Animais racionais e irracionais, descubra as diferenças

Alexandre Vaz
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A nossa perspectiva de inteligência é antropocêntrica, pelo que na sua avaliação os animais ditos irracionais partem em desvantagem. Porém, o gradiente cognitivo que atravessa espécies e indivíduos é mais suave do que se pensa.

 

Por definição, nenhuma espécie animal é igual a outra. No entanto, existe uma que é indubitavelmente a mais diferente de todas: a espécie Humana.

A origem da vida na Terra foi um assunto que desde sempre fascinou a mente dos Homens. Durante séculos, diferentes culturas procuraram dar resposta a esse enigma através de explicações mais ou menos fantasiosas. Ainda hoje, sempre que a este propósito se confrontam visões religiosas conservadoras com científicas, surge a polémica. Apesar de ainda não sabermos exactamente qual o processo que desencadeou as primeiras formas de vida, há mais de 3000 milhões de anos atrás, actualmente o mundo científico aceita pacificamente as linhas gerais que traçam a evolução da vida sobre a Terra. Para isso, foi necessário que alguns eminentes cientistas, como Darwin, tenham tido a coragem de defender as suas teorias, mesmo contra os ventos e tempestades da ignorância.

Sabemos que durante milhões de anos a vida existiu somente no mar e que só mais tarde colonizou a terra. Durante a época áurea dos dinossauros, apenas algumas espécies de mamíferos, de pequenas dimensões e hábitos discretos, conseguiam sobreviver, mas com a decadência daquele grupo abriu-se uma oportunidade evolutiva que os mamíferos não desperdiçaram. Foi então apenas uma questão de tempo, até que aqueles que até ali tinham sido discretos e inadaptados, se tornassem abundantes, diversos e adaptados aos mais variados ambientes. Os mamíferos, que provavelmente tinham evoluído de ancestrais semelhantes aos actuais monotrématos existentes na Austrália, os ovíparos Ornitorrinco e Equidna, tinham tal como as aves uma enorme vantagem adaptativa relativamente aos répteis: são homeotérmicos, ou seja mantêm a temperatura do corpo constante. 


Fotografias de José Romão

 Entre as muitas formas que os mamíferos assumiram, encontrava-se um grupo, os prossímios, que evoluio de pequenos animais semelhantes a Musaranhos para mamíferos de olhos grandes e visão binocular, muito semelhantes aos actuais Társios e Lémures. Este grupo, de hábitos essencialmente nocturnos, deu origem aos primatas de hábitos diurnos. Estes beneficiaram da visão apurada, a cores e binocular, que lhes dava uma óptima percepção do espaço, que lhes permitia andar sobre as árvores de ramo em ramo e encontrar mais facilmente frutos. Para este efeito, era também necessária uma mão dotada de polegar oponível, que lhes permitia agarrar os ramos, manusear os frutos e capturar os insectos de que também se alimentavam.

Há cerca de 20 milhões de anos, em África, sorgiu um grupo de primatas para aquilo a que pensamos ser os antepassados comuns entre os Homens e os outros macacos antropomorfos, os Catarrídeos.

O tamanho dos macacos antropomorfos obriga-os a consumir grandes quantidades de alimento, pelo que têm que se deslocar a longas distâncias e a memorizar a paisagem. Para cumprirem estas tarefas, necessitavam de um cérebro maior do que os seus antepassados. Durante os 15 milhões de anos que se seguiram, os macacos obedecendo a mudanças do clima e da paisagem foram-se adaptando de tal forma que findo esse período surgiam os primeiros hominídos bípedes, e 2 milhões de anos mais tarde surgiam os primeiros Homens arcaicos, o Homo habilis. A esta época remontam também os primeiros utensílios esculpidos em pedra, mas somente há 40 000 anos é que a espécie de que fazemos parte, Homo sapiens sapiens, surgiu sobre a Terra. Feitas as contas, a nossa história comum, com aqueles que sobranceiramente designamos por animais irracionais, é muito mais longa do que a existência da nossa espécie.

