Balanço de 2014: Surto de Legionella entre os piores e o início da reintrodução do lince-ibérico entre os melhores factos ambientais do ano que chega ao fim

Quercus - Assoc. Nac. de Conservação da Natureza (31-12-2014)
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No Balanço de 2014  o surto de Legionella e novas obras em Áreas classificadas são alguns dos piores factos ambientais, enquanto como melhores factos ambientais destacam-se criação do SIC Ria de Aveiro, o Pacote Energia e Clima 2030 e o início da Reintrodução do Lince ibérico.

O ano de 2014 foi marcado pela continuação da crise financeira e económica dos últimos anos, ainda que se tenha assistido a uma pequena recuperação económica do país. Num contexto cada vez mais premente de alteração de comportamentos, de modo a garantir a sustentabilidade do nosso Planeta, o grande desafio passa por conseguir conciliar futuramente o crescimento económico, em todas as vertentes que o mesmo implica, com atitudes individuais e coletivas mais respeitadoras do Ambiente.

A crise financeira que temos vindo a atravessar, para além de ter como consequência a diminuição do bem-estar da maior parte da população, tem acabado também por desviar a atenção da opinião pública dos graves problemas ambientais que continuamos a viver, tanto a nível local, como global. Seguindo uma lógica centrada no curto prazo, e muitas vezes sob pressão dos organismos internacionais e entidades privadas que continuam a condicionar as nossas políticas, tem-se vindo a assistir, também no plano ambiental, a várias decisões pautadas por objetivos imediatistas, ao invés de privilegiar ações com implicações positivas a médio e longo prazo.

Como tem acontecido em anos anteriores, a Quercus faz pois um balanço ambiental relativo ao ano de 2014, selecionando os melhores e os piores factos, e apresentando algumas perspetivas para o ano de 2015.

Os piores factos ambientais de 2014

Surto de Legionella
O surto de Legionella que se registou no início de Novembro de 2014, no concelho de Vila Franca de Xira, causou 12 mortos e 375 doentes, encontrando-se ainda hoje hospitalizadas oito pessoas. Este foi sem dúvida um triste episódio da nossa história mais recente, que revela bem a importância de manter uma vigilância e uma fiscalização apertada sobre as unidades industriais em laboração, uma vez que ficou demonstrada a correspondência da estirpe de bactérias isoladas numa das torres de arrefecimento de uma unidade fabril local, com a estirpe identificada nos doentes. É indispensável que depois de um incidente desta gravidade sejam reforçados todos os procedimentos legais, técnicos e operacionais, de modo a que o Estado possa garantir aos seus cidadãos um Ambiente saudável e um clima de tranquilidade social.

Governo cria "via verde” para infratores sem qualquer escrutínio público
Foi publicado a 5 de Novembro, o Decreto-Lei nº 165/2014, que entrará em vigor em 2015. Este diploma visa “criar um mecanismo que permita avaliar a possibilidade de regularização de um conjunto significativo de unidades produtivas que não dispõem de título de exploração ou de exercício válido face às condições atuais da atividade, designadamente por motivo de desconformidade com os planos de ordenamento do território vigentes ou com servidões administrativas e restrições de utilidade pública”, dirigido a estabelecimentos industriais, explorações pecuárias, operações de gestão de resíduos e pedreiras. Entre outros, o documento determina a suspensão dos procedimentos contraordenacionais diretamente relacionados com a falta de título de exploração ou com a violação das normas relativas à conformidade com as regras de ambiente ou de ordenamento do território que se encontrem em curso.

Construção da barragem de Veiguinhas em Bragança no coração do Parque natural de Montesinho.
Esta barragem reprovada várias vezes pelos serviços da tutela dos Parques Naturais, acabou por ser construída devido a muitas pressões políticas. O Parque Natural de Montesinho sai desvalorizado pois a barragem e respetivos acessos foram construídos no local que tinha mais importância para a fauna daquele Parque Natural – a cabeceira do Rio Sabor.

Insistência por parte do Município da Covilhã em construir a desnecessária Barragem da Ribeiras das Cortes
O Município da Covilhã, mesmo com um novo executivo, continua a exigir a construção da Barragem da Ribeira das Cortes, sem demonstrar de forma cabal que esta é mesmo necessária. Sabendo-se que o alteamento da Barragem existente na Cova do Viriato pode suprir as necessidades durante o estio, a Quercus continuará a lutar pelos meios que sejam necessários contra esta insensata pretensão, esperando que o ICNF, como autoridade nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, desta vez se preocupe em defender os valores naturais do Parque Natural da Serra da Estrela, e que a Comissão Europeia volte a demonstrar a mesma coragem em não permitir o cofinanciamento da barragem com verbas comunitárias.

