Aproveitamento de Rolhas de Cortiça Usadas

Luís Gil, INETI, Unidade de Tecnologia da Cortiça
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A reciclagem de rolhas de cortiça não se trata de um processo simples nem facilmente aplicável. Apresenta-se aqui um invento que potencia a generalização da reciclagem das rolhas, mesmo em países onde não existe indústria transformadora da cortiça.

O invento

O presente invento teve como objectivo o desenvolvimento de um processo para o aproveitamento e/ou reciclagem das rolhas de cortiça natural ou aglomerada obtidas após extracção das garrafas ou garrafões. Este invento apresenta também como objectivo a obtenção de produtos, com diferentes comprimentos e formatos, para fins utilitários diversos, permitindo a sua fácil comercialização. Além disso, tem também como fim desenvolver uma forma ecológica e que vise a protecção do meio ambiente para a resolução do problema dos resíduos de produtos de cortiça.

Novidade face a soluções existentes

A operação de extracção dos gargalos das rolhas de cortiça natural ou aglomerada, tem que ser efectuada através de dispositivos mecânicos, saca-rolhas, com sistemas diversos que provocam sempre maiores ou menores deformações (perfurações, degradações laterais etc) que impossibilitam uma posterior reutilização dessas rolhas.

Para além da operação de extracção, também o aperto prévio das rolhas antes da introdução no gargalo e a sua adaptação ao formato do gargalo, com zonas molhadas e não molhadas com os líquidos vedados, fazem com que na sua recuperação após extracção, as rolhas percam o seu formato cilíndrico regular, ficando por vezes "tortas" e/ou com formatos tronco-cónicos.

Ainda além destes dois aspectos, é muito comum as rolhas ficarem embebidas no líquido que vedaram, pelo menos parcialmente na zona em contacto com este, enquanto estão, por vezes, em contacto com ambientes com sujidades, fungos etc., nas zonas expostas (topo superior). Assim as rolhas já usadas não ficam "inócuas" para posteriormente vir a contactar novamente bebidas.

Deste modo, o facto de as rolhas após extracção dos gargalos apresentarem perfurações e/ou degradações laterais, perderem o seu formato cilíndrico e ficarem conspurcadas, impossibilita a sua ulterior utilização como vedante.

Actualmente o único processo que existe para o seu reaproveitamento, é o da sua recolha e posterior trituração para o fabrico de granulados e, posteriormente, aglomerados diversos de cortiça. Porém, mesmo com este tipo de aproveitamento, o terceiro aspecto da conspurcação pode levantar problemas, pois em caso de líquidos corados e com odores (p.e. vinho tinto), a cor e os cheiros migram na cortiça e permanecem nos grânulos, não sendo por isso adequados para algumas utilizações.

Outro problema tem ainda a ver com as marcações a tinta ou a fogo existentes nas rolhas e com as diferentes colorações/tonalidades da cortiça das rolhas, conferidas pelos diferentes tratamentos de lavação e desinfecção, que se reflectem nos granulados e aglomerados obtidos.

Além disso, a recolha só se justifica em condições muito específicas dado esta utilização ser de valor acrescentado não muito elevado. Por exemplo, se o vinho for consumido nos EUA, não se justifica o seu transporte para Portugal, onde está a indústria de transformação da cortiça.

No que respeita à reutilização das rolhas após extracção, foram efectuados estudos de modo a obter-se a sua recuperação no que respeita a dimensões e estanquicidade (tratamentos térmicos, associados a redução dos calibres) que nunca chegaram a ser utilizados dados os custos envolvidos e os deficientes resultados em utilização.

Deste modo, os processos para o aproveitamento das rolhas de cortiça após uso em vedação de bebidas engarrafadas, são processos para aproveitamento de baixo valor acrescentado e/ou apresentam problemas técnicos nesse tipo de utilização. 

Descrição detalhada do invento

O invento refere-se assim a um processo para o aproveitamento de rolhas de cortiça natural ou aglomerada após extracção do gargalo de garrafas, processo esse que compreende a preparação/regularização dos topos das rolhas, através de corte ou lixagem, a sua furação (opcional), através de broca ou punção rotativo, a colagem das rolhas topo a topo, com um método e colas adequados, o desgaste/desbaste lateral dos bastões formados, através de lixagem em torno, rotação em mós abrasivas ou abrasão por elemento abrasivo controlado por tecnologia CAM, e podendo eventualmente compreender, no final, diversas operações de acabamento, tais como a colmatação dos poros, o envernizamento e a pintura, aplicados pelas técnicas existentes na arte.

