Gestão e Conservação da Biodiversidade de Florestas Mediterrânicas: o caso dos Sobreirais da Serra do Caldeirão

Joana Santana - ERENA
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Conheça um projecto sobre a gestão de sobreirais da Serra do Caldeirão, que procurou conciliar parâmetros críticos por vezes dificilmente compatíveis, como a minimização do risco de incêndio e a conservação da biodiversidade, valorizando económica e socialmente o sistema.

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, as preocupações sociais e ambientais relativas aos ecossistemas do planeta e em particular à gestão das florestas mundiais, provocaram alterações significativas na percepção do papel das florestas. Em consequência, a gestão florestal sustentável é hoje considerada uma componente fundamental do desenvolvimento sustentável global, sendo normalmente entendida como a administração e o uso das florestas de uma forma e a um ritmo, que mantenham as suas biodiversidade, produtividade, capacidade de regeneração, vitalidade e potencial para realizar, no presente e no futuro, funções ecológicas, económicas e sociais relevantes aos níveis local, regional e global, não causando danos a outros ecossistemas.

Os povoamentos de azinheira (Quercus rotundifolia) e sobreiro (Quercus suber) da Península Ibérica são geralmente apontados como exemplos de sustentabilidade florestal. O caso dos povoamentos suberícolas é especialmente notável, uma vez que a produção de um bem de elevado valor económico como a cortiça, se conjuga com o desenvolvimento de outras actividades agro-silvo-pastoris e a manutenção de elevados níveis de biodiversidade. Não obstante, o progressivo abandono rural nestas áreas, conduz a situações de abandono da agricultura e pastorícia, as áreas cobertas por matos tornam-se dominantes nas paisagens suberícolas, com aumento do risco de propagação de incêndios. Verifica-se assim um incremento das procupações com os fogos florestais que, conjugadas com as disponibilidades de fundos comunitários para a beneficiação da floresta, tem vindo a justificar intervenções de larga escala de limpeza de matos. Para além da remoção de biomassa combustível, esta prática silvícola é por vezes conduzida com o intuito de aumentar a produção de cortiça por diminuição da competição das árvores com os arbustos.

Apesar dos seus potenciais benefícios, estas práticas podem ter efeitos ecológicos nefastos sobre a floresta, simplificando a estrutura do ecossistema, reduzindo a biodiversidade, favorecendo plantas oportunistas, limitando a regeneração natural e provocando a erosão do solo. Em resposta a estas questões, foi desenvolvido o projecto financiado pelo IFADAP no âmbito do Programa Ago, Medida 8.1, intitulado “Gestão da vegetação em paisagens suberícolas da serra algarvia para redução de riscos de incêndio, valorização sócio-económica e conservação da biodiversidade”, bem como o projecto fianciado pela DGRF intitulado  “Quantificação de Comunidades de Aves Invernantes e de Fungos Ectomicorrizicos na Serra do Caldeirão” durante os quais foram estudados os efeitos da gestão do subcoberto na conservação da biodiversidade à escala da parcela através da medição de diversos bioindicadores, incluindo a vegetação herbácea, arbustiva e arborea, as comunidades de macrofungos (cogumelos), de macrolepidópteros diurnos (borboletas) e de aves, cujos resultados aqui se apresentam.



MÉTODOS

Área de estudo

O estudo foi desenvolvido na Serra do Caldeirão (Algarve) numa área de cerca de 30.000 ha localizada entre 200-580 m de altitude em torno da vila do Barranco do Velho, numa das principais regiões suberícolas de Portugal. A área escolhida tem um elevado valor ecológico, estando incluída no Sítio de Importância Comunitária da Serra do Caldeirão (PTCON0057), e integrando a Rede Natura 2000 ao abrigo da Directiva 92/43/CEE, o que coloca maior exigência na compatibilização da produção florestal com a conservação da biodiversidade.

