Uma reflexão sobre o ordenamento do território

Nuno Quental, Escola Superior de Biotecnologia – Universidade Católica Portuguesa (09-2003)
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Por este motivo, a discussão em torno dos incêndios deve ser levada até às últimas consequências e, sobretudo, entendida em toda a sua plenitude e alcance, ultrapassando-se a mera identificação de medidas directamente relacionadas com a prevenção e combate aos fogos florestais.

É fundamental que se aproveite esta “oportunidade” – em que o ambiente ainda está na ordem do dia – para aprofundar o debate, dar-lhe maior abrangência e estabelecer a relação entre o desordenamento florestal e um problema estrutural do nosso país que só timidamente aparece nos telejornais: o desordenamento do território. Proponho-me, pois, reflectir brevemente sobre esta matéria, que creio tratar-se de um dos mais graves problemas que enfrentamos.

O desordenamento do território como um todo e o desordenamento florestal – embora exijam medidas correctivas específicas – estão intimamente relacionados e possuem uma raíz comum: ambos emergem da nossa incapacidade de estabelecer prioridades e pensar a longo prazo. Os portugueses não gostam nem estão habituados a planear, muito menos o território. Por isso, a partir do momento em se criaram no País condições técnicas e financeiras para o aniquilar, a correria foi tal que o resultado está à vista. A malha urbana cresceu descontroladamente e foi literalmente invadida por um horror contagiante, desprezível e anárquico.

 

Infelizmente, são tantos os interesses que se multiplicam à sombra desta agoniante realidade, que só por uma improvável coincidência o caos urbanístico poderá ser combatido eficazmente no curto prazo. O mais natural é continuarmos a assistir à degradação contínua de áreas cada vez maiores do território, à progressiva perda de identidade das povoações, vilas e cidades, à destruição de belas paisagens naturais, ao abate casuístico de árvores e à construção de mais condomínios fechados e de uns quantos centros comerciais atafulhados de sacos de plástico, escadas rolantes e ar condicionado.

O que se salva, afinal, de tamanha precariedade? Na maioria dos casos restam os centros históricos, muitos dos quais, à luz das correntes actuais, foram já devidamente “requalificados” com um toque de artificialismo e estranha sensação de limpeza. Nestes últimos vinte anos praticamente deixámos de fazer cidade e espaço público. Optou-se por um amontoado de ruas e blocos de cimento desumanos, descontextualizados, prontos a receber gente à procura de casa. Esta falência do urbanismo arrastou consigo a rua, a praça e o jardim enquanto espaço público tradicional. Falência essa prontamente aproveitada pelos investidores: actualmente o que mais atrai as pessoas são os espaços “públicos privados”, como hipermercados, centros comerciais e parques temáticos. Pouco há de novo que os substitua, pois os municípios demitiram-se, na sua quase totalidade, do papel estrutural que desempenham no correcto ordenamento do espaço.

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