Anúncio do início das obras das barragens da cascata do Tâmega afetando importantes áreas naturais nos distritos de Braga e Vila Real
Este conjunto de 3 barragens é uma parceria público-privada (PPP) contratada entre o Estado Português e a elétrica espanhola IBERDROLA, no âmbito do Plano Nacional de Barragens implantado pelo Governo do Eng.º José Sócrates. Este projeto põe em causa importantes valores naturais com realce para os impactos negativos para as populações de lobos no Sítio da Rede Natura 2000 Marão-Alvão.

Regime Excecional para a Reabilitação Urbana (RERU)
O RERU - Regime de Exceção para a Reabilitação Urbana (DL 53/2014) - vem isentar a atividade de reabilitação urbana do cumprimento de requisitos em diversas áreas, desde acessibilidades, proteção anti-sismo, até à melhoria das condições de conforto térmico e acústico, bem como a melhoria da eficiência energética, alegando uma poupança económica na realização dessa reabilitação.

Sistemático adiamento de uma verdadeira e efetiva responsabilização ambiental das empresas
Seis anos depois da entrada em vigor da Lei sobre Responsabilidade Ambiental, a maioria das empresas potencialmente poluidoras ainda não estão conformes com a legislação e continuam totalmente desprotegidas, sem qualquer garantia, ou contrataram garantias insuficientes. O Decreto-Lei 147/2008, de 29 de Julho, prevê que as empresas potencialmente poluidoras constituam uma garantia financeira sob a forma de garantia bancária, fundo ou transferência do risco para uma seguradora, para responderem por eventuais danos ambientais que possam vir a infligir. Todavia, muitas não estão sequer informadas de que estão abrangidas pela obrigação legal de constituírem tais garantias e o Governo ainda não fixou, por portaria, limites mínimos para os montantes das garantias financeiras que os operadores têm de realizar, para fazer face a eventuais acidentes, nem definiu as linhas de orientação quanto à constituição das mesmas garantias.

A ausência de revisão da legislação relativa às espécies não indígenas (exóticas) invasoras
Mais um ano que passou sem a necessária atualização da legislação que previna a introdução de espécies exóticas invasoras, nomeadamente abordando o problema das vias de introdução não intencional, crie um sistema de alerta rápido e de resposta célere e que defina planos específicos para erradicar ou controlar as espécies exóticas invasoras estabelecidas numa escala espacial adequada. Trata-se de uma legislação que foi criada em 1999 e que, daí em diante, não sofreu qualquer melhoria face ao avanço do conhecimento científico existente, pelo que não se compreende que seja um tema que continue arredado das prioridades políticas do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia.

Sítio de Importância Comunitária Comporta-Galé: mais um ano sem Plano de Gestão
Pese embora exista um compromisso do Estado Português com a Comissão Europeia com vista à execução do Plano de Gestão do Sítio de Importância Comunitária Comporta-Galé (Rede Natura 2000), o qual serviu de garantia ao arquivamento da queixa da Quercus relativa à construção de empreendimentos turístico-imobiliários alavancados por imparidades bancárias, a verdade é que continua esquecido o concurso público para a sua elaboração por parte do ICNF. A Quercus fez já saber que se a Secretaria de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza não encontrar os meios financeiros e instruir o ICNF para que seja lançado o concurso, solicitará à Comissão Europeia que reabra o processo contra o Estado Português e que, de imediato, o encaminhe para o Tribunal de Justiça da União Europeia por tendo como base o incumprimento doloso da legislação comunitária por parte do Estado Português e a não prestação de garantias suficientes de não reincidência.

ICNF legaliza a perturbação da nidificação de espécies protegidas no Parque Natural do Tejo Internacional (PNTI)
A alteração do Plano de Ordenamento do PNTI "legaliza" a navegação fluvial durante a época de nidificação em troços do rio Tejo e Ponsul sensíveis sob o ponto de vista de conservação da avifauna rara ou ameaçada que aí se reproduz, apesar de no respetivo diploma legal se admitir que na base da criação desta Área Protegida esteve a necessidade de "assegurar condições de reprodução para espécies muito suscetíveis à perturbação, como sejam a Cegonha-negra, o Abutre-do-Egito, o Grifo, a Águia-real, a Águia-de-Bonelli e o Bufo-real, entre outras". Nos últimos 20 anos, a época de nidificação de 2014 foi a primeira em que a perturbação da avifauna sensível no PNTI pela navegação fluvial deixou de ser interdita.

