Surto de Legionella poderá repetir-se se a aplicação da legislação ambiental for adiada e desvalorizada

Quercus – Assoc. Nac. de Conservação da Natureza (14-11-2014)
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Numa altura em que o Ministério do Ambiente anuncia a realização de uma ação inspetiva extraordinária às instalações de algumas empresas situadas no concelho de Vila Franca de Xira, para determinar se o grave surto de Legionella atualmente verificado teve ou não origem nas mesmas, a Quercus denuncia, uma vez mais, a falta de um regime jurídico de responsabilidade ambiental devidamente regulamentado e dotado de eficácia.

A Quercus tem repetidamente alertado, tanto o atual como anteriores Governos, para os riscos ambientais e de Saúde Pública que a ausência de um regime de responsabilidade ambiental acarreta para o país.

Não sendo, por si só, suficiente para evitar todas as infrações em matéria ambiental, é indubitável que uma maior e – sobretudo – uma mais eficaz responsabilização civil subjetiva e objetiva dos operadores-poluidores contribuiria decisivamente para prevenir a ocorrência de ilícitos ambientais e de surtos epidémicos que tenham na sua origem uma atividade poluidora.

Como contribuiria, igualmente, pelo efeito dissuasor das coimas, e/ou outras sanções ou penas a aplicar, para diminuir os riscos e a quantidade de atividades empresariais desenvolvidas de forma ilegal e irresponsável, e que põem em risco o Ambiente e a Saúde Pública.

O Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 147/2008, de 29 de Julho, diploma que aprovou o regime jurídico de Responsabilidade Ambiental, refere que " se num primeiro momento a construção do Estado de direito ambiental se alicerçou sobretudo no princípio da prevenção, atualmente, a par deste princípio, surge como fundamental o princípio da responsabilização".

Para a Quercus, os sucessivos Governos e as demais entidades públicas competentes há muito que deveriam ter atuado com decisão no sentido da aplicação prática da Lei em matéria da responsabilidade civil ambiental, regulamentando o seu cumprimento pelos vários agentes. Não apenas porque a aplicação do regime da Responsabilidade Ambiental é economicamente mais vantajosa, mas também porque é simultaneamente mais eficaz do ponto de vista da prevenção ambiental e saúde pública.

Na verdade, seis anos depois da entrada em vigor da Lei sobre Responsabilidade Ambiental, o Governo ainda não fixou, por portaria, limites mínimos para os montantes das garantias financeiras que os operadores têm de realizar, para fazer face a eventuais acidentes, nem definiu as linhas de orientação quanto à constituição das mesmas garantias.

Não é por isso de estranhar que, atualmente, a maioria das empresas potencialmente poluidoras ainda não estão conformes com a legislação e não constituíram qualquer garantia, tendo outras contratado seguros ou outro tipo de garantias financeiras com valores muito aquém do razoável para os potenciais riscos que a sua atividade encerra.

O número de empresas portuguesas capazes de aferir os seus próprios riscos ambientais é muito reduzido, pelo que urge regulamentar esta matéria, em particular, adequando os limites mínimos das respetivas garantias financeiras de molde a garantir que o poluidor – ou a Seguradora para a qual tenha transferido a responsabilidade - tem a necessária e exigida capacidade financeira para suportar os custos de reparação dos danos ambientais, e a internalização do custo social gerado, e tornando assim obrigatória a comprovação da constituição da referida garantia financeira perante a autoridade fiscalizadora competente (APA).

É hoje evidente a falta de capacidade das entidades fiscalizadoras para fazerem cumprir a lei, o que resulta na existência de cada vez mais operadores a atuar ilegalmente. Daí que, em matéria de fiscalização, extremamente importante pela sua componente preventiva, a Quercus defenda a necessidade de o país ter uma verdadeira fiscalização ambiental que, sendo eficaz, evitaria certamente a ocorrência de novos danos ambientais.

Mas o que normalmente se verifica é precisamente o contrário, ou seja, a fiscalização só acontece de forma “extraordinária”, quando o dano já ocorreu e não antes, com todos os prejuízos que daí decorrem, como é o caso daqueles que se estão a verificar com o surto epidemiológico verificado em Vila Franca de Xira. É pois esta realidade que urge alterar e inverter, no quadro de uma verdadeira e efetiva responsabilização ambiental das empresas.

*Escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico

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