Dispersão de bolota pelos vertebrados dos montados de sobro da Serra de Grândola

Rui Rodrigues, Ana Filipa Alves e Rui Rebelo – Centro de Biologia Ambiental, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
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Nos montados de sobro da Serra de Grândola estão a ser monitorizados o consumo e a dispersão de bolotas por aves e mamíferos, fenómenos que podem afectar decisivamente a regeneração natural do montado.

Uma das maiores ameaças à manutenção dos montados de sobro é a baixa capacidade de regeneração natural, o que leva a que um dos principais e primeiros objectivos de conservação previstos no Plano da Rede Natura para este ecossistema, consista em “Recuperar o potencial de regeneração natural do coberto florestal na restante área ocupada pelo habitat em causa” (Aguiar, C. 2005, www.icn.pt).

Sabe-se actualmente que são diversas as espécies de vertebrados que utilizam as bolotas, como alimento principal (Gaio, Rato-do-campo, Javali, gado doméstico, mas também diversos insectos) ou como eventual complemento da dieta (mesocarnívoros, como o Texugo e a Raposa, mas também diversas aves). Sendo um tipo de semente altamente energética e abundante no montado, constitui um elemento de elevadíssimo interesse alimentar, estando portanto, sujeita a grandes pressões por parte dos seus inúmeros predadores.

 
Por outro lado, considera-se que esta predação das bolotas é um factor decisivo integrante da estratégia de dispersão da planta a longas distâncias que, em conjunto com o seu posterior enterramento, pode ser bastante benéfico, pois possibilita a dispersão de sementes perdidas ou esquecidas num habitat adequado à sua germinação (Loman, J. dados não publicados). De outra forma, todas as sementes estariam sujeitas apenas a uma dispersão abiótica vertical, o que se revela um factor altamente negativo para a regeneração natural, pela pouca probabilidade de germinação e estabelecimento dos novos rebentos, em torno da árvore-mãe. Os vertebrados que enterram estas sementes, como as aves e mamíferos, são de um modo geral, agentes dispersores efectivos destas espécies vegetais, uma vez que existe o potencial recrutamento de novas plantas a partir de sementes não recuperadas pelo animal (Herrera, 1995).

Pretendeu-se com este trabalho identificar os principais vertebrados dispersores/predadores de bolota nos montados de sobro da Serra de Grândola. Na Herdade da Ribeira Abaixo, estação de campo do Centro de Biologia Ambiental localizada nesta serra, foi implementado um sistema de avaliação da remoção de bolota numa área com baixa densidade de ungulados (tanto domésticos como silvestres) no âmbito do projecto “Impactos da herbivoria e da remoção de bolota na regeneração do montado de sobro”, financiado pelo Programa Agro (Projecto Agro 669/ 2003.09.0024525.2). Recorrendo-se a sistemas de vídeo-vigilância, foram obtidos registos filmados de remoção de bolota pelos animais.

Foram colocados 4 conjuntos de alimentadores (cada conjunto constituído por dois alimentadores) em 4 locais distintos e afastados entre si:

-dois conjuntos em vertentes viradas a Norte, em zonas de bosque (com sub-coberto arbustivo denso) e próximos de ribeiras (B1 e B2);

-dois conjuntos em vertentes viradas a Sul em áreas abertas, com poucas árvores e sem sub-coberto arbustivo, sem qualquer curso de água na proximidade (A1 e A2).


Alimentadores A1 
 
 
 

Alimentador de topo B1, com sistema de videovigilância. Podem observar-se 24 bolotas colocadas no aimentador.

Os alimentadores foram construídos com madeira de pinho, de cor clara, com as dimensões de um quadrado com 50cm de lado. Em cada conjunto, um dos alimentadores (“topo”) foi instalado no cimo de um poste também de madeira, ficando a aproximadamente 1,70m do chão. O outro alimentador (“chão”) foi colocado ligeiramente enterrado, ficando ao nível do solo. Em todos foram feitos orifícios na sua base para escorrimento de água das chuvas.