Design experimental

O estudo foi baseado no método de substituição do tempo no espaço, utilizando uma sequência cronológica de 48 parcelas de sobreiral (com cobertura de sobreiro superior a 30%) com 0 e 70 anos decorridos após a última limpeza mecânica do subcoberto. A selecção das áreas de amostragem foi efectuada através de uma amostragem aleatória estratificada 8 parcelas homogéneas de sobreiral (1 ha) dentro de 6 classes de idade, não ardidas desde 1990. A idade efectiva do subcoberto de cada parcela (anos) e a frequência de limpeza a que foi sujeita (número de limpezas por década) foram estimadas com base em análise de fotografias aéreas ortorrectificadas e georreferenciadas de 1958, 1972, 1985, 2002 combinadas com visitas ao campo em 2004 e inquéritos aos proprietários.


Parâmetros de biodiversidade

Amostragem de vegetação

A vegetação das 48 parcelas de sobreiral foi caracterizada ao nível dos estratos arbóreo, arbustivo (entre Novembro de 2004 e Março de 2005) e herbáceo (em Maio de 2005). Em cada parcela, foi definido transecto principal de 100 m ao longo do qual foram dispostos quadrados de amostragem de 20 x 20 m em lados alternados do transecto, distanciados aproximadamente de 22 m. Em cada quadrado todas as espécies com porte arbóreo (DAP≥6 cm) foram identificadas e medidas de acordo com os parâmetros do Inventário Florestal Nacional. Ao longo do mesmo transecto, foram dispostos transectos perpendiculares de 20 m distanciados de cerca de 22 m; ao longo dos quais foram medidas as intersecções das copas de todas as espécies arbustivas (DAP<6 cm) com o transecto. Adicionalmente, foram estabelecidos dois quadrados de 10x10 m em lados alternados do transecto de 20 m, onde foi feita uma estimativa visual da cobertura por cada uma das espécies lenhosas dominantes, considerando a seguinte estratificação vertical: 0-0.2 m, 0.2-1 m, 1-2 m, 2-4 m, 4-8 m, 8-16 m, >16 m). Por fim, a amostragem das plantas herbáceas teve por base a divisão das parcelas em quatro quadrantes, e a inventariação das espécies presentes e estimativa do seu grau de cobertura em círculos com 2 m de raio (12.6 m2) colocados no centro de cada quadrante. As espécies foram em geral identificadas no campo, tendo contudo sido herborizado algum material para confirmar identificações ou para uma análise mais detalhada de grupos taxonómicos particularmente complexos.


Amostragem de cogumelos

As amostragens de macrofungos (cogumelos) nas 48 parcelas de sobreiral foram efectuadas entre o início de Novembro de 2005, pouco tempo após as primeiras chuvas outonais, e meados de Janeiro de 2006, abarcando o principal período de frutificação dos cogumelos. As amostragens decorreram apenas uma vez em cada parcela ao longo do transecto principal com 100 m. Em cada caso, os carpóforos (ou grupo de carpóforos) foram detectados a partir do transecto, registando-se a sua identidade taxonómica, número e distância perpendicular ao transecto. Em muitos casos, foram recolhidos exemplares para identificação ou confirmação da identificação em laboratório. Os carpóforos não identificados foram classificados em termos de morfoespécies, adoptando um procedimento vulgar neste grupo.

Amostragem de borboletas

A caracterização das comunidades de borboletas presentes nas 48 parcelas de sobreiral decorreu em cinco períodos distintos (Junho-Julho, Agosto e Setembro de 2005 e Abril e Maio de 2006). Cada amostragem consistiu na realização de percursos pedestres com trajecto irregular realizados a partir de um dos vértices da parcela com duração de 10 minutos, procurando abranger toda a área delimitada. Durante cada percurso, todas as borboletas detectadas num raio de 5 m foram identificadas e contadas. Foram também anotados os factores ambientais e o tipo de coberto arbustivo. Nos casos em que não foi possível a identificação durante o voo, os indivíduos foram capturados com rede e soltos após identificação.


