E depois do fogo? II. A evolução da vegetação

Joaquim Sande Silva, Escola Superior Agrária de Coimbra
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Esta evolução levou à criação de diversas adaptações no sentido de garantir a perpetuidade das espécies e das formações vegetais. Algumas destas adaptações sugerem, para algumas espécies, a existência de uma estratégia no sentido de facilitar a ignição e a combustão, de forma a garantir a sua regeneração. A presença de óleos essenciais altamente inflamáveis, a acumulação de materiais finos, como ramos e folhas secas, ou a constituição no solo de bancos de sementes prontas a germinar através da acção do fogo, são apenas algumas das características das espécies Mediterrâneas que levaram a ventilar esta hipótese. Diz-se das espécies cuja regeneração é favorecida pelo fogo que são pirófitas, muito embora este termo possa ser alvo de contestação, na medida em que plantas destas espécies podem também ser encontradas em locais onde o fogo não é um factor importante.

 

 As espécies Mediterrâneas podem igualmente ser classificadas em função das estratégias de regeneração a que recorrem logo após o fogo. De acordo com este critério, as espécies podem ser divididas de uma forma simplificada em: espécies de regeneração vegetativa e espécies de regeneração obrigatória por semente. O primeiro grupo inclui todas as espécies cuja regeneração imediatamente após o fogo é garantida através do lançamento de novos rebentos. Neste grupo encontram-se algumas das espécies dominantes da nossa vegetação autóctone, como o medronheiro, a aroeira ou os carvalhos. No segundo grupo incluem-se as espécies que morrem após a ocorrência do fogo e, como tal, estão normalmente dependentes de sementes que possam germinar logo depois do incêndio. Estas espécies têm tendência a dominar em zonas mais secas e menos férteis e em fases pouco evoluídas da vegetação. Alguns exemplos são a esteva, o sargaço e o rosmaninho.

A estes dois grupos de espécies correspondem características completamente distintas em termos morfológicos e ecológicos. De um modo geral, as espécies de regeneração vegetativa podem atingir um porte elevado, produzem relativamente poucas sementes, têm uma raiz profunda e folhas largas e tenras. As espécies de regeneração obrigatória por semente são plantas que preferem áreas expostas, têm uma grande produção de sementes, possuem raízes pouco profundas e mecanismos de defesa contra a secura, nomeadamente através de adaptações diversas das suas folhas (por exemplo, menor tamanho, consistência coriácea e existência de pêlos).

Para a maior parte dos matagais do nosso país, a evolução natural após o fogo segue um padrão de sucessão mais ou menos generalizável, em que intervêm os dois grupos de espécies. Um dos factores que mais pode condicionar a sucessão de uma comunidade vegetal após o fogo é a composição dessa comunidade antes do fogo. Após o fogo a área é frequentemente invadida por espécies de regeneração obrigatória por semente, as quais formam, por vezes, um manto contínuo de uma única espécie. Estas espécies funcionam como pioneiras, dado que conseguem suportar as condições de maior exposição solar e de dessecação da superfície do solo. Entretanto, após as primeiras chuvas, ou mesmo antes, as espécies de regeneração vegetativa, quando estão presentes, iniciam o crescimento de novos caules, dado que a sua raiz profunda permite o fornecimento de água e nutrientes necessários a esse crescimento. O crescimento desta vegetação nunca atinge o porte de plantas com um único caule, devido à competição entre si dos numerosos caules. No entanto, pode ser suficiente para dominar, em parte, as plantas de regeneração obrigatória por semente as quais, devido às suas características, não suportam a sombra imposta por plantas mais desenvolvidas. Forma-se assim um manto baixo e contínuo de vegetação, típico de muitas das nossas serras e composto por espécies de ambos os grupos. É nesta fase que se torna possível o aparecimento de regeneração natural por semente das espécies de regeneração vegetativa. A razão para o aparecimento tardio de plântulas destas espécies prende-se com a sua maior exigência em termos de solo e de sombra, quando comparada com as espécies de regeneração obrigatória por semente. A possibilidade ou não de crescimento destas plântulas determina, em grande parte, o futuro da comunidade vegetal. Deste modo, caso não ocorra entretanto nenhum incêndio durante esta fase crítica (o que em Portugal é pouco provável), as novas plantas poderão crescer até adquirem porte adulto e dominarem, assim, a restante vegetação. Se todo este processo pudesse decorrer sem perturbações, o resultado seria uma mata composta por espécies folhosas, tal como as que cobriam há muitos séculos vastas áreas do nosso país.

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