Cada sistema de vídeo-vigilância foi composto por duas câmaras com leads de infravermelhos, ligadas a um quad e um videogravador, todos eles ligados a uma bateria multiusos 66mA-12V. Cada uma das câmaras foi apontada para cada um dos alimentadores do conjunto, em cada local. As horas de início de gravação variaram entre as 17:11 da tarde e as 21:13 da noite, e as horas de final de gravação variaram entre as 10:00 da manhã e as 13:52 da tarde. As filmagens foram feitas durante o mês de Junho de 2006, tendo-se obtido 6 a 7 dias de registos para cada local, num total de 448 horas de registos.

Ao longo de toda a experiência, foram removidas 1060 bolotas, tendo sido identificadas 9 espécies de animais visitantes (7 de Aves e 2 de Micromamíferos), num total de 1197 indivíduos, sendo o número de Aves superior ao de Micromamíferos (Tabela 1).

 

Tabela 1 – Lista das espécies visitantes e número de indivíduos, para cada local e alimentador.

No entanto, a remoção de bolotas para fora dos alimentadores (em oposição ao seu consumo no local) ocorreu apenas por Gaio (Garrulus glandarius) e Rato-do-campo (Apodemus sylvaticus), que foram também as duas espécies com maior número de visitas (693 e 466, respectivamente – Tabela 1). Verificou-se apenas uma excepção, de uma bolota removida pela Trepadeira-azul, Sitta europaea. Considerando apenas as remoções de bolota que se conseguiram apurar através dos vídeos, um total de 385 bolotas foram removidas por G. glandarius, e 112 por A. sylvaticus, sendo estes valores seguramente inferiores aos de remoção real. Foi também verificada a remoção de bolotas no chão pelo Gaio.

Considerando as taxas de remoção diária de bolota verificadas neste trabalho, podemos concluir que existe uma elevada predação de bolotas na área de estudo, assim como confirmar o Rato-do-campo Apodemus sylvaticus e o Gaio Garrulus glandarius como os dois principais predadores/dispersores de bolota nesta mesma área. Percebe-se também o valor e intensidade que pode ter este factor de remoção de bolota pelos animais na dispersão e estabelecimento das espécies de Quercus.

Apesar deste resultado, não podemos excluir a possibilidade de existir uma tendência de outras espécies, mais esquivas, para evitar áreas intervencionadas e com sinais de presença humana, como por exemplo, pistas odoríficas das câmaras, dos alimentadores e até deixadas pelos observadores.

O recrutamento de árvores de grande longevidade, como as do género Quercus, é limitado pela acção sinergística de diversas espécies de herbívoros que induzem a mortalidade dos propágulos em fases de vida consecutivas (Gómez et al, 2003). De acordo com este trabalho, e tendo conhecimento do papel do Gaio como um muito eficaz dispersor de bolotas nas áreas de Montado, podemos inferir que haverá uma tendência para um efectivo e eficaz potencial de dispersão e expansão de quercíneas na área da Serra de Grândola. Esta hipótese é sustentada pela elevada quantidade de bolotas removidas de locais de baixíssima probabilidade de estabelecimento de indivíduos (junto à árvore-mãe) e o seu muito provável transporte para outros locais onde essa probabilidade é maior.

Centro de Biologia Ambiental, Departamento de Biologia Animal - Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Campo Grande, 1749-016 Lisboa, Portugal


Referências

www.icn.pt/psrn2000/caracterizacao_valores_naturais/habitats/6310.pdf – Ficha do Anexo de Habitats do Plano Sectorial da Rede Natura para Montados de Quercus spp. de folha perene em Portugal (6310), por Carlos Aguiar (2005)

Gómez, J. M., García, D., Zamora, R., 2003. Impact of vertebrate acorn- and seedling-predators on a Mediterranean Quercus pyrenaica forest. Forest Ecology and Management, 180: 125-134.

Herrera, J., 1995. Acorn predation and seedling production in a low-density population of cork oak (Quercus suber L.). Forest Ecology and Management, 76: 197-201. 
 
 

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