Gestão florestal e a conservação das comunidades de vertebrados

Paulo Pinheiro
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Ainda que a silvicultura tradicional seja centrada na produção de madeira, existe um vasto conjunto de medidas de gestão florestal que favorecem a fauna, podendo gerar importantes benefícios económicos e de conservação da Natureza.

São sugeridas algumas medidas práticas de gestão silvícola que visam compensar impactes negativos das florestas de produção lenhosa intensiva na fauna bravia, resultantes da uniformização da área florestada e da composição estrutural dos povoamentos. Com o conjunto de acções técnicas assinaladas pretende-se contribuir para a beneficiação das monoculturas intensivas, através da implementação de medidas adequadas de gestão do habitat, com o intuito de promover uma maior riqueza e diversidade faunística. Estas medidas devem ser objecto de novos estudos, e posterior divulgação, de forma a fomentar a sua utilização na exploração racional dos recursos florestais e faunísticos.

A principal vocação da gestão florestal é claramente a produção de material lenhoso, contudo, o ordenamento da fauna silvestre recorrendo a técnicas silvícolas tem uma longa tradição. Por exemplo, os indígenas de diversas regiões do globo utilizavam o fogo, a remoção de árvores e a plantação de espécies vegetais das quais a fauna bravia se alimentava, com o objectivo de favorecer a caça de subsistência; por outro lado, os guardas de caça medievais – denominados em Portugal de monteiros – procediam de forma idêntica com o intuito de melhorar as condições para a caça desportiva, e para incrementar a produção de carne destinada à aristocracia.

Habitualmente, as metodologias de ordenamento da fauna bravia assentam em duas tipologias distintas, a primeira direccionada para uma espécie em particular – e.g., em perigo de extinção, cinegética ou com interesse para bird watching – ou dirigida para guildas, i.e., um conjunto de taxa que possuam as mesmas necessidades ecológicas. Esta segunda tipologia consiste no ordenamento da comunidade, conservando o elenco de espécies de um determinado habitat o mais completo possível por forma a garantir a manutenção do património genético, sendo esta metodologia principalmente seguida nos últimos anos.

Medidas práticas de gestão florestal

As comunidades de vertebrados presentes nos ecossistemas florestais são em grande percentagem resultado da gestão a que estes biotópos se encontram submetidos, especialmente no caso de povoamentos monoespecíficos, sendo desejável que sejam aplicadas medidas adequadas que elevem ou mantenham a riqueza e diversidade faunística. As intervenções a efectuar incidem maioritariamente a nível do habitat, com o intuito de proporcionar uma melhoria das condições de alimentação, refúgio e reprodução, elevando a capacidade de suporte do meio.



O ordenamento dos ecossistemas florestais direccionado para a conservação dos vertebrados, deve consistir num conjunto de acções sustentadas pelo conhecimento da ecologia da(s) espécie(s) alvo, e da dinâmica da área florestal. Desta forma, a gestão deve ser activa, contrariando a corrente de opinião preservacionista, caracterizada pela inexistência de qualquer intervenção no meio. O conjunto de medidas a aplicar incidem directamente no povoamento, manipulando as suas características quando o intuito é a criação de habitats para espécies alvo – perfil vertical –; ou alternativamente na estrutura da área florestada, onde as intervenções são efectuadas a um nível regional – perfil horizontal – sobretudo quando o objectivo é a conservação de taxa ou guildas que necessitem de extensas áreas de habitat homogéneo para subsistirem.

 

PERFIL VERTICAL

A estrutura vertical é importante ao permitir a coabitação de uma grande diversidade de espécies vegetais e animais, ocupando os diferentes nichos ecológicos – um nível superior definido pelas copas das árvores, outro intermédio dependente dos arbustos, e um escalão inferior constituído pelas plantas herbáceas e folhada – definidos pela separação vertical.

As principais variáveis a considerar nas intervenções silvícolas ao nível do povoamento são: o tipo de corte de realização, a estrutura, a composição e densidade, as espécies arbóreas, a existência de material lenhoso morto em pé e/ou no solo, as práticas culturais, a vegetação herbácea e arbustiva, e ainda a preparação do terreno.

