Problemas e Perspectivas na Avaliação de Diversidade Biológica a Larga Escala

Pedro Cardoso
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A conservação da natureza e prioritização de áreas para conservação exige o conhecimento de que espécies vivem numa determinada área. Apesar de conceptualmente simples, esta tarefa pode ser gigantesca dada a enorme diversidade de seres vivos.

A conservação da biodiversidade, incluindo os processos ecológicos e evolutivos, é uma das questões mais prementes da pesquisa biológica corrente. Uma das maiores crises que enfrentamos neste momento é a extinção massiva de espécies provocada pelas actividades humanas, sendo que a maioria das extinções ocorre em grupos simultaneamente megadiversos e pouco estudados, perdendo-se constantemente espécies que não chegamos a conhecer. Pode-se dizer que uma biblioteca arde todos os dias sem que tenhamos tempo de ler os livros que ela continha, ou sequer chegar a saber que livros lá se encontravam.
A conservação da natureza e prioritização de áreas para conservação exige o conhecimento de que espécies vivem numa determinada área. Apesar de conceptualmente simples, esta tarefa pode ser gigantesca dada a enorme diversidade de seres vivos que habitam qualquer local no planeta. O desenvolvimento, teste e aplicação sistemática de protocolos standardizados para avaliação de biodiversidade assume assim um papel fundamental em toda esta questão.
Diversos níveis de desenvolvimento de projectos de avaliação de diversidade podem ser reconhecidos. A perspectiva aqui apresentada poderá não ser a única, mas será certamente correcta em muitos dos seus aspectos.

NÍVEL 1

É a situação apresentada pela maioria dos grupos e locais. Poderão existir iniciativas a compilar os dados existentes, mas estes são por norma simplesmente inadequados para a maioria dos trabalhos. Os dados provêm de fontes diversas, aplicando metodologias muito diferentes entre si, muitas vezes a maioria dos dados provêm de bibliografia ou colecções que podem já não reflectir a realidade existente hoje em dia. Esta heterogeneidade torna a comparação de áreas muito imprecisa, enviesada ou mesmo impossível. Muitos exemplos existem, do qual o mais notório é o GBIF (Global Biodiversity Information Facility – www.gbif.org) que pretende compilar dados de distribuição de todos os organismos à escala global. Com os mesmos problemas mas numa escala nacional e taxonomicamente restrita, nomeadamente a situação portuguesa para as aranhas, pode-se referir o catálogo nacional disponível em www.ennor.org/catalogue.php.

NÍVEL 2

Um grande número de iniciativas de âmbito global está a ser desenvolvido com base em protocolos de avaliação e monitorização de diversidade bem definidos. Alguns dos mais notáveis são:
• The Conservation International BioRAP – Biodiversity Rapid Assessment Program ;
• Global Canopy Programme (www.globalcanopy.org);
• Tropical Ecology Assessment and Monitoring (www.teaminitiative.org).

Todas estas iniciativas são exemplos excelentes da aplicação prática de protocolos standardizados desenvolvidos em áreas muito distintas por diferentes equipas de investigadores. Sempre envolvem especialistas em diferentes áreas do conhecimento, da climatologia e geografia à entomologia, ornitologia, etc.
Com uma ambição diferente, mas certamente mais exaustivos, são muitos projectos mais limitados tanto em área geográfica como em especialidades envolvidas. Estes incluem:
• Biodiversity of Arthropods from the Laurissilva of the Azores (www.nrel.colostate.edu/projects/iboy/europeap.html);
• O Novo Atlas das Aves que Nidificam em Portugal (www.spea.pt);
• O British Spider Recording Scheme (www.britishspiders.org.uk).

O facto de todos estes projectos usarem metodologias muito bem definidas torna os dados comparáveis e qualquer trabalho que neles se baseie muito mais robusto, permitindo resultados e conclusões bem fundamentados.

No entanto, apesar de todas as vantagens, também apresentam algumas limitações que podem ser mais ou menos sérias, dependendo dos objectivos pretendidos. Primeiro que tudo, estudos prévios de esforço de colheita não são normalmente realizados. Desta forma toda a amostragem é baseada na opinião de especialistas de que esforço será adequado para os objectivos propostos. Apesar de esta opinião ser extremamente útil, pode no entanto estar enviesada da realidade, normalmente o esforço definido fica abaixo do necessário. Também estará dependente dos recursos disponíveis, e esta é uma questão incontornável. De qualquer das formas, sem estudos prévios a eficiência pode não ser a ideal e os recursos desperdiçados. Então, o que pode ser feito antes de se optar por um determinado protocolo que será replicado a larga escala? Desenvolver, testar e aplicar protocolos de avaliação de biodiversidade que garantam máxima adequabilidade, eficiência, flexibilidade e transparência.


NÍVEL 3

Chegamos assim ao terceiro nível dos projectos de avaliação de biodiversidade. Podendo estes conceitos ser discutidos caso a caso, qualquer protocolo tem de cumprir quatro requisitos fundamentais:
• Amostrar uma parte substancial, conhecida e adequada, tendo em conta os objectivos, da comunidade (adequabilidade);
• Requerer o mínimo esforço de colheita possível (eficiência);
• Ser facilmente adaptável aos recursos existentes (flexibilidade);
• Todas as opções têm de ser facilmente compreensíveis por todos os participantes (transparência).

Por forma a cumprir estes requisitos teremos de optimizar onde, quando, como e quanto amostrar. Isto pode ser feito em quatro passos:
• Definir as melhores áreas de amostragem, aquelas que nos permitam responder às nossas questões (onde);
• Amostrar durante as épocas mais produtivas (quando);
• Usar métodos adequados e testados para os organismos em questão (como);
• Definir o esforço a realizar por forma a atingir determinados níveis de “integralidade de inventário” (quanto), sendo integralidade a proporção de espécies capturadas em relação às estimadas para um determinado local.
Um exemplo de um projecto que já cumpre a maioria destes requisitos é o ALL – Ants of the Leaf Litter (antbase.org/databases/publications_20330.htm), que definiu uma estratégia muito bem fundamentada para monitorização de formigas epígeas tropicais. Outro exemplo será o futuro COBRA – Conservation Oriented Biodiversity Rapid Assessment, neste momento a ser definido para aranhas ibéricas e mediterrânicas. Os princípios definidos por estes dois projectos poderão servir de base para outros grupos, principalmente de invertebrados, que afinal de contas constituem a vasta maioria da biodiversidade existente, seja a nível local, regional ou global.

E depois?

Este tipo de protocolos será fundamental, por exemplo, na execução futura de inventários globais de biodiversidade (ATBI – All Taxa Biodiversity Inventory). Neste momento apenas desenvolvidos na Costa Rica (www.inbio.ac.cr), Suécia (www.artdata.slu.se/Svenska_artprojektet_Eng.htm) e Hawai (hbs.bishopmuseum.org), este tipo de projectos propõe-se inventariar todos os organismos de determinadas zonas relativamente extensas. A informação obtida tem sido fundamental para perceber que espécies se encontram onde e de que forma se relacionam entre si e com o seu ambiente. Os resultados são usados não só em biogeografia e biologia da conservação, como também em, por exemplo, bioprospecção. Esta área do conhecimento busca a descoberta das propriedades de novas substâncias químicas produzidas pelas espécies inventariadas. Estas substâncias podem-se revelar extremamente úteis na produção de novos fármacos ou outros usos mais práticos do ponto de vista exclusivamente humano.

 

 

 

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