Amostragem de aves

As comunidades de aves de foram amostradas com base em contagens pontuais de 15 minutos realizadas do ponto central de cada uma das 48 parcelas de sobreiral, duas vezes na Primavera (Abril-Maio e Junho 2005) e duas vezes no Inverno (Dezembro 2005 e Janeiro 2006). As duas contagens de Primavera permitiram acompanhar a época de nidificação dos indivíduos residentes e dos migradores trans-sarianos. As duas contagens de Inverno foram desenhadas para amostrar dois períodos contrastantes em termos de disponibilidade de frutos (principalmente de medronho). As amostragens foram efectuadas ao início da manhã e ao final do dia, durante os períodos de maior actividade das aves. Durante cada amostragem, todas as espécies de aves vistas ou ouvidas foram registadas, anotando também a distância de detecção a cada ave e o seu comportamento. Apenas as observações realizadas com aves detectadas a menos de 100 m foram consideradas para as análises. Foram também excluídas das análises espécies com actividade maioritariamente nocturna como a coruja-do-mato (Strix aluco) e a galinhola (Scolopax rusticola), e espécies com cuja actividade é dificilmente relacionada com variáveis da parcela como a cegonha-branca (Ciconia ciconia), gaivotas (Larus spp.), aves de rapina, andorinhões (Apus spp.), andorinhas (Hirundo spp. e Delichon urbica). No Inverno, os bandos de aves a voar por cima das copas das aves foram também excluídos uma vez que correspondem a movimentos a larga escala de, e para, os locais de abrigo.

 


RESULTADOS E DISCUSSÃO

Vegetação

As limpezas mecânicas do subcoberto constituem perturbações significativas nas componentes estruturais e composicionais das florestas mediterrânicas, as quais têm efeitos na vegetação que prevalecem ao longo de várias décadas após perturbação, particularmente ao nível dos estratos arbóreo e arbustivo (Figura 1). Quanto às comunidades herbáceas, estas surgem momentaneamente favorecidas pelas limpezas, atingindo valores de cobertura e riqueza específica mais elevados em parcelas muito recentemente limpas. A frequência com que as limpezas ocorrem surge também aqui como um factor que influencia a estrutura e composição da vegetação.


Nas florestas onde a exploração da cortiça é uma actividade regular, sujeitas a mais de uma limpeza do subcoberto por duas décadas, há lugar para um estrato arbóreo pobre, dominado por sobreiro e um subcoberto pouco estruturado e pobre em espécies, dominado por arbustos de crescimento rápido e com propagação por sementes (Figura 1) como a esteva (Cistus ladanifer), o estevão (Cistus populifolius), o tojo-molar (Genista triachantos) e o rosmaninho (Lavandula stoechas). Estes resultados reflectem a especialização da gestão florestal destas áreas na produção de cortiça, o que resulta no corte de pequenos sobreiros e a eliminação de outras espécies lenhosas durante as operações de limpeza, explicando assim a reduzida riqueza arbórea. Adicionalmente, a limpeza mecânica do subcoberto envolve a eliminação da parte aérea e subterrânea das plantas reduzindo o sistema radicular das plantas de regeneração vegetativa impedindo-as assim de rebentar; nestas condições as espécies pioneiras surgem de bancos de sementes no solo as quais conseguem colonizar a área livre de competição. De facto, a frequência de perturbação apenas afecta as espécies de recuperação lenta após limpeza do subcoberto mas não as espécies pioneiras.

Nas parcelas onde o subcoberto tem entre 20 e 50 anos, é possível encontrar já um estrato arbóreo mais rico ainda que poucas mais espécies arbóreas ocorram para além do sobreiro (Figura 1). O subcoberto destas parcelas é já no entanto muito denso e diverso, onde as espécies de crescimento rápido que dominavam nas parcelas limpas há menos tempo começam a ser substituídas por espécies de crescimento mais lento, de regeneração vegetativa, como o medronheiro (Arbutus unedo) e a urze-branca (Erica arborea), originando uma elevada heterogeneidade vertical (Figura 1). Por fim, nas florestas com subcoberto muito antigo, abandonadas há pelo menos 50 anos, há lugar para um estrato arbóreo mais rico, onde o sobreiro ainda dominante é acompanhado de medronheiro e urze-branca, os quais atingem a densidade máxima. O subcoberto continua a apresentar uma elevada cobertura de arbustivas, entre as quais espécies de elevadas dimensões como é o caso do medronheiro e urze-branca, que ganham importância, conduzindo a que todos os estratos de altura surjam bem representados.

Figura 1. Curvas de recuperação da vegetação após limpeza mecânica do subcoberto obtidas através de modelos aditivos generalizados. As áreas a sombreado representam os respectivos intervalos de confiança de 95%. No canto superior esquerdo de cada gráfico são dados o número de graus de liberdade efectivos, a % de variância explicada e o valor de probabilidade (*** P <0.001) associados a cada modelo.


