A luta pela sobrevivência

Alexandre Vaz
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O bucolismo das paisagens esconde uma constante luta sem tréguas, tão antiga quanto a vida. As adaptações morfológicas e estratégias ofensivas e defensivas dos animais são tão fascinantes quanto decisivas para a sua sobrevivência.

 

Quando nos passeamos por uma bucólica paisagem campestre e assistimos a cenas como um rouxinol que canta do alto de uma moita, ou um coelho que pacificamente rói um rebento, tendemos a associar esta imagem idílica à ideia de que a vida dos animais silvestres está livre de preocupações de maior. Com efeito, isso não podia estar mais longe da realidade.

A maior parte dos animais silvestres está permanentemente sujeita a enormes pressões, como sejam a defesa do território, da família do alimento e da própria vida.

Das ameaças que os animais sofrem, poucas têm consequências tão imediatas e irreversíveis como aquelas que estão subjacentes às relações de predador-presa. Apesar de nem mesmo o predador mais poderoso, que ocupe o nível mais alto da cadeia trófica, se encontrar livre de ser atacado, quanto mais não seja enquanto jovem, na maioria das vezes, as diferentes espécies animais distribuem-se ao longo da cadeia trófica de forma que aquelas que estão no topo quase nunca são comidas, e as que estão na base, acabam quase invariavelmente na barriga de uma das que lhe está mais acima.

Independentemente da razão desta luta, e com excepção para comportamentos aberrantes, todos os animais, pelo menos até um certo estádio do seu desenvolvimento, investem a maior parte das suas energias em assegurar a sua própria sobrevivência, e porventura mais importante ainda do que isso, a sobrevivência dos seus descendentes.

De acordo com as teorias evolutivas vigentes, sabemos que apenas os animais mais aptos sobrevivem, o que quer dizer que ao longo de gerações, vão sendo seleccionadas características que lhes favorecem a sobrevivência e sucesso reprodutivo num meio mais ou menos hostil. Desta forma, os diferentes animais encontraram ao longo da sua existência soluções específicas para fazer face às ameaças a que estão permanentemente sujeitos.

De uma forma geral, quanto mais fisicamente indefesos são os animais, mais sofisticados são os mecanismos de que dispõem para se defender. É fácil compreendermos que, por exemplo, um elefante, não necessite de ser particularmente discreto, ou de ter uma pele urticante, para se defender. O que não quer dizer, que seja intocável.

Para uma presa, é muito mais compensador do ponto de vista energético, não ser sequer atacada do que, após o ataque lhe ser desferido, ter que fugir ou lutar. Daí que grande parte dos mecanismos de defesa sejam pura e simplesmente evasivos ou dissuasores.

O mimetismo é o fenómeno pelo qual os animais se confundem com o ambiente que os rodeia. Existem animais miméticos pertencentes a muitas Classes distintas, incluindo peixes, insectos, aves, répteis e mamíferos. Alguns deles, que habitam em regiões com estações muito pronunciadas, como as lebres variáveis ou os lagópodes que habitam as regiões alpinas e boreais, adquirem durante uma parte do ano um aspecto acastanhado, confundindo-se com a vegetação estival, e no Inverno tornam-se brancos para se confundirem com a paisagem coberta de neve. Há também insectos que, para além de possuírem cores idênticas à do meio que frequentam, têm ainda uma morfologia semelhante a folhas, paus ou outras estruturas com as quais se possam confundir. O expoente máximo do mimetismo são os animais que conseguem fazer variar a sua coloração em função da cor e do padrão que os rodeia. Entre estes encontram-se alguns peixes, moluscos e, claro, o camaleão.

Passar desapercebido, pode ser óptima maneira de evitar ataques hostis, mas é uma estratégia que não está ao alcance de todos. Há animais que estão anatomicamente apetrechados de estruturas para se defenderem de predadores ou mesmo de outros indivíduos da sua espécie. Exemplos disso mesmo, são as hastes dos cervídeos, as presas dos javalis, os espinhos dos ouriços cacheiros ou a carapaça dos cágados e tartarugas, só para citar alguns. Também há animais como o ermita, que não estando preparado para o efeito, se apropria de um búzio vazio, adoptando-o doravante como sua carapaça. Uma estrégia também muito eficaz, que é utilizada por exemplo por várias espécies de lacertídeos, é a autonomía caudal, que consiste na possibilade dos animais se libertarem voluntariamente da cauda para escapar a um predador.

 

 

 Outros animais, não sendo particularmente discretos, nem tendo nenhuma estrutura eficaz como protecção, evoluíram num outro sentido: estão dotados de substâncias químicas, como venenos, ou substâncias urticantes e odoríficas, que os tornam perigosos, ou pelo menos desagradáveis, para potenciais atacantes. O veneno das cobras, para além de ser uma ferramenta para a caça, é também um importante instrumento de defesa. Alguns peixes, celentrados, insectos, aracnídeos e batráquios possuem venenos poderosos e até mesmo alguns mamíferos, como as doninhas fedorentas, segregam substâncias odoríficas, capazes de dissuadir o predador mais esfomeado.

Ao contrário dos animais que confiam o fundamental da sua defesa ao mimetismo, os animais dotados de veneno, apresentam frequentemente padrões de coloração particularmente visíveis e até berrantes, como que para avisar os predadores que estão perante uma presa que não convém importunar. Mais curioso ainda, é o facto de existir um outro grupo de animais que, não possuindo essas substâncias, evoluiu no sentido de se assemelhar a estes, por forma a beneficiar da sua reputação. São exemplos diversas espécies de moscas que se assemelham a abelhas ou de cobras pacíficas que dificilmente se destinguem de outras altamente venenosas.

Face aos conflitos interespecíficos, os animais respondem ainda com variados padrões de comportamento que os ajudam a superar essas dificuldades. Há animais que enfolam o pêlo, ou as penas para parecerem maiores, outros simulam estar mortos. Durante a época de reprodução, varias espécies de aves, fazem à presença de uma potencial ameaça, simulações de uma má condição física para distraírem o intruso dos seus ovos ou crias. Muitas espécies, são gregárias, e com isso conseguem dificultar ao predador a tarefa de seleccionar uma presa, quer seja no meio de um cardume, de um bando ou de uma manada. Por outro lado, quando em conjunto, basta que pelo menos um indivíduo esteja alerta para que todos os outros beneficiem. Tanto mais que, por exemplo, nas aves os chamamentos de alerta atravessam transversalmente mais do que uma espécie. Aquilo que faz com que um indivíduo se preocupe em avisar os demais da sua e outras espécies ainda não é totalmente claro, mas supõe-se que, em última instância este esteja interessado em alertar os outros, para distrair a atenção do predador de si mesmo. 

 Outra resposta complexa como fuga à predação, passa pela sincronização das épocas de reprodução dentro de uma mesma espécie. Os gnus, em África, constituem a principal presa de diversas espécies de predadores, mas ao sincronizarem a sua reprodução, não só estão a responder ao período de maior abundância de alimento, como também ultrapassam em muito, durante aquele espaço de tempo, a capacidade dos predadores de subtrair presas.

Numa visão antropomórfica do mundo natural, as pessoas atribuem frequentemente às presas o papel de vítimas e aos predadores o papel de vilões. Na verdade, ambos fazem parte de um intrincado e complexo equilíbrio, em que a vida não é fácil para nenhum dos dois.

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