O processo do invento proporciona produtos diversificados, com diferentes comprimentos e diâmetros e formatos diversos, que se destinam a variadas aplicações de utilização, de que se poderão citar a título de exemplo, canetas, lapiseiras, esferográficas, cabos de talheres, de lupas, de lâminas de barbear, de ferramentas, puxadores, toalheiros etc.

De acordo com uma concretização preferida, o processo do presente invento compreende os seguintes passos sequenciais:

1) Selecção das rolhas recolhidas;

2) Regularização dos topos por abrasão ou por corte de uma película;

3) Furação do centro das rolhas na direcção topo a topo, com diâmetros muito inferiores ao diâmetro das rolhas. Este passo de furação pode ser opcional;

4) Aplicação de cola nos topos das rolhas por qualquer método adequado;

5) Enfiamento das rolhas furadas num varão para contacto topo a topo, com ligeira compressão, e repouso durante um período de tempo suficiente para a "presa" da cola, formando-se um bastão. Esta operação de colagem das rolhas pode ser efectuada enfiando as rolhas num tubo com um diâmetro apenas ligeiramente superior ao das rolhas e comprimindo-as também ligeiramente.

6) Desgaste/desbaste da superfície lateral dos bastões de rolhas coladas obtidas por qualquer sistema adequado;

7) Operações de acabamentos opcionais.

O comprimento dos bastões pode ser o cumprimento final dos produtos pretendidos ou ser muito superior e os bastões serem posteriormente seccionados em comprimentos adequados aos diferentes produtos pretendidos. 
 

Vantagens do invento

O invento apresenta várias vantagens que são sintetizadas em seguida:

- Reaproveitamento de um produto após utilização para aplicações de elevado valor acrescentado;

- Obtenção de produtos cujo valor irá justificar e promover a recolha de um produto praticamente sem aproveitamento até à data;

- Os problemas de conspurcação não se detectam após os desgastes/desbastes/cortes dos topos e laterais das rolhas, e se subsistirem são eliminados pelas operações de acabamento;

- Utilização de tecnologias correntes sem os riscos de adaptação e/ou desenvolvimento de novas tecnologias;

- Os resíduos obtidos por este processo (aparas, pós) podem ter as reutilizações já consagradas na indústria corticeira;

 

- Obtenção de produtos de utilização comum com base numa matéria natural, recicláveis, de fácil aceitação no mercado;

- Possibilidade de exploração do invento em qualquer zona do mundo onde possam surgir rolhas usadas, mesmo que não seja transformadora de cortiça. 
 

Factores ecológicos ou de protecção do meio ambiente

O sector corticeiro tem uma posição de relevo no contexto da economia nacional, transformando Portugal cerca de 74% das mais de 300.000 toneladas anuais de cortiça produzida a nível mundial. São produzidas anualmente cerca de 20 biliões de rolhas em todo o mundo, sobretudo em Portugal e ainda em Espanha e Itália (a transformação da cortiça está muito confinada geograficamente). Como o vinho tem actualmente uma produção muito distribuída e é consumido em quase todas as regiões do Globo, estas rolhas (90% das rolhas produzidas em Portugal são exportadas) ficam espalhadas pelos vários países produtores e consumidores.

Deste modo, não seria “ecológico” nem económico transportar as rolhas, depois de consumido o vinho, para as regiões transformadoras de cortiça para posterior reprocessamento. Este invento pode ser assim aplicado em qualquer região, aproveitando as rolhas usadas aí obtidas, sem os problemas de transporte. Assim se asseguraria a utilização destes desperdícios.

Conclusão

Dado que a recolha e transformação de rolhas usadas em produtos corticeiros correntes só é económicamente viável em países com indústria transformadora de cortiça instalada, este processo permite o aproveitamento dessas rolhas em qualquer país em que sejam consumidas bebidas rolhadas com as mesmas, permitindo ultrapassar uma das suas linitações face às rolhas sintéticas.

Assim, seria de todo o interesse montar um processo de reutilização das rolhas usadas com base nesta patente no nosso País, que poderia não ser nem muito caro nem muito complicado, e eventualmente fazer um franchising para outros países onde os produtos de cortiça resultantes teriam até um carácter mais exótico e de fácil aceitação, podendo constituir uma boa oportunidade de negócio.

 

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