Cogumelos

Os cogumelos são as estruturas reprodutivas (esporocarpos) de fungos que constituem elementos fundamentais na manutenção da vitalidade e saúde dos ecossistemas florestais. As espécies micorrízicas protegem as árvores de ataques patogénicos e ajudam-nas a obter água e nutrientes, enquanto as espécies sapróbias fomentam a degradação da matéria orgânica participando activamente no ciclo do carbono. Na Serra do Caldeirão existe uma riqueza micológica muito interessante, com a presença de diversas espécies ao longo do ano. Foram inventariadas na Serra 130 espécies diferentes, às quais se devem juntar pelo menos 31 espécies ainda não identificadas devido à complexidade taxonómica dos grupos respectivos. Estas espécies representam 34 géneros, na sua maioria ectomicorrízicos mas também incluindo alguns sapróbios, como por exemplo os agáricos. Na serra os cogumelos detectados com maior frequência são os cortinários, especialmente o cortinário-vulgar, e os lactários.



As espécies de cogumelos têm um padrão de ocorrência anual muito característico, o qual é determinado em grande medida pelo regime de pluviosidade e temperatura. A limpeza do subcoberto parece provocar uma forte perturbação nas comunidades de cogumelos, havendo contudo no caso dos ectomicorrízicos uma recuperação relativamente rápida (10 anos), provavelmente devido à manutenção de refúgios nas raízes das espécies arbóreas que não são afectadas pelas intervenções (sobreiro e, por vezes, medronheiro). O efeito parece ser mais forte e a recuperação mais lenta no caso dos sapróbios (30-40 anos), provavelmente devido à forte redução da camada orgânica do solo. Tanto nos ectomicorrízicos como nos sapróbios, o número de carpóforos parece reduzir-se a partir dos 40 anos, possivelmente devido aos efeitos do maior ensombramento e à eventual modificação das características da folhada. Desconhece-se contudo se esta menor abundância terá uma correspondência na redução da diversidade de espécies de cogumelos ao nível do solo, ou se se trata apenas de uma diminuição da frutificação. De qualquer das formas, verificou-se que nas parcelas onde as intervenções foram efectuadas há mais tempo frutificam taxa que não foram encontrados em parcelas intervencionadas mais recentemente, o que significa que estas parcelas poderão representar elementos essenciais para a conservação da biodiversidade de cogumelos à escala da paisagem.

Borboletas

As borboletas desempenham um papel importante nos ecossistemas terrestres, não só por serem elementos vitais na cadeia trófica, mas também por darem um inestimável contributo para a polinização das plantas. Como têm vida curta, e portanto muitas gerações em pouco tempo, permitem a rápida acumulação de informações taxonómicas, ecológicas e evolutivas, tornando estes insectos ideais para o estudo da dinâmica de populações. Certas espécies dependem exclusivamente de uma planta, tornando-as muito sensíveis às alterações do meio, sendo por isso consideradas indicadoras da qualidade ambiental e da integridade das paisagens naturais. Este facto faz com que os estudos de monitorização dos lepidópteros numa determinada área sejam muitas vezes utilizados como ferramentas indispensáveis na biologia da conservação. Na Serra do Caldeirão foram inventariadas 43 espécies de borboletas diurnas.

A abundância de borboletas varia muito ao longo do ano, sendo normalmente mais abundantes no final da Primavera e início do Verão. Durante a Primavera a comunidade de borboletas é dominada pelas espécies, Gonepteryx cleopatra, Gonepteryx rhamni, Lasiomata megera, Melanargia ines, Papilio machaon, Euphydryas aurinia, Thymelicus acteon e Thymelicus sylvestris; enquanto no Verão, encontram-se apenas espécies características, são elas Charaxes jasius, Hyparchia statilinus e Hyparchia fidia. A composição e estrutura das comunidades de borboletas são também muito influenciadas pela gestão da vegetação do subcoberto. As parcelas onde a limpeza do subcoberto é recente possuem uma elevada abundância e riqueza de borboletas. Esta associação parece resultar do aparecimento de um elevado número de herbáceas em flor nas parcelas recentemente limpas. No entanto, algumas espécies surgem associadas a sobreirais bem estruturados surgindo apenas em parcelas onde as limpezas do subcoberto ocorreram há mais tempo como sejam Coenonympha pamphilus, Colias croceus, Iphiclides feisthamelii e Hipparchia fidia.



