Importância de vertentes com diferentes orientações para a comunidade de anfíbios da Herdade da Ribeira Abaixo (Serra de Grândola)

Rui Braz e Rui Rebelo
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Os anfíbios são vertebrados extremamente dependentes da humidade ambiental. No entanto, ao contrário do que poderia parecer, diversas espécies encontram-se perfeitamente adaptadas ao clima mediterrânico do Sul de Portugal.

De entre os vertebrados terrestres, os anfíbios destacam-se por apresentar filopatria, baixa agilidade e constrangimentos fisiológicos, em especial a dependência de humidade ambiental. Estas características não só limitam a recolonização de áreas de onde se extinguiram (Blaustein et al., 1994), como são responsáveis pela fragmentação das populações, mesmo quando apresentam uma distribuição ampla (Stebbins e Cohen, 1995). O efeito destas características é incrementado pelo facto dos anfíbios apresentarem um ciclo anual que requer a migração entre habitats com propriedades ecológicas diferentes (Reh e Seitz, 1990). Assim, a sua presença está condicionada pelo bom funcionamento das componentes terrestre e aquática do habitat (Márquez e Alberch, 1995), tornando-os bons indicadores do estado dos ecossistemas. Apesar da aparente baixa abundância dos anfíbios, a sua representação pode ser substancial do ponto de vista da biomassa (Burton e Likens, 1975), fazendo com que desempenhem um papel importante no fluxo de energia e no ciclo de nutrientes, mesmo em zonas áridas (Stebbins e Cohen, 1995).

Embora a Serra de Grândola seja dominada por montado com e sem sub-coberto, existem ainda áreas isoladas representativas da floresta original - carvalhal misto (Quercus suber e Quercus faginea) com matagal mediterrânico - em vertentes íngremes viradas a Norte e Noroeste. Na realidade, estes isolados não são vestígios da floresta original, mas sim o resultado da reversão de habitats degradados. Esta reversão deu-se, sobretudo, após a mecanização da agricultura, uma vez que é impossível utilizar máquinas nalguns locais da Serra, em especial nas vertentes com declive mais acentuado. As vertentes onde se encontram os fragmentos de matagal mediterrânico podem ser consideradas ilhas de humidade, devido à sua orientação (N e NO) e cobertura arbustiva e arbórea. Na Serra de Grândola as vertentes com matagal mediterrânico correspondem a zonas com um microclima húmido, aparentemente favorável a maiores abundâncias e riquezas específicas de anfíbios. Este trabalho pretende, assim, testar a importância dos fragmentos de vegetação original para as diferentes espécies da comunidade de anfíbios da Serra da Grândola, através da caracterização dos padrões de utilização das vertentes com fragmentos de matagal mediterrânico.

A partir da amostragem da vegetação agruparam-se as várias vertentes estudadas, mostrando-se, assim, que existem diferenças entre elas. Há vertentes mais húmidas, compostas maioritariamente por carvalhal misto com matagal mediterrânico, que correspondem a microclimas húmidos.


Os anfíbios foram amostrados através de drift-fences (DFs) associadas a armadilhas de pit-fall, método muito usado em estudos de ecologia de anfíbios. Este método intercepta animais que se deslocam em meio terrestre, mostrando-se especialmente eficaz na captura de espécies com movimentos sazonais e direccionais de e para as áreas de reprodução (Arntzen et al., 1994), como é o caso dos anfíbios.

No total capturaram-se 118 indivíduos de 9 espécies de anfíbios, o que significa que a riqueza específica na Serra de Grândola é relativamente elevada. No cálculo e comparação das abundância relativas só se consideraram as espécies mais abundantes e com capturabilidade semelhante: Salamandra salamandra, Alytes cisternasii, Triturus boscai e Triturus marmoratus.

As abundâncias de Alytes cisternasii e de Salamandra salamandra foram significativamente maiores em zonas de montado e mostraram diferenças entre estações do ano (maiores no Outono e na Primavera, respectivamente). Em relação a T. Boscai e T. Marmoratus não houve diferenças na abundância entre habitats, nem entre estações do ano. Não houve também correlações significativas entre as abundâncias das espécies de anfíbios e a abundância ou biomassa de artrópodes.

Visto que não existem estimativas do efectivo populacional de nenhuma das espécies de anfíbios presentes na HRA, não foi possível quantificar o sucesso do método de captura usado neste trabalho. No entanto, 5 das espécies - Bufo bufo, Bufo calamita, Discoglossus galganoi, Pelodytes punctatus e Pleurodeles waltl - mostraram índices de captura muito baixos. Outras não foram sequer capturadas, embora tivessem sido observadas na área de estudo: Rana perezi e Hyla meridionalis. Estas dificuldades poderão estar relacionadas com características morfológicas e comportamentais das espécies. Os anuros com grande capacidade de salto ou arborícolas (e.g. Rana sp., Discoglossus sp. e Hyla sp.) são mais difíceis de capturar que as espécies terrestres sem essas capacidades (e.g. Bufo sp. e Alytes sp.). O uso simultâneo de vários tipos de armadilhas pode reduzir os problemas de selectividade que este método apresenta.

