Para quê Alqueva?

Miguel Araújo, Universidade de Montpellier e Universidade de Évora
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Estas reflexões são, ou melhor, seriam, importantes num País que preza pela utilização racional dos seus recursos financeiros públicos. Ninguém questiona a necessidade de investimento público, ou a inevitabilidade do desenvolvimento do Alentejo. Questiona-se, sim, a direcção desse desenvolvimento e a forma irreflectida como se gasta o dinheiro dos contribuintes.

Naturalmente que o Alqueva irá trazer benefícios imediatos a alguns concidadãos. Para começar, a indústria da construção civil beneficia. Beneficiarão também alguns especuladores que vêm agora os seus terrenos valorizados pela miragem de um desenvolvimento, que ninguém sabe qual é e a quem beneficiará. É possível que alguma indústria hoteleira se instale nas margens da futura albufeira. Um restaurante aqui, uma pousada ali, um campo de golfe acolá. Mas quem conhece o Alentejo sabe que o seu valor turístico lhe advém das suas cidades, das suas gentes, da sua História e da integridade das suas paisagens. Do ponto de vista turístico o Alqueva é mais uma albufeira num país repleto de barragens.

Mas como diria o outro - "why bother?". Afinal não são os Alentejanos os primeiros a querer o Alqueva? Não são os partidos políticos, da esquerda à direita, parceiros deste Alqueva que se vislumbra no horizonte? Não é este apenas mais um episódio de uso questionável dos recursos financeiros, a somar-se a tantos outros? Que diferença faz que o Alqueva seja um investimento irracional, do ponto de vista da utilização dos dinheiros públicos, se esta é uma miragem tão longamente desejada pelos Alentejanos. Não é o desejo dos eleitores o que confere racionalidade às decisões políticas?


 
 Estes seriam argumentos a considerar se as oportunidades perdidas estivessem apenas associadas ao dinheiro, público, investido em Alqueva. Em democracia é assim. Podem-se gastar milhões em obras de fachada. Se estas contribuírem para reforçar a moral dos Portugueses é dinheiro bem gasto. Mas com Alqueva é diferente. Não se trata apenas de dinheiro mal gasto. São oportunidades de desenvolvimento que se perdem e que dizem respeito a outros. Aos vindouros, isto é, àqueles a quem temos a responsabilidade de entregar um País com iguais, ou melhores, condições do que as que encontrámos. No dia em que expirar o prazo de validade da barragem, que sobrará dos solos empobrecidos, salinizados, poluídos e esterilizados, que suportaram as vicissitudes de uma agricultura intensiva, desenquadrada das potencialidade da região? Que sobrará do que foi, um dia, o esplendoroso vale do Guadiana? Refúgio de um património natural e cultural, irrepetível, que sobreviveu ao passar dos milénios mas que uma geração foi incapaz de lhe reconhecer valor. Quanto tempo será necessário esperar pela regeneração de um Guadiana que nunca mais voltará a ser o mesmo? Perguntas ao vento. Ninguém responde.

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