Gestão e Conservação da Biodiversidade de Florestas Mediterrânicas: o caso dos Sobreirais da Serra do Caldeirão

Joana Santana - ERENA
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Aves

As aves são óptimos indicadores da qualidade ambiental sendo portanto úteis para compreender o efeito da aplicação de medidas de gestão na biodiversidade. Por um lado, desempenham um importante papel ecológico nos ecossistemas florestais mediterrânicos, nomeadamente como dispersores de sementes durante o Inverno. Nesta época a maioria das árvores e arbustos de fruto carnudo entram em frutificação proporcionando um aumento de alimento as aves que fazem deste um dos principais recursos alimentares. Por outro lado, devido à sua elevada abundância, as aves constituem importantes elementos na cadeia trófica dos ecossistemas florestais, não só como predadores mas também, como presas.

A avifauna da Serra do Caldeirão é bastante diversificada, com uma composição específica típica de florestas mediterrânicas, com um total de 46 espécies de aves, das quais 40 na Primavera e 32 no Inverno associadas às parcelas amostradas. A comunidade nidificante é dominada por espécies associadas aos estratos arbóreo e arbustivo, e que se alimentam maioritariamente por invertebrados, como o chapim-azul (Cyanistes caeruleus), o melro (Turdus merula), o chapim-de-crista (Lophophanes cristatus), o tentilhão (Fringilla coelebs), o pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula), a toutinegra-de-cabeça-preta (Sylvia melanocephala) e a trepadeira-azul (Sitta europaea). No Inverno a comunidade é também dominada por espécies associadas aos estratos arbóreo e arbustivos predominantemente frugívoras, como sejam, o pisco-de-peito-ruivo, o tentilhão, o melro e o chapim-azul.


As limpezas mecânicas do subcoberto têm efeitos duradouros sobre as comunidades de aves das florestas mediterrânicas, causando reduções acentuadas na sua riqueza específica e abundância. Após perturbação a abundância e riqueza de aves parece aumentar lentamente ao longo dos anos, atingido valores máximos apenas ao final de várias décadas (> 40 anos). Nas parcelas recentemente limpas as aves tipicamente florestais apresentam valores de abundância mais reduzidos; nestas condições, apenas as espécies associadas a florestas mais abertas como o chamariz (Serinus serinus), o pintarroxo (Cardulelis cannabina), ou o tentilhão, parecem ser favorecidas, o que se reflectiu num incremento da abundância nas parcelas onde o subcoberto foi limpo mais recentemente ou frequentemente. Outras espécies porém surgiram associadas a níveis de perturbação intermédios, como foram os casos da ferreirinha (Prunella modularis), da carriça (Troglodytes troglodytes) e do chapim-de-crista. Por fim, foi apenas nas parcelas onde o subcoberto é mais antigo (> 40 anos) que a maioria das espécies mais comuns na área de estudo apresentou valores mais elevados de abundância, nomeadamente, o melro, o pisco-de-peito-ruivo, a toutinegra-de-cabeça-preta, a toutinegra-de-barrete-preto (Sylvia atricapilla), o tordo-musical (Turdus philomelos), o gaio (Garrulus glandarius) e o chapim-rabilongo (Aegithalos caudatus).

O estudo revelou ainda algumas diferenças sazonais em termos das respostas das aves à perturbação, tendo sido verificados efeitos mais relevantes nas comunidades de aves invernantes do que nas nidificantes. Estes padrões parecem reflectir, em larga medida, um aumento da capacidade de suporte para as aves nas parcelas com subcoberto mais antigo durante o Inverno (altura da frutificação), sugerindo a ocorrência de um processo conhecido por “fruit tracking”, o qual é utilizado para descrever as movimentações das aves para áreas onde a disponibilidade de frutos é superior. A diferença de intensidade das respostas à perturbação do pisco-de-peito-ruivo, da toutinegra-de-barrete-preto e do tordo-musical, entre as amostragens realizadas em Dezembro e Janeiro, as quais foram acompanhadas por diferenças muito importantes na disponibilidade de frutos devido à queda do medronho, parece reflectir o fenómeno descrito. A cobertura e a diversidade de espécies produtoras de frutos carnudos, como é o caso do medronheiro, são superiores nas parcelas há muito tempo sem perturbação. Neste contexto, estas áreas constituem importantes locais de alimentação para as aves durante o Inverno, que as seleccionam em detrimento de outras. O aumento da capacidade de suporte em Dezembro das parcelas com subcoberto mas antigo, onde a disponibilidade de medronho era muito alta (Figura 1), terá conduzido a uma concentração das aves nestes locais, as quais se terão dispersado após a queda do fruto, justificando assim a redução das respostas das aves à limpeza do subcoberto em Janeiro.