Amostraram-se, ainda, secções de ribeira adjacentes aos habitats amostrados por DFs e, em geral, capturou-se maior número de espécies nas DFs do que nas secções de ribeira amostradas.


O período em que decorreu o estudo (Outubro de 1999 a Junho de 2000) foi pouco característico em termos climáticos. Apesar da taxa de precipitação ter sido baixa no Inverno, os anfíbios reproduziram-se durante esta estação do ano. Aparentemente, os anfíbios da Herdade reproduzem-se desde que existam condições mínimas para o fazerem. A precipitação elevada durante a Primavera levou ao enchimento das ribeiras e outros corpos de água, oferecendo mais uma oportunidade para os anfíbios se reproduzirem, embora desta vez as abundâncias verificadas tenham sido baixas, provavelmente devido ao investimento que já haviam feito durante o Inverno. Apesar dos períodos de reprodução estarem repartidos, cada um deles apresenta durações muito curtas, o que é característico em áreas situadas em regiões temperadas, tais como os habitats mediterrânicos (Salvador e Carrascal, 1990).

Esperava-se que as capturas fossem mais elevadas nas vertentes mais húmidas, como já foi descrito em estudos similares (Preest et al., 1992; Civantos et al., 1999), o que não se verificou. As maiores abundâncias observaram-se antes nos conjuntos de DFs situados em áreas de montado com sub-coberto, em especial nas que se encontravam próximas da galeria ripícola.

Apesar de não haver registos fósseis que documentem a anfibiofauna da Serra de Grândola em tempos pré-históricos (Crespo, com. pess.), os resultados parecem indicar que os efeitos da fragmentação poderão ter sido pouco severos na diminuição da riqueza específica em anfíbios. As espécies de anfíbios do Sul de Portugal adaptam-se com facilidade ao clima mediterrânico, apresentando uma reprodução do tipo explosivo e uma grande resistência às flutuações meteorológicas. O Oeste alentejano é uma das zonas mediterrânicas com maior riqueza em espécies de anfíbios. A proximidade do oceano faz com que exista na Serra de Grândola humidade suficiente para a sobrevivência destas espécies, mesmo em habitats desprovidos de vegetação original.

O facto do habitat mostrar uma distribuição fragmentada não significa que as populações aí existentes não se movimentem entre diferentes manchas de habitat. A galeria ripícola e o sub-bosque, presentes em grande parte das áreas de montado, poderão funcionar como corredores, permitindo movimentos entre habitats com características diferentes. O facto de se terem detectado movimentos de juvenis de S. salamandra para a galeria ripícola nos conjuntos situados em áreas de montado, durante o mês de Julho, pode justificar a importância da galeria ripícola como zona de refúgio contra as temperaturas mais elevadas. Os dados parecem assim indicar que a vegetação ripícola é importante para o sucesso dos anfíbios em zonas semi-áridas, mais do que as manchas de matagal mediterrânico.

 

 

BIBLIOGRAFIA

Arntzen, J.W., Oldham, R.S. e Latham, D.M. (1994). Cost effective drift fences for toads and newts. Amphibia-Reptilia, 15: 267-274.

Blaustein, A.R., Wake, D.B. e Sousa, W.P. (1994). Amphibian declines: judging stability, persistence, and susceptibility of populations to local and global extinctions. Conservation Biology, 8: 60-71

Burton, T.M. e Likens, G.E. (1975). Salamander populations and biomass in the Hubbard Brook Experimental Forest, New Hampshire. Copeia, 541-546.

Civantos, E., Salvador, A., e Veiga, J.P. (1999). Body size and microhabitat affect winter survival of hatchling Psammodromus algirus lizards. Copeia, 1112-1117.

Márquez, R. e Alberch, P. (1995). Monitoring Environmental Change Through Amphibian Populations. In Global change and mediterranean-type ecosystems, 471-481. Moreno, J.M. e Oechel, W.C. (Eds). New York: Springer-Verlag.

Preest, M.R., Brust, D.G., e Wygoda, M.L. (1992). Cutaneous water loss and the effects of temeprature and hydration state on aerobic metabolism of canyon treefrogs, Hyla arenicolor. Herpetologica, 48: 210-219.

Reh, W. e Seitz, A. (1990). The influence of land use on the genetic structure of populations of the common frog Rana temporaria. Biological Conservation, 54: 239-249.

Salvador, A. e Carrascal, L.M. (1990). Reproductive phenology and temporal patterns of mate access in mediterranean anurans. Journal of Herptology, 24: 438-441.

Stebbins, R.C. e Cohen, N.W. (1995). A Natural History of Amphibians. New Jersey: Princeton University Press.

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