Sobre a Estratégia Nacional para a Conservação da Natureza e da Biodiversidade

Helena Freitas
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A Profª Helena Freitas faz uma análise crítica da recentemente apresentada Estratégia Nacional para a Conservação da Natureza e da Biodiversidade, contribuindo para a discussão pública deste documento fundamental.

Um documento que temos aguardado com grande expectativa e ansiedade, é, sem dúvida, a Estratégia Nacional para a Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ENCNB). Estando prevista na lei de bases do ambiente, implicitamente exigida pelos diferentes acordos internacionais na área da conservação da natureza, em particular pela Convenção para a Diversidade Biológica, esta Estratégia constitui um documento essencial para conduzir de forma consistente, orientada e transparente, as políticas e prioridades para a conservação da natureza em Portugal. Uma versão da ENCNB foi tornada pública no passado dia 22 de Maio, estando disponível para consulta pública e aceitando contributos até ao dia 15 de Junho. 
   


Fotografias de José Romão

A importância desta Estratégia, a sua transversalidade em termos de intervenção política e a necessidade imperiosa do conhecimento e participação da sociedade para que qualquer estratégia se concretize nesta área, teriam justificado um tempo discussão bastante mais alargado e, porventura, uma longa e abrangente campanha de sensibilização prévia. Não tendo sido esta a opção do governo, será desejável que esta campanha se faça posteriormente, permitindo uma ampla divulgação dos seus objectivos e acções, e implicando o mais possível os diferentes agentes sociais e políticos. Esta deve ser uma aposta muito clara do Ministério do Ambiente, pois poucos documentos estratégicos têm a importância que este tem para o desenvolvimento do país.

Ao contrário de versões prévias da ENCNB, em que a elaboração exaustiva da situação de referência fez esquecer todos os instrumentos de avaliação, financiamento, planos de acção e respectiva calendarização, etc, traduzindo generosas manifestações de intenções mas nunca um verdadeiro plano estratégico, a versão agora apresentada apresenta uma concepção distinta, apostando claramente num bom enquadramento jurídico e político dos temas, tendo por referência o conjunto de princípios orientadores da política internacional de conservação da natureza. Além disso, ao contrário da versão anterior, este documento integra alguns planos de acção calendarizados, assume instrumentos de financiamento e avaliação e, embora não de uma forma equitativamente ponderada, apresenta algumas prioridades, relativamente bem definidas. De uma maneira geral, este documento é melhor que o apresentado em 1999, justificando uma análise cuidada, de modo a introduzir as modificações que se entendam necessárias para o melhorar.


 

Uma das primeiras impressões que resulta da leitura da presente ENCNB é a presunção de uma capacidade executória exagerada, tendo em conta a performance a que nos vem habituando o Instituto da Conservação da Natureza. É evidente para quem acompanha estes temas, que, se já é difícil para o ICN dar resposta às solicitações que vai tendo, sendo óbvia a sua limitação de recursos humanos e financeiros, como será possível responder ao acréscimo de competências impostas pela ambição desta estratégia, mesmo tendo em conta o reforço em recursos humanos e financeiros que anuncia? A verdade é que, há uma evidente situação de ruptura por parte de uma instituição com crescentes responsabilidades, que se traduz, por exemplo, pela ineficácia dos serviços para elaborar planos de conservação que garantam a sustentabilidade das áreas protegidas e os valores que as integram e pelo êxodo gradual dos seus melhores técnicos.

Mas vamos admitir que o reforço financeiro e em recursos humanos anunciados na presente ENCNB são reais e que vai ser possível contar com as condições previstas no documento. Esta aceitação não obsta a que que se faça uma análise rigorosa do financiamento previsto nesta ENCNB, de modo a avaliar até que ponto as verbas anunciadas são de facto para o investimento na conservação da natureza ou se, alegando investimento na área protegida, escondem de facto aplicações em infrastruturas duvidosamente assumidas como beneficiadoras da área protegida. 
   


Fotografias de José Romão

Esta é sobretudo uma Estratégia para a Conservação da Biodiversidade Terrestre. Na realidade, a riqueza da biodiversidade marinha nacional e a indiscutível especificidade desta área, justificaríam uma Estratégia para a Conservação da Biodiversidade Marinha. Actualmente, muitas das decisões políticas e administrativas relativas à gestão do ambiente marinho, e em particular à exploração dos recursos naturais, não têm por base conhecimentos científicos. Neste sentido é extremamente importante promover o conhecimento científico sobre a estrutura e funcionamento dos ecossistemas marinhos e garantir que este seja utilizado no processo de decisão.

Uma lacuna importante da ENCNB é, sem dúvida, a conservação das colecções taxonómicas. O documento assume a articulação com as colecções nacionais, jardins botânicos e zoológicos, como se estivesse assegurado o bom estado e a viabilidade financeira das mesmas. Infelizmente, não é assim. Mas é importante que estas colecções façam parte da actual estratégia e que seja assegurada estabilidade financeira e administrativa das entidades responsáveis pelo inventário de diversidade e actividades taxonómicas no âmbito destas colecções.

É lamentável também a falta de ambição no capítulo das alterações climáticas. Sendo certo que esta será uma das principais causas para a perda da diversidade biológica, o documento devia apontar para a investigação em termos dos efeitos concretos das variações previsíveis de precipitação e temperatura em espécies-chave, habitats-chave e paisagens, tendo por base, por exemplo, algumas espécies florestais indicadoras. É importante que a observação de modelos apoie as decisões que visem mitigar efeitos das alterações climáticas em termos das políticas a adoptar.

Por último, chamo a atenção para a necessidade da ENCNB incluir a constituição de conselhos técnicos e/ou científicos, ou seja, orgãos consultivos para apoiar a administração na tomada de decisão, sobretudo em áreas em que a prática de gestão se vê necessariamente condicionada pela incerteza científica e/ou algum nível de subjectividade. Por exemplo, a criação imediata de conselhos consultivos para acompanhamento e avaliação dos planos de acção relativos à protecção de espécies ameaçadas, das opções estratégicas e mesmo da formação dos recursos humanos.

 
 

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