Sexo infrutífero na luta biológica

Miguel Monteiro
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Numa biofábrica da Ilha da Madeira produzem-se diariamente cerca de 5 milhões de moscas do Mediterrâneo. O objectivo é combater a maior praga mundial de frutos frescos. Os resultados estão à vista.

 

 

 

 A mosca do Mediterrâneo Ceratitis capitata existe nos cinco continentes e é a maior praga mundial da fruticultura, pois ataca mais de 250 espécies de zonas tropicais, subtropicais e temperadas. Só na Ilha da Madeira causa prejuízos em cerca de 50 espécies frutícolas.

Para combater este flagelo, foi instalada na Ilha uma biofábrica que produz cerca de 50 milhões de insectos por semana. Duas vezes por semana efectuam-se largadas aéreas numa avioneta que “pulveriza” a ilha com milhões de machos de mosca do Mediterrâneo. A estratégia é astuciosa. Todos os insectos libertados são machos estéreis que vão competir com os animais selvagens pelo acasalamento com as fêmeas. Os ovos resultantes destas “uniões” não são viáveis e por isso não surgem as larvas que se iriam alimentar dos frutos e causar elevados prejuízos.

Com esta táctica, o programa Madeira Med “pretende colocar os níveis de infestação inferiores a dois por cento em dez espécies frutícolas (anona, araçá, damasco, figo, goiaba, laranja, manga, nêspera, pêra e pêssego)”, explica Rui Pereira, director da fábrica.

A produção desta unidade tem crescido desde 1997 e ao todo, até Julho de 2002 já foram criados mais de 7 mil milhões de indivíduos. Destes, cerca de 184 milhões foram exportados para Israel (entre Dezembro de 1997 e Junho de 1998), no âmbito de um programa de cooperação científica. 

 A biofábrica utiliza a Técnica do Insecto Estéril. As moscas são de uma estirpe geneticamente alterada, em que as fêmeas são sensíveis à temperatura. Ainda na fase de ovo, parte da produção é mantida para assegurar a reprodução, enquanto que a restante é seleccionada – as fêmeas morrem acima dos 34ºC. A fase de ovo dura dois dias após os quais emergem as larvas (dura 6 a 7 dias) que são colocadas em prateleiras de tabuleiros, com uma dieta à base de farelo de trigo, levedura de cerveja e açúcar. O estado seguinte é a pupa que dura duas semanas.

É nos últimos dois dias desta etapa que se formam os orgãos sexuais. É portanto, a altura ideal para esterilizar os machos através de uma radiação de cobalto. As pupas são então colocadas em sacos de papel semi-abertos de modo a permitir a emergência dos adultos. Cada uma das caixas utilizada nas largadas pode conter 5,5 milhões de moscas. 

 A avioneta "bombardeia" a ilha a cerca de 700 metros de altitude em linhas que distam 250 metros entre si. A dispersão aérea é mais homogénea, eficaz e barata que a terrestre, usada no início do funcionamento da biofábrica. 

Para que esta estratégia resulte, os machos estéreis têm que existir numa razão de 9 para 1 face aos selvagens. As estimativas levam a que sejam largados cerca de 50 mil machos por quilómetro quadrado. A operação tem que ser realizada duas vezes por semana porque há que contar com a constante emergência de fêmeas selvagens e com o tempo de vida do adulto que é bastante curto (7 a 14 dias).

Uma das grandes vantagens de usar só machos é evitar as “picadas estéreis” que as fêmeas fariam e que danificariam os frutos; outra vantagem está subjacente ao princípio da luta biológica: não usar produtos químicos, com todos os benefícios inerentes para o ambiente. 

As preocupações com o futuro do planeta são uma das razões mais importantes para desenvolvimento dos métodos de luta biológica. A técnica do insecto estéril usada na Madeira é talvez o exemplo mais significativo devido aos números envolvidos. Mas por todo o País se faz e desenvolve o controlo biológico. Por exemplo, nos Açores introduziram-se 150 mil joaninhas para combater afídeos (uma praga de citrinos) e em Trás-os-Montes usam-se larvas de joaninha para eliminar aranhiços-vermelhos (pragas das macieiras). Aliás, na Europa, Portugal foi pioneiro neste tipo de luta quando, em 1897, se introduziram joaninhas para combater icérias (praga dos citrinos), tal como se fizera em 1888 na Califórnia. A nível internacional, já se produzem industrialmente mais de 15 espécies de insectos e aranhas para serem usados no controlo biológico. 


É ainda difícil ter grandes explorações agrícolas sem recurso a pesticidas. Uma solução é fazer uma protecção integrada das culturas, através do uso dos predadores e parasitas naturais das espécies praga, de modo a reduzir ao mínimo a aplicação de químicos. A luta biológica, como a realizada na Ilha da Madeira, deverá ser uma aposta de futuro, com vista a travar os danos causados à Natureza. Só os EUA, em 1997, lançaram para o ambiente 2,5 milhões de toneladas de pesticidas e outros produtos químicos. Cerca de 672 milhões de aves foram contaminadas. O Homem também.
 
Sites Recomendados

www.sra.pt/dra/servapoi/madmed/MadMed.htm

www.agrobio.pt

www.sativa.pt

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