Aves

As aves são óptimos indicadores da qualidade ambiental sendo portanto úteis para compreender o efeito da aplicação de medidas de gestão na biodiversidade. Por um lado, desempenham um importante papel ecológico nos ecossistemas florestais mediterrânicos, nomeadamente como dispersores de sementes durante o Inverno. Nesta época a maioria das árvores e arbustos de fruto carnudo entram em frutificação proporcionando um aumento de alimento as aves que fazem deste um dos principais recursos alimentares. Por outro lado, devido à sua elevada abundância, as aves constituem importantes elementos na cadeia trófica dos ecossistemas florestais, não só como predadores mas também, como presas.

A avifauna da Serra do Caldeirão é bastante diversificada, com uma composição específica típica de florestas mediterrânicas, com um total de 46 espécies de aves, das quais 40 na Primavera e 32 no Inverno associadas às parcelas amostradas. A comunidade nidificante é dominada por espécies associadas aos estratos arbóreo e arbustivo, e que se alimentam maioritariamente por invertebrados, como o chapim-azul (Cyanistes caeruleus), o melro (Turdus merula), o chapim-de-crista (Lophophanes cristatus), o tentilhão (Fringilla coelebs), o pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula), a toutinegra-de-cabeça-preta (Sylvia melanocephala) e a trepadeira-azul (Sitta europaea). No Inverno a comunidade é também dominada por espécies associadas aos estratos arbóreo e arbustivos predominantemente frugívoras, como sejam, o pisco-de-peito-ruivo, o tentilhão, o melro e o chapim-azul.


As limpezas mecânicas do subcoberto têm efeitos duradouros sobre as comunidades de aves das florestas mediterrânicas, causando reduções acentuadas na sua riqueza específica e abundância. Após perturbação a abundância e riqueza de aves parece aumentar lentamente ao longo dos anos, atingido valores máximos apenas ao final de várias décadas (> 40 anos). Nas parcelas recentemente limpas as aves tipicamente florestais apresentam valores de abundância mais reduzidos; nestas condições, apenas as espécies associadas a florestas mais abertas como o chamariz (Serinus serinus), o pintarroxo (Cardulelis cannabina), ou o tentilhão, parecem ser favorecidas, o que se reflectiu num incremento da abundância nas parcelas onde o subcoberto foi limpo mais recentemente ou frequentemente. Outras espécies porém surgiram associadas a níveis de perturbação intermédios, como foram os casos da ferreirinha (Prunella modularis), da carriça (Troglodytes troglodytes) e do chapim-de-crista. Por fim, foi apenas nas parcelas onde o subcoberto é mais antigo (> 40 anos) que a maioria das espécies mais comuns na área de estudo apresentou valores mais elevados de abundância, nomeadamente, o melro, o pisco-de-peito-ruivo, a toutinegra-de-cabeça-preta, a toutinegra-de-barrete-preto (Sylvia atricapilla), o tordo-musical (Turdus philomelos), o gaio (Garrulus glandarius) e o chapim-rabilongo (Aegithalos caudatus).

O estudo revelou ainda algumas diferenças sazonais em termos das respostas das aves à perturbação, tendo sido verificados efeitos mais relevantes nas comunidades de aves invernantes do que nas nidificantes. Estes padrões parecem reflectir, em larga medida, um aumento da capacidade de suporte para as aves nas parcelas com subcoberto mais antigo durante o Inverno (altura da frutificação), sugerindo a ocorrência de um processo conhecido por “fruit tracking”, o qual é utilizado para descrever as movimentações das aves para áreas onde a disponibilidade de frutos é superior. A diferença de intensidade das respostas à perturbação do pisco-de-peito-ruivo, da toutinegra-de-barrete-preto e do tordo-musical, entre as amostragens realizadas em Dezembro e Janeiro, as quais foram acompanhadas por diferenças muito importantes na disponibilidade de frutos devido à queda do medronho, parece reflectir o fenómeno descrito. A cobertura e a diversidade de espécies produtoras de frutos carnudos, como é o caso do medronheiro, são superiores nas parcelas há muito tempo sem perturbação. Neste contexto, estas áreas constituem importantes locais de alimentação para as aves durante o Inverno, que as seleccionam em detrimento de outras. O aumento da capacidade de suporte em Dezembro das parcelas com subcoberto mas antigo, onde a disponibilidade de medronho era muito alta (Figura 1), terá conduzido a uma concentração das aves nestes locais, as quais se terão dispersado após a queda do fruto, justificando assim a redução das respostas das aves à limpeza do subcoberto em Janeiro.