A utilização das diferentes modalidades de cortes de realização pode influenciar a fauna bravia. Preferencialmente, deve optar-se por cortes salteados ou sucessivos em relação aos rasos, pois estes últimos ao eliminarem completamente o arvoredo apresentam maiores impactes nas zoocenoses. Uma excepção pode ocorrer no caso das aves de rapina e de alguns mamíferos carnívoros, que beneficiam de cortes rasos em extensões inferiores a 40 ha, uma vez que a abertura de clareiras temporárias promove a diversidade de biótopos, ao criarem um mosaico equilibrado com diversos estádios de desenvolvimento. Os cortes salteados por pés ou grupos de árvores ao facilitarem o estabelecimento de estruturas jardinadas – árvores de todas as classes de idade –, é claramente o sistema de condução dos povoamentos que menos impactes negativos acarreta para diversidade faunística. Quando não for possível aplicar esta modalidade de cortes de assentamento, é desejável optar-se pelos sucessivos em faixas ou manchas, de forma a manter os povoamentos com uma estrutura irregular, que ao serem constituídos por árvores de diversas idades apresentam uma maior variedade de nichos face aos povoamentos regulares.

No que concerne às espécies lenhosas ao nível do povoamento, é reconhecido que quanto maior for a sua diversidade, mais elevada é a riqueza ornitológica; é também de assinalar que geralmente as folhosas apresentam uma maior diversidade de recursos para as comunidades faunísticas. Assim, no decurso da gestão dos povoamentos florestais, é desejável que estes sejam constituídos por folhosas e resinosas – povoamentos mistos –, considerando igualmente um princípio básico da silvicultura, que é a utilização de espécies arbóreas que estejam perfeitamente adaptadas às condições da estação. Em Portugal, as áreas florestais produtivas são constituídas maioritariamente por monoculturas de pinheiro bravo (Pinus pinaster) e de eucalipto (Eucalyptus globulus), sendo que a introdução algumas espécies de folhosas autóctones – essencialmente quercíneas –, em manchas ou dispersas pelo povoamento, é uma medida que pode fomentar a diversidade faunística nos pinhais; alternativamente, pode ser seguida uma outra metodologia que consiste na não remoção de indivíduos destes taxa, que nasçam no sub-bosque. No que concerne aos eucaliptais, é desejável a manutenção de sobreiros, azinheiras ou outras folhosas que se desenvolvam no sub-bosque. Neste item, regista-se um facto relacionado com as espécies arbóreas exóticas, que tradicionalmente são apontadas como causando grandes impactes nas zoocenoses, contudo, o factor mais limitativo é o tipo de silvicultura aplicada, e não o serem taxa exóticos.

Para elevar a diversidade da fauna bravia nos povoamentos a corte, é desejável que sejam conservadas algumas árvores que já tenham atingido a idade de exploração, sobretudo as que possuam menor valor comercial – e.g., que apresentem defeitos –, de forma a promover a diversidade estrutural. O número de árvores a permanecer é uma temática que tem gerado grande discussão, variando muito com as espécies lenhosas em causa, e também com as comunidades alvo.



Existe uma forte correlação entre a idade das árvores e a formação de cavidades – sobretudo no caso das folhosas –, que são utilizadas pela fauna bravia. Estas estruturas dependem da condução a que o povoamento se encontre submetido, uma vez que a extracção intensiva de madeira tende a minimizar o número árvores decrépitas, mortas ou já com cavidades, retirando-as no decurso das operações de desbaste. As cavidades podem ser favorecidas quando permanece arvoredo mais susceptível à formação destas estruturas, como o sejam árvores maduras com defeitos, ou que tenham sofrido damos devido a agentes bióticos e físicos. Alternativamente, é possível induzir a formação deste tipo de estruturas deixando cepos em pé, decapitando algumas árvores, ou matando-as por supressão de um anel de casca, com herbicidas ou através de inoculações com fungos. A existência nos povoamentos de árvores com estas particularidades acarreta alguns riscos, nomeadamente o serem focos de infecção relativamente a pragas de insectos – sobretudo sub-corticais – ou a doenças criptogâmicas, isto para além de acrescerem o risco de incêndio. Do conjunto de situações registadas, o caso mais problemático é o das pragas, sendo possível minimizar este risco com a introdução de folhosas em povoamentos de resinosas, uma vez que as pragas das primeiras não constituem perigo para as coníferas.