Problema de poluição do rio Noéme, na Guarda, mantém-se
O problema de poluição do rio Noéme, na Guarda, manteve-se em 2014 e irá, provavelmente, continuar a manter-se em 2015, uma vez que parece ser essa a vontade política da Câmara Municipal da Guarda. Em Novembro deste ano foi transmitido à Quercus que faltaria ainda instalar um equipamento de análise dos efluentes líquidos na estação elevatória à saída da Fábrica, equipamento que será candidato aos Fundos Comunitários 2014-2020. Sem este equipamento, o problema de poluição do rio mantem-se, uma vez que a ETAR doméstica de São Miguel recusa-se a receber o efluente industrial. Porém, algumas questões continuam a colocar-se: O que acontecerá se o equipamento não for elegível pelos apoios previstos? Qual o custo real de um equipamento desta natureza? Que verificação está a ser feita atualmente para redução da carga poluente industrial? Aguarda-se também presentemente a atuação da Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT) e do Ministério Público sobre este problema de poluição fluvial.


Os melhores factos ambientais de 2014

Criação do Sítio de Importância Comunitária Ria Aveiro – Rede Natura 2000
A inclusão da Ria de Aveiro na Lista Nacional de Sítios (Resolução do Conselho de Ministros n.º 45/2014), uma decisão que permite reforçar o estatuto de conservação naquela que é considerada a zona húmida portuguesa mais importante a norte do rio Tejo, foi uma notícia importante porque reforça a proteção de diversas espécies de aves, de comunidades da ictiofauna, nomeadamente espécies de peixes migradores muito ameaçadas em Portugal, como a Lampreia-marinha, o Sável e a Savelha e de habitats estuarinos e costeiros protegidos pela Diretiva Habitats.

Discussão pacote energia clima 2030
Portugal foi o país europeu a colocar mais ambição no pacote energia e clima para 2030 discutido durante os últimos meses e aprovado no Conselho Europeu de Outubro, ajudando a elevar as metas da Europa e de outros países. Com esta posição, Portugal mostra que está a fazer a aposta certa no caminho de um desenvolvimento com alicerces nas energias renováveis e numa economia de baixo carbono.

Início do processo de reintrodução do Lince-ibérico em Portugal
Já se iniciou a derradeira tentativa de restabelecer uma população selvagem viável de Lince-ibérico num território que foi parte da sua área geográfica de distribuição histórica, com a libertação de dois animais num cercado de adaptação. A Quercus subscreveu já o Pacto para a Conservação do Lince-ibérico em Portugal, como forma de apoiar a mais importante operação de sempre a realizar com uma espécie em Portugal, ainda para mais com o felino mais ameaçado do mundo, mas alertou para a existência de falhas de planeamento e organização e de insuficiente alocação de recursos que podem fazer perigar o processo a médio longo prazo.

Início das demolições no Parque Natural da Ria Formosa
Iniciaram-se as demolições na Praia de Faro, uma ação absolutamente decisiva que já vem com atraso de décadas. Apesar de positiva, a Quercus alerta para a necessidade de fazer cessar toda e qualquer ocupação existente no cordão dunar que não tenha interesse público comprovado, salvaguardando-se obviamente as sempre delicadas situações sociais que uma decisão deste tipo deste tipo obriga, e que se aposte sem hesitações na renaturalização das ilhas-barreira e penínsulas do Parque Natural da Ria Formosa, as quais são a única linha de defesa costeira viável para proteger as populações e bens dos efeitos das alterações climáticas.

A inédita condenação judicial dos proprietários da Quinta da Rocha, na Ria de Alvor, à reposição completa dos habitats que haviam destruído

O Tribunal Central Administrativo do Sul confirmou a condenação dos proprietários da Quinta da Rocha, na Ria de Alvor, que obriga à reposição completa dos habitats que haviam destruído, e a abster-se-a todo o tempo de quaisquer intervenções nas zonas que possuem espécies ou habitats protegidos. Esta decisão tem um impacte muito significativo no direito ambiental português, ao exigir o restauro integral dos valores naturais destruídos, obrigando a empresa de Aprígio Santos a submeter ao ICNF um plano para a sua reposição integral e culminando um processo que vem desde 2007 e que envolveu dezenas de denúncias, autos de notícia e contraordenações pelos danos ambientais realizados nesta propriedade.