Considerações Finais

O regime de desmatação e a idade dos matos têm uma forte influência na biodiversidade dos ecossistemas florestais. Com a redução da periodicidade da limpeza e o envelhecimento do subcoberto aumenta o número de espécies arbustivas, atingindo valores máximos em matagais muito desenvolvidos com mais de 50 anos. Muitas espécies herbáceas perenes também estão mais representadas nas parcelas menos intervencionadas, enquanto que as herbáceas anuais respondem negativamente ao desenvolvimento do mato. Em geral, as espécies florísticas mais raras e ameaçadas declinam em regimes de perturbação muito intensos, havendo contudo outras espécies pioneiras que também são raras e ameaçadas. No caso das aves, tal como nas plantas lenhosas, o número de espécies e a abundância aumentam com a idade do subcoberto, devido à crescente complexidade estrutural dos povoamentos. Este efeito é muito marcado nas aves invernantes, devido à elevada disponibilidade de bagas e frutos nos medronhais e outros matagais desenvolvidos. Em contraste, muitas borboletas beneficiam da presença de áreas soalheiras com matos baixos e esparsos, sendo portanto favorecidas pelas desmatações. Os cogumelos têm um comportamento intermédio, encontrando-se as maiores abundâncias de espécies ectomicorrízicas e sapróbias em matos de idade intermédia (20-30 anos). Na generalidade dos grupos estudados existem espécies ecléticas, surgindo desde áreas limpas há um ano até parcelas com mato não intervencionado há mais de 50 anos. Independentemente destas respostas globais, contudo, verifica-se a presença de espécies de plantas, cogumelos, borboletas e aves características de povoamentos periodicamente desmatados, enquanto outras só ocorrem em sobreirais que não foram intervencionados nas últimas décadas. Existe portanto uma complementaridade na distribuição das espécies em parcelas com diferentes idades do mato e regimes de desmatação.

Neste contexto, parece ser essencial manter um sistema em mosaico, onde diferentes níveis de gestão são aplicados, incluindo áreas onde a gestão do subcoberto seja completamente ausente durante várias décadas, permitindo assim a manutenção da actual biodiversidade da paisagem nestas áreas e para reduzir a incidência de incêndios. Não obstante, as prioridades de conservação, devem compreender a necessidade de protecção das áreas florestais onde o subcoberto esteja em estádios de recuperação mais avançados. Esta necessidade justifica-se não só pelos elevados níveis de biodiversidade comportados por estes locais e os longos períodos de recuperação dessa mesma biodiversidade após perturbação por limpeza mecânica do subcoberto, mas também pela raridade destas florestas que reduzem cada vez mais a sua área de ocupação devido aos incêndios mas também às limpezas do subcoberto e pela sua importância ecológica internacionalmente reconhecida (classificadas como Sítios de Importância Comunitária no âmbito da Directiva 92/43/EEC). A manutenção destas parcelas ainda que fragmentadas numa paisagem que outrora dominaram, podendo conter espécies raras ou ausentes noutros locais, conduz à preservação de reservatórios e fontes de biodiversidade, essenciais para garantir a recuperação das parcelas perturbadas devido à gestão do subcoberto.

Propõe-se assim que os planos de gestão regionais destes ecossistemas deverão ser baseados na implementação de práticas florestais sustentáveis numa óptica de usos-múltiplos da floresta, que contemple a conservação da biodiversidade de forma compatível com a obtenção sustentável de contrapartidas sócio-económicas. Deverá ser realizada a promoção de actividades sócio-económicas locais, baseadas na exploração da cortiça e de outros produtos secundários como é o caso do medronho e do mel, o que permitirá a reversão da tendência de êxodo rural e assim, a homogeneização da paisagem bem como o aumento do risco de incêndios.



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