Para superar a limitação da escassez de cavidades para nidificação, pode igualmente optar-se pela colocação de ninhos ou abrigos artificiais. Os modelos e as dimensões variam consoante as espécies alvo (avifauna e quirópteros cavernícolas), devendo ser colocados com a entrada virada para baixo, de forma a evitar a entrada de chuva, e orientados na direcção contrária à dos ventos dominantes. Como é uma medida bastante onerosa deve ser aplicada pontualmente, sobretudo nas fases jovens das plantações.

Os métodos tradicionais de gestão silvícola reduzem consideravelmente a disponibilidade ao nível do solo de troncos, toros e outros resíduos lenhosos, facto que limita a disponibilidade de locais de abrigo sobretudo para a herpetofauna e para os pequenos mamíferos. É igualmente importante que não seja retirada a folhada, porque além da restituição de nutrientes ao solo é colonizada por uma grande diversidade de invertebrados e fungos, sendo que os primeiros constituem a base de muitas cadeias alimentares, atraindo taxa de níveis tróficos superiores. Tal como no caso das árvores mortas e/ou com cavidades, é necessário conciliar a disponibilidade deste tipo de estruturas com o risco de incêndio e de pragas que se encontra associado.

As técnicas de exploração florestal como os desbastes, limpezas e desramações, podem induzir a formação de estruturas irregulares, o que favorece a diversidade faunística. Estas intervenções, ao criarem condições para abertura de clareiras nos povoamentos, apresentam um efeito semelhante à abertura natural do copado; paralelamente, disponibilizam maiores quantidades de alimento aos mamíferos herbívoros.


A composição vegetal específica dos estratos arbustivo e herbáceo encontra-se dependente das medidas de gestão florestal, influenciando as comunidades faunísticas em virtude da alteração dos habitats de alimentação e abrigo. Em áreas de silvicultura intensiva, o aspecto mais limitativo quanto à capacidade de suporte do meio relativamente aos mamíferos herbívoros é a escassez de alimentos. Para contrariar este facto, pode ser elevada a disponibilidade de espécies vegetais ao nível arbustivo, mantendo no interior dos povoamentos produtivos faixas ou manchas de mato. A criação destas áreas de alimentação e/ou refúgio pode ser realizada de diversas formas, a saber: por eliminação do arvoredo; não efectuando a plantação de espécies lenhosas nestes locais; ou instalando povoamentos com compassos mais largos.

Relativamente à vegetação herbácea, esta pode ser favorecida em clareiras e no sob coberto, através da utilização da técnica de fogo controlado. Uma outra alternativa é aproveitar as faixas existentes ao longo das margens dos caminhos, corta fogos, asseiros e arrifes, para semear culturas para a fauna. Estas pastagens, constituem cobertos de alimentação que atraem diversos taxa da fauna bravia, limitando igualmente os impactes destes últimos nas espécies lenhosas, sobretudo imediatamente após a fase de sementeira/plantação.

Um outro factor a ter em consideração é a preparação do terreno, que apresenta grandes impactes quando se recorre a maquinaria pesada, eliminando totalmente o coberto vegetal, o que se traduz num desaparecimento quase completo das zoocenoses. Para minimizar estes impactes, deve ser utilizada a plantação à cova – que raramente é aplicada devido ao elevado custo – sendo a limpeza do mato efectuado exclusivamente num círculo à volta da cova. Uma opção mais viável é a remoção do mato exclusivamente ao longo das linhas de plantação, de forma a conservar uma área com coberto vegetal antecedente ao crescimento da estrutura florestal.

PERFIL HORIZONTAL

No que concerne ao perfil horizontal, são habitualmente consideradas duas variáveis: a dimensão dos povoamentos individuais, e o seu arranjo espacial no seio da área florestada. Um mosaico de povoamentos tão vasto quanto possível, combinando de modo equilibrado estruturas com diversas idades e regimes, favorece a existência de biótopos variados, apresentando consequentemente uma superior diversidade ao nível das zoocenoses. De uma forma geral, é desejável que no interior de extensas áreas florestais existam alguns povoamentos puros de outras espécies, preferencialmente quercíneas autóctones, ocupando 5-10% da unidade de ordenamento. Com o intuito de beneficiar um leque mais amplo de vertebrados, devem ser interpostos alguns povoamentos com compassos mais largos, e explorados em revoluções longas (80-90 anos), deixando uma pequena percentagem destes últimos atingirem a plena caducidade. É igualmente interessante que a unidade de ordenamento possua aproximadamente 10 % da área com plantações em fases juvenis, ou ocupada por habitats abertos – pastagens ou matos –, situação que favorece preferencialmente os carnívoros.

