caso existam árvores adultas próximo, após o fogo o pinheiro bravo comporta-se como uma espécie de regeneração obrigatória por semente, apesar de não constituir um banco de sementes. Dado o seu porte arbóreo e a sua maior taxa de crescimento, o pinheiro bravo tem normalmente tendência a dominar as restantes espécies. Se, mais uma vez, o processo de evolução do ecossistema não for interrompido, o pinhal assim formado permite criar condições para o aparecimento de espécies folhosas, tais como os carvalhos, o sobreiro ou o castanheiro. Novamente o resultado final seria uma mata com características semelhantes às que já descrevemos e que constituíram, em tempos remotos, o coberto vegetal do nosso país.

 

 

No entanto, em regiões onde a presença humana é uma constante, como acontece em Portugal, dificilmente se poderão percorrer todas as etapas descritas, dada a frequência elevada de incêndios e o elevado número de anos necessário para que se atinja um estádio mais ou menos evoluído. Por outro lado, não existe acordo entre os especialistas sobre o peso relativo do fogo na evolução e na manutenção dos ecossistemas Mediterrâneos, nem sequer sobre o modelo de sucessão que se descreveu. Se é certo que sempre existiram incêndios de origem natural, também é sabido que estes tinham e têm uma periodicidade bastante inferior aos incêndios de origem humana.

Contudo, muitos especialistas crêem que a única forma de manter a vitalidade dos ecossistemas Mediterrâneos é favorecer a sua regeneração através da utilização de fogo controlado. Esta corrente de opinião contesta as teorias de sucessão apresentadas anteriormente e refere que o fogo tem o papel de rejuvenescer comunidades arbustivas que de outra forma se tornariam envelhecidas e potenciais geradoras de incêndios de grande intensidade. Aos ecossistemas com estas características diz-se que são dependentes do fogo, pois só este ou outro tipo de perturbação permite o reiniciar do ciclo. Deste modo, é importante saber distinguir o papel natural do fogo nos diferentes ecossistemas, do papel que o homem quer que o fogo tenha em função de quaisquer objectivos que se pretendam atingir. Em relação ao primeiro aspecto, parece evidente que o fogo sempre terá contribuído para modelar e para regenerar os ecossistemas Mediterrâneos, se bem que não da mesma forma em todos os locais e de certeza com uma frequência muitíssimo inferior à que se verifica actualmente. Só assim se explica que a vegetação tenha tido, em tempos remotos, características muito distintas das que tem hoje em dia, tal como o provam diversos estudos e relatos históricos. Quanto ao segundo aspecto, trata-se sobretudo de, realisticamente, saber que tipo de vegetação e de paisagem se pretende ter, podendo a este respeito existir fortes discordância em função de diferentes sensibilidades e interesses.

 
Para além dos dois cenários apresentados - evolução da vegetação sem perturbações ou interrupção da sucessão pelo fogo (acidental ou controlado) - existe ainda a possibilidade de iniciar tudo de novo através de trabalhos de rearborização. Porém, dada a elevada capacidade de recuperação da vegetação Mediterrânea, a realização de arborizações depois de um incêndio para permitir a protecção do solo, nem sempre constitui a melhor opção. Apesar de tudo, em situações de avançada degradação de solos e em climas pouco favoráveis, os processos de reconstituição do coberto vegetal podem ser bastante difíceis, se não impossíveis, já que em muitos casos ao efeito do fogo se soma o efeito do pastoreio livre. Nestes casos torna-se imprescindível a intervenção humana para a criação de formas mais evoluídas de vegetação. A arborização das serras com pinheiro bravo durante o século passado em áreas de baldios foi, em muitos casos, dado o avançado estado de degradação entretanto atingido devido ao pastoreio e às queimadas, uma ilustração prática deste tipo de intervenção. Actualmente, nos poucos pinhais que restam desde essa época, é possível observar a regeneração natural das espécies arbóreas autóctones da região, a surgir debaixo das copas dos pinheiros.

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