Mobilidade em bicicleta

A 1 de janeiro de 2014 entrou em vigor a Lei 72/2013, com alterações ao Código da Estrada, que trouxe a mobilidade em bicicleta para um patamar de maior proteção legal, ao nível do que existia já há muitos anos na maioria dos países da Europa. Resta saber o que vai acontecer ao Plano Ciclando elaborado pelo IMT (Instituto de Mobilidade e Transportes) para a melhoria das infraestruturas cicláveis mas que ainda não foi aprovado pelo Governo e portanto ainda não foi orçamentado. Resta saber, também, o que vai acontecer com outra legislação rodoviária que é necessário alterar (Regulamento de Sinalização Rodoviária, etc) para se proporcionarem mais condições para a mobilidade sustentável em bicicleta.


Perspetivas ambientais para 2015

Fiscalidade Verde
As medidas constantes da Reforma da Fiscalidade Verde, proposta pelo Governo e aprovadas pela Assembleia da República com os votos favoráveis da maioria parlamentar, entrarão em vigor em 2015. Apesar de ser reconhecido que esta reforma representa um primeiro passo no sentido de alterar o paradigma existente, será muito importante que em 2015, ano de eleições legislativas, se consiga encontrar outros consensos políticos de modo a melhorar futuramente este pacote fiscal. Será essencial dar um outro sinal à sociedade, sobretudo naquilo que tem a ver com o enquadramento e a justiça da reforma, de modo a que prevaleça uma visão de futuro, de modo a que o nosso país possa enfrentar os desafios do “pós-Troika” assente num novo paradigma de sustentabilidade.

Votos para a Lei do Amianto ser cumprida e para uma Estratégia Nacional para o Amianto
2015 deverá ser o ano para a definição de um plano de ação que preveja e impulsione o levantamento efetivo de todos os materiais contendo amianto em edifícios públicos, que possibilite avaliar o risco para os seus utilizadores e definir as situações que necessitam de monitorização, ou uma atuação mais urgente como a remoção, conforme a Lei n.º 2/2011, de 9 de fevereiro. De realçar que na maioria dos edifícios apenas se fez a «deteção da presença de fibrocimento», ficando de fora materiais eventualmente mais perigosos no interior, bem como os edifícios das autarquias e das regiões autónomas. É necessário que em 2015 se elabore uma Estratégia Nacional para o Amianto.

Conferência das Alterações Climáticas das Nações Unidas em Paris
O ano de 2015 ficará marcado pela Conferência das Alterações Climáticas das Nações Unidas em dezembro, em Paris, de onde se espera que saia um novo acordo para a redução dos gases com efeito de estufa à escala mundial. Será sempre uma decisão difícil porque criará travões à utilização massiva de combustíveis fósseis, abrindo caminho à necessária e urgente transição para uma economia de baixo carbono, não só pelos países desenvolvidos, mas também pelas economias emergentes. Será também necessário apoiar os países com menos recursos financeiros e mais vulneráveis na adaptação às alterações climáticas.

Interditar a navegação fluvial no Parque Natural do Tejo Internacional (PNTI) durante a época de reprodução
Em 2015 espera-se conseguir anular a alteração do Plano de Ordenamento do PNTI através da via judicial, de modo a interditar a navegação fluvial durante a época de reprodução de espécies como a Cegonha-preta, símbolo desta Área Protegida.

O início da elaboração dos Planos de Gestão dos Sítios de Importância Comunitária
A Quercus considera o ano de 2015 decisivo para a consolidação da Rede Natura 2000 em Portugal, o ano do arranque da elaboração dos Planos de Gestão, o ano da avaliação das incorreções de alguns dos limites dos Sítios de Importância Comunitária e de Zonas de Proteção Especial para as Aves, da designação de novos Sítios e do processo de alargamento da Rede Natura 2000 ao meio marinho. Também seria desejável que fosse o ano em que não se confirmassem os receios de que a Comissão Europeia pretende aligeirar as regras que impedem a destruição da Rede Natura 2000 por investimentos privados de duvidoso interesse público.

*Escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico

Leituras Adicionais

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