Estudo Etnobotânico no Parque Natural da Serra de S. Mamede

Joana Rodrigues
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Os conhecimentos sobre os usos tradicionais das plantas são um valioso património cultural em risco de desaparecimento. Apresentamos-lhe um estudo etnobotânico, que é uma contribuição para a preservação deste importante saber tradicional.

Os conhecimentos tradicionais sobre os usos das plantas em proveito do Homem remontam desde há muitos séculos e têm passado de geração em geração. As plantas sempre desempenharam um papel importante na vida do Homem, sob variadas maneiras: na alimentação, como condimento, para objectos de adorno ou de uso doméstico, para o vestuário, para construções, como combustível, como medicinais (empregues em mezinhas caseiras), em práticas mágico-religiosas, etc.

Embora antigamente o Homem tivesse uma relação muito coesa com a Natureza e as plantas em particular, e delas dependesse, muitas vezes, a sua sobrevivência e o seu bem estar, actualmente o conhecimento popular sobre o uso das plantas para aplicações medicinais está a desvanecer-se devido à maior qualidade de vida e por conseguinte à facilidade de recorrer à Medicina Convencional, e devido ao abandono da vida rural que se tem sentido nas últimas décadas. Este sentido dos acontecimentos leva, num médio prazo, à extinção deste património cultural tradicional que é o reconhecimento das plantas silvestres, os saberes sobre os seus usos (que atravessaram séculos de experimentação) e a sua valorização pelo cidadão comum (e não apenas pelos cientistas como tende a acontecer).

 

 

Fig. 1 - Centaurium erythraea (Fel da Terra)

 

 

Com o intuito de impedir que desapareça, sem deixar rasto, este património cultural que herdámos dos nossos longínquos antepassados, a Etnobotânica surge como uma ciência que se dedica à recolha destes conhecimentos populares tradicionais sobre os usos das plantas.

Um estudo etnobotânico foi realizado ao longo do ano 2000 na zona do Parque Natural da Serra de S. Mamede (PNSSM), focalizado para a recolha dos conhecimentos populares acerca dos usos medicinais, aromáticos e condimentares das plantas.

A região de estudo tem um carácter rural bastante acentuado (apesar do abandono crescente da agricultura) e possui uma população envelhecida. Estas duas características contribuem a que ainda haja hoje um grande número de pessoas ligadas ao trabalho rural e à vida no campo, e possuidoras de importantes conhecimentos etnobotânicos.

 

 

Fig. 2 - Malva sylvestris (Malva).

 

 

Com o objectivo de recolher estes conhecimentos populares e os nomes vulgares das plantas usados localmente, efectuaram-se entrevistas etnobotânicas a pessoas, geralmente de idade avançada, que eram indicadas como boas conhecedoras das plantas e seus usos.

As entrevistas etnobotânicas decorreram sob a forma de conversa informal (sem inquérito mas com um guião mental pré-definido) com o intuito de estabelecer com a pessoa entrevistada (“informante”) uma relação de proximidade e uma soltura na conversa, de modo a que o informante não se sentisse como num interrogatório mas pelo contrário se sentisse como um professor que ensina os seus conhecimentos com entusiasmo. Em cada entrevista recolheram-se os conhecimentos de um (ou por vezes mais de um) informante e compreendeu geralmente mais de uma visita ao mesmo. As visitas posteriores permitiram enriquecer a recolha de informação (já que de uma primeira vez o informante geralmente não conta tudo o que sabe, quer seja por desconfiança ou por se sentir pouco à vontade, quer seja por esquecimento), tirar dúvidas e fazer passeios aos campos ou hortas com os informantes, de modo a identificar as espécies que cada um referia com úteis. Este último método é indispensável num estudo etnobotânico já que, como é obvio, as pessoas referem-se às plantas pelos seus nomes vulgares, podendo estes variar dentro da mesma região ou ao longo do território português, sendo, deste modo, imprescindível uma correcta confirmação das plantas referidas e das espécies científicas correspondentes.

 

 

Fig. 3 - Olea europea (Oliveira)

 

 

Ao todo foram elaboradas 37 entrevistas etnobotânicas, nas quais se recolheram usos de 165 espécies diferentes. Destas, 150 foram referidas como possuindo aplicações medicinais, aromáticas ou condimentares (PAM – plantas aromáticas e medicinais), e as restantes 15 foram ainda mencionadas como usadas para outros fins, apesar do tema da investigação incidir nas PAM.

A espécie mais citada pelos informantes ao longo deste estudo foi Centaurium erythraea (Fel da Terra) - (Fig. 1), seguida de Malva sylvestris (Malva) - (Fig. 2), Olea europea (Oliveira) - (Fig. 3) e Pterospartum tridentatum (Carqueja) - (Fig. 4).

Entre as espécies a que foram atribuídos mais usos podemos referir: Phlomys lychnitis (Salva Brava) - (Fig. 5), Malva sylvestris (Malva) - (Fig. 2), Phlomys lychnitis (Salva Brava) e Melissa officinalis (Erva Cidreira) - (Fig. 6).

 

 

Fig. 4 - Pterospartum tridentatum (Carqueja)

 

 

Os usos medicinais mais mencionados pelos informantes foram: “Infecções ou Inflamações”, “Estômago”, “Constipações” e “Catarrais”. São problemas de saúde muito frequentes em qualquer grupo populacional e, por conseguinte, talvez tenha havido mais tentativas de experimentar várias plantas diferentes para esses fins.

Registaram-se 20 maneiras diferentes de preparar e aplicar as mezinhas caseiras, 10 de administração interna – Infusão, Chá (Decocção), Clister, Gargarejos, Inalação, Ingestão, Ingestão após cozedura, Licor, Maceração e Xarope - e 10 de aplicação externa – Aplicação directa, Cataplasma, Cataplasma indirecto (com um pano), Cozedura e uso dessa água para Banhos ou Lavagens, Decocção em Azeite, Defumadouro, Fusão, Maceração, Maceração em álcool e Pomada. Entre estes, o Chá (Decocção) foi o mais citado, sendo utilizado em cerca de 58% das espécies úteis referidas ao longo deste estudo.

 

 

Fig. 5 - Phlomys lychnitis (Salva Brava)

 

 

Ao todo, registaram-se 224 nomes vulgares atribuídos às plantas referidas como úteis. Comparando estes com os nomes vulgares recolhidos no território português, verificou-se que 63 dos nomes recolhidos neste estudo não estavam ainda documentados.

Em conclusão, pode afirmar-se que a região onde se insere o PNSSM é rica do ponto de vista etnobotânico e que é urgente proceder a um levantamento etnobotânico ao longo de todo o território português antes que percamos este valioso património cultural, que pode no futuro servir de base a uma valorização das plantas e ecossistemas naturais e pode vir a contribuir para aplicações farmacêuticas importantes baseadas na fitoterapia.

 

 

Fig. 6 - Melissa officinalis (Erva Cidreira)

 

 

 

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