Considerações Finais

O regime de desmatação e a idade dos matos têm uma forte influência na biodiversidade dos ecossistemas florestais. Com a redução da periodicidade da limpeza e o envelhecimento do subcoberto aumenta o número de espécies arbustivas, atingindo valores máximos em matagais muito desenvolvidos com mais de 50 anos. Muitas espécies herbáceas perenes também estão mais representadas nas parcelas menos intervencionadas, enquanto que as herbáceas anuais respondem negativamente ao desenvolvimento do mato. Em geral, as espécies florísticas mais raras e ameaçadas declinam em regimes de perturbação muito intensos, havendo contudo outras espécies pioneiras que também são raras e ameaçadas. No caso das aves, tal como nas plantas lenhosas, o número de espécies e a abundância aumentam com a idade do subcoberto, devido à crescente complexidade estrutural dos povoamentos. Este efeito é muito marcado nas aves invernantes, devido à elevada disponibilidade de bagas e frutos nos medronhais e outros matagais desenvolvidos. Em contraste, muitas borboletas beneficiam da presença de áreas soalheiras com matos baixos e esparsos, sendo portanto favorecidas pelas desmatações. Os cogumelos têm um comportamento intermédio, encontrando-se as maiores abundâncias de espécies ectomicorrízicas e sapróbias em matos de idade intermédia (20-30 anos). Na generalidade dos grupos estudados existem espécies ecléticas, surgindo desde áreas limpas há um ano até parcelas com mato não intervencionado há mais de 50 anos. Independentemente destas respostas globais, contudo, verifica-se a presença de espécies de plantas, cogumelos, borboletas e aves características de povoamentos periodicamente desmatados, enquanto outras só ocorrem em sobreirais que não foram intervencionados nas últimas décadas. Existe portanto uma complementaridade na distribuição das espécies em parcelas com diferentes idades do mato e regimes de desmatação.

Neste contexto, parece ser essencial manter um sistema em mosaico, onde diferentes níveis de gestão são aplicados, incluindo áreas onde a gestão do subcoberto seja completamente ausente durante várias décadas, permitindo assim a manutenção da actual biodiversidade da paisagem nestas áreas e para reduzir a incidência de incêndios. Não obstante, as prioridades de conservação, devem compreender a necessidade de protecção das áreas florestais onde o subcoberto esteja em estádios de recuperação mais avançados. Esta necessidade justifica-se não só pelos elevados níveis de biodiversidade comportados por estes locais e os longos períodos de recuperação dessa mesma biodiversidade após perturbação por limpeza mecânica do subcoberto, mas também pela raridade destas florestas que reduzem cada vez mais a sua área de ocupação devido aos incêndios mas também às limpezas do subcoberto e pela sua importância ecológica internacionalmente reconhecida (classificadas como Sítios de Importância Comunitária no âmbito da Directiva 92/43/EEC). A manutenção destas parcelas ainda que fragmentadas numa paisagem que outrora dominaram, podendo conter espécies raras ou ausentes noutros locais, conduz à preservação de reservatórios e fontes de biodiversidade, essenciais para garantir a recuperação das parcelas perturbadas devido à gestão do subcoberto.

Propõe-se assim que os planos de gestão regionais destes ecossistemas deverão ser baseados na implementação de práticas florestais sustentáveis numa óptica de usos-múltiplos da floresta, que contemple a conservação da biodiversidade de forma compatível com a obtenção sustentável de contrapartidas sócio-económicas. Deverá ser realizada a promoção de actividades sócio-económicas locais, baseadas na exploração da cortiça e de outros produtos secundários como é o caso do medronho e do mel, o que permitirá a reversão da tendência de êxodo rural e assim, a homogeneização da paisagem bem como o aumento do risco de incêndios.



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