 O conhecimento da sociedade e da inteligência dos nossos antepassados pode apenas ser inferido, através das suas características fisiológicas, como a capacidade do seu crânio ou da leitura de outro tipo de testemunhos, como instrumentos ou sepulturas por si deixados.


A separação entre Homens e animais, ou animais racionais e irracionais, é algo que está profundamente enraizado na nossa cultura, mas um critério objectivo para classificar estas diferenças parece difícil de formular. Tipicamente aquilo que se faz, é um pensamento no sentido inverso, ou seja, pensamos naquilo que Homem consegue fazer e que mais nenhuma animal consegue; e conclui-se que essa é a grande diferença entre ambos. O problema deste conceito é que também se podem arranjar muitas capacidades que os animais têm e que o Homem não consegue igualar. Como resposta a este paradigma, poder-se-ia restringir o problema às questões do intelecto, ou seja relacionadas com a inteligência e com a aprendizagem. Mas nem isso parece funcionar, uma vez que as próprias definições de inteligência e aprendizagem são também elas muito ambíguas, e rapidamente cai-se em explicações determinísticas, tais como: as abelhas conseguem construir ninhos complexissimos porque essa faculdade lhes está inscrita nos genes, e os Homens conseguem construir arranha céus porque são muito inteligentes.

A inteligência da espécie humana tem servido fundamentalmente para que os Homens se possam adaptar às situações que se lhe colocam, a um ritmo muito superior ao da evolução biológica. Agora em que medida é que esta estratégia tem sido positiva para o equilíbrio da própria espécie e do indivíduo, é que é mais difícil de precisar. O sucesso de qualquer forma de vida não parece estar dependente da inteligência do sujeito em causa, veja-se o exemplo de determinados vírus.

Tipicamente considerava-se que uma indubitável diferença entre os humanos e os animais ditos irracionais, era que os segundos procuravam apenas a satisfação das suas necessidades fisiológicas e a perpetuação da sua espécie, enquanto que os primeiros, procuravam também a fruição do inútil e do que não é fisiológicamente vital, do qual a Arte é o expoente máximo. Esta é provavelmente uma visão algo simplista, até porque cada vez são descritos mais comportamentos animais que se podem classificar, por exemplo, como simples brincadeira.

A nossa definição de inteligência é um conceito absolutamente antropocentrado, daí que a nossa tendência seja para considerarmos como mais inteligentes aqueles animais que mais se assemelham a nós. O Chimpanzé talvez ganhe este campeonato. A estrutura proteica do seu ADN é em 97,6% semelhante à nossa, ou seja, geneticamente a distância que nos separa do Chimpanzé é menor do que a que separa o Burro do Cavalo. Efectivamente, a capacidade de aprendizagem e de utilização de instrumentos é uma característica dos Chimpanzés. Também os Golfinhos, têm dado inúmeras provas da sua inteligência e até as aves, que durante muito tempo se pensou que eram estúpidas, sabe-se agora que são bastante inteligentes, em particular os corvídeos. Os peixes, que para muitas pessoas, sugerem animais destituídos de sistema nervoso central e de qualquer personalidade, podem aprender a reconhecer uma determinada pessoa e a demonstrar-lhe sinais de afecto.

 

 Muitas vezes, a dificuldade em compreender a dimensão das capacidades cognitivas de uma determinada espécie decorrem da dificuldade que temos em comunicar com ela. Uma Baleia azul, pode até ser muito mais inteligente que um golfinho mas, como provavelmente nunca a vamos conseguir manter num pequeno tanque, talvez nunca venhamos a ter a verdadeira noção dessa inteligência.

Em nome do falso argumento de que os animais não conseguem formular conceitos abstractos, como tristeza ou saudade, têm-se sujeitado esses seres a provações que em nada honram a nossa auto-proclamada inteligência. Curiosamente, em tempos mais recuados, em que por exemplo a cultura europeia vivia muito mais sob uma disciplina cristã, o respeito pelas outras formas de vida, alegadamente também elas filhas de Deus, era maior do que hoje em dia.

 A inteligência ou a falta dela, seja lá o que isso for, não deveria provavelmente ser um critério para que a nossa espécie se colocasse a cima de todas as demais, quanto mais não fosse, no seu próprio interesse.

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