A nível prático, pode referir-se que quando o objectivo do ordenamento for a preservação de espécies ou guildas que necessitem de grandes extensões florestais homogéneas, a intervenção tem que ser efectuada obrigatoriamente a nível regional, definindo-se áreas ecologicamente sensíveis, habitualmente designadas como reservas. Para o efeito, o mais razoável é a delimitação uma zona florestal central submetida a poucas perturbações do exterior, explorada em revoluções longas e constituída por povoamentos mistos, de preferência com estrutura jardinada – o que paralelamente pode ser aproveitado para produzir madeira de qualidade. A envolver esta região é desejável que se encontre um “buffer” (ou zona tampão), explorado através de cortes salteados por pés de árvores. Externamente, deve ser criada uma segunda zona tampão, menos limitativa quanto a sistemas de produção florestal, e com alguma actividade agrícola, ou com sistemas agro-florestais. É de salientar que quanto menor for a dimensão da reserva, mais relevante é o papel das áreas tampão, por forma a amortizar as agressões externas.



Ao nível da paisagem, a gestão florestal ao alterar biótopos como as matas ripícolas e alguns sistemas dulçaquícolas, poderá induzir perturbações nas zoocenoses. No caso particular das galerias ribeirinhas, é desejável que sejam conservadas, e quando possível, ocorra um fomento dessas áreas. Esta situação não implica a interdição do aproveitamento económico dos recursos lenhosos, contudo, deve ser definida uma faixa estreita não explorada na orla do curso de água, favorecendo a existência de árvores com cavidades e a maior disponibilidade de resíduos lenhosos no solo. Na restante área rípicola, as revoluções podem ser alargadas, efectuando a exploração lenhosa através de cortes sucessivos ou salteados, de forma a criar uma estrutura jardinada ou mista, e preferencialmente dominada por folhosas. Outras estruturas que podem sofrer alterações derivadas da exploração silvícola são os pontos de água (e.g., albufeiras, pequenas lagoas e charcas). Estes locais devem ser mantidos e se possível fomentados, uma vez que disponibilizam um recurso – a água – essencial à sobrevivência da fauna silvestre, isto para além de serem um potencial habitat para diversos taxa (e.g., patos e outras aves aquáticas). Paralelamente, são bastante importantes como estruturas de auxílio no combate aos incêndios florestais.

As operações silvícolas podem influenciar negativamente as actividades reprodutivas dos vertebrados – a nível do habitat e dos períodos de reprodução –, devendo ser implementadas algumas medidas que mitiguem os possíveis impactes. Por exemplo, aquando de cortes de realização em pinhais, devem permanecer 1 a 2 árvores com DAP superior a 45 cm, para funcionarem como suporte físico para a construção de ninhos. Outra medida básica, sobretudo direccionada para as aves de rapina, é não efectuar o corte de árvores que possuam ninhos de grandes dimensões. No que concerne aos períodos de nidificação, devem ser suspendidas as operações de exploração florestal em redor dos ninhos, existindo distâncias sugeridas conforme as espécies da avifauna presentes. Relativamente às espécies de caça maior, nomeadamente os cervídeos, para evitar perturbações é desejável que sejam suspensas as intervenções silvícolas nas épocas de cio e de parto.

A aplicação do conjunto de técnicas sugeridas é geralmente efectuado à custa da redução do número de árvores, e consequentemente da produção lenhosa, contudo, não deve afectar a sustentabilidade económica das explorações florestais. Por outro lado, os prejuízos resultantes da diminuição do volume de lenho são compensados por alguns benefícios que a fauna silvestre proporciona, nomeadamente o aspecto sanitário do controlo de pragas e a rentabilidade económica proveniente da actividade cinegética e do ecoturismo.

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