Regime extraordinário de regularização de empresas e explorações sem licença é via verde para infratores, considera a Quercus

Quercus – Assoc. Nac. Conservação da Natureza (18-11-2014)
Imprimir
Texto A A A

O Regime extraordinário de regularização de empresas e explorações sem licença funciona como uma “via verde” para infratores sem qualquer escrutínio público considera a Quercus, que entende que o instrumento pode colocar em risco a proteção ambiental.

Foi publicado, no passado dia 5 de Novembro, o Decreto-Lei nº 165/2014 que cria um regime extraordinário de regularização de empresas e explorações sem licença. Este diploma, que entra em vigor em 2015, visa “criar um mecanismo que permita avaliar a possibilidade de regularização de um conjunto significativo de unidades produtivas que não dispõem de título de exploração ou de exercício válido face às condições atuais da atividade, designadamente por motivo de desconformidade com os planos de ordenamento do território vigentes ou com servidões administrativas e restrições de utilidade pública”, dirigido a estabelecimentos industriais, explorações pecuárias, operações de gestão de resíduos e pedreiras.

A Quercus já se tinha pronunciado sobre esta iniciativa do Governo em junho último, considerando que este era um instrumento legal que poderia servir para conhecer o universo real dos estabelecimentos e explorações irregulares, estimado em cerca de 3000 unidades, e tentar, em simultâneo, resolver algumas das situações detetadas.

No entanto, a Quercus sempre afirmou que este instrumento não poderia nunca deixar de ser um procedimento exemplar do ponto de vista da transparência, nomeadamente prevendo consultas públicas para cada caso, de forma a permitir que o processo de decisão fosse objeto de um escrutínio adequado que salvaguardasse o interesse público. Para além disso, tratando-se essencialmente de restrições impostas pelos instrumentos de gestão do território e de servidões administrativas, a Quercus reiterou que o levantamento destas restrições não deveria nunca resultar em impactes negativos significativos ou quaisquer danos ambientais. E foi ainda sugerido que o futuro diploma previsse a aplicação de medidas compensatórias ambientais e sociais que pudessem dar uma resposta positiva não só aos passivos ambientais acumulados, muitas vezes de enorme gravidade, mas também ao facto de estas empresas terem beneficiado economicamente da sua situação irregular, concorrendo de forma desleal com outras atividades análogas que cumpriram escrupulosamente todas as obrigações legais e que para tal efetuaram todos os investimentos exigidos em matéria ambiental.

Ora, o que se verifica no diploma agora publicado é que nem o escrutínio público está contemplado, nem a proteção ambiental e a compensação por danos ambientais prévios ao licenciamento agora em curso são considerados.

Muito pelo contrário.

Com efeito, o diploma prevê que todo o processo de decisão decorra através de uma “conferência decisória” dos serviços da administração, sem qualquer consulta pública ou que a informação seja, sequer, do conhecimento público. Mais, desde a entrada do pedido de licenciamento, o diploma prevê que a tomada de decisão ocorra num prazo de cerca de 30 dias. Face à expectável quantidade de pedidos, tendo em conta o universo estimado de 3000 explorações, e conhecendo-se as dificuldades de resposta da Administração na conjuntura atual, é manifestamente escasso o prazo legalmente consagrado.

O diploma prevê também que, no decorrer do processo de regularização, sejam suspensos os procedimentos contraordenacionais diretamente relacionados com a falta de título de exploração ou com a violação das normas relativas à conformidade com as regras de ambiente ou de ordenamento do território que se encontrem em curso, o que configura mais um claro e inaceitável favorecimento aos infratores e inaceitável prémio à concorrência desleal.

Este diploma é ambíguo ainda no que se refere às unidades em processo de licenciamento sujeitas à legislação de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA), uma vez que admite um procedimento de AIA simplificado, uma vez mais em manifesta vantagem face às unidades e explorações que cumpriram a lei e foram submetidas a completo procedimento de AIA, incluindo a obrigatória consulta pública.

A Quercus considera, assim, que este regime extraordinário de regularização e licenciamento é passível de redundar num processo completamente opaco, sem qualquer escrutínio público, com procedimentos administrativos que podem propiciar favorecimentos e sem que sejam devidamente asseguradas as garantias de proteção ambiental constitucionalmente consagradas.

*Escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico

Leituras Adicionais

Suinicultores propõem sistema nacional de gestão de efluentes de explorações agro-pecuárias

Associação Quercus denuncia depósito ilegal de resíduos industriais perigosos em área de Reserva Ecológica

Documentos Recomendados

Compostagem de resíduos da fracção sólida do chorume da pecuária leiteira intensiva, com objectivos agronómicos e ambientais

Créditos de carbono e suinocultura brasileira: situação atual e possibilidades advindas do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo

Produtos Sugeridos

Guia do Ambiente - Desenvolvimento Sustentável: Oportunidade Inadiável

Sobre a Terra - Um Guia para Quem Lê e Escreve Sobre Ambiente

Comentários

Newsletter