Flora de São Tomé e Príncipe

Renata Alves*
Imprimir
Texto A A A

Estas duas ilhas do Golfo da Guiné apresentam características naturais que permitem o aparecimento e desenvolvimento de grande variedade de espécies vegetais, constituindo verdadeiras relíquias ao nível da flora.

1. As ilhas e os endemismos

As quatro ilhas do Golfo da Guiné - Bioko (também conhecida por Fernando Pó), Príncipe, São Tomé e Annobon (ou Pagalú) - são ilhas vulcânicas localizadas sobre a linha dos Camarões, uma linha de actividade vulcânica, com cerca de 2000 km de comprimento, que inclui ainda o Monte Camarões, no continente.

A ilha de Bioko encontra-se na plataforma continental, existindo entre ela e o continente uma distância de cerca de 40 km. Pensa-se que esta ilha estivesse ainda ligada a África na última era glacial (há cerca de 10 mil anos), o que explica o facto de a sua flora ser muito similar à do continente.

A ilha de Annobon, por outro lado, encontra-se bastante afastada do continente (cerca de 350 km), possuindo já características de ilha oceânica. Segundo a teoria da biogeografia das ilhas, a riqueza de espécies de uma ilha depende da distância da mesma ao continente, pelo que as ilhas mais afastadas tendem a possuir uma flora e fauna mais pobres, por ser difícil a propagação a partir do continente. Isto verifica-se, de facto, para a ilha de Annobon, que apresenta uma flora mais pobre.


São as ilhas de São Tomé e Príncipe que possuem uma maior riqueza na flora, já que não se encontram tão distantes do continente (dificultando a propagação de espécies), nem tão próximas (e, floristicamente, fazendo parte do continente), proporcionando o aparecimento de muitas espécies endémicas (espécies existentes apenas nesse local). De facto, São Tomé apresenta uma taxa de endemismo (número de espécies endémicas relativamente ao número total de espécies) de 15,4% e o Príncipe de 9,9%, em contraste com as ilhas de Bioko e Annobon, com taxas de 3,6% e 7,7%, respectivamente. Verifica-se que cerca de 100 espécies vegetais endémicas das ilhas do golfo da Guiné estão presentes em São Tomé e no Príncipe.


A ilha de São Tomé, relativamente à do Príncipe, é maior e de maior altitude, criando mais habitats, e de variados tipos. Isto pode condicionar o número de espécies, na medida em que um maior número de diferentes habitats proporciona a sobrevivência e desenvolvimento de maior número de espécies, já que existe menos competição pelo espaço. Além disso, são criadas condições que permitem o aparecimento de novos e diferentes tipos de plantas (endémicas). Realmente, São Tomé apresenta uma flora mais rica em endemismos em comparação com o Príncipe.


2. História e vegetação

Quando os portugueses descobriram as ilhas de São Tomé e Príncipe (1470-1471), encontraram-nas desabitadas e cobertas de vegetação. Rapidamente se introduziu a cultura da cana do açúcar nas roças (plantações), chegando a ser esta a principal fonte de riqueza das ilhas, juntamente com a pimenta e o comércio de escravos (provenientes da região do golfo da Guiné). Mais tarde, no séc. XVIII, foi introduzida a cultura do café, e só na segunda metade do séc. XIX foi trazida para as ilhas a cultura do cacau, sendo São Tomé o principal exportador mundial.

Estas culturas intensivas tiveram como resultado a degradação de vastas áreas de floresta e, consequentemente, alterações profundas no tipo de vegetação, condicionando o tipo de flora que agora aí encontramos.

3. Vegetação

A ilha de São Tomé pode ser dividida em quatro áreas, com um tipo de vegetação característica de cada uma.



A primeira é a região litoral, composta de dunas e mangais. É muito reduzida, consequência do facto provável de a floresta se estender até à costa antes do estabelecimento dos colonos. As espécies encontradas em abundância na região dunar são a fiá-tataluga (Ipomoea pes-caprae (L.) R. Br.) e a fiá-açançá (Canavalia rosea (Sw.) DC.), entre outras; na região de mangal pode encontrar-se essencialmente o mangue da praia (ou mangue-muala) (Rhizophora harrisonii Leechm.).

A segunda área é a floresta densa húmida de baixa altitude (até cerca de 800 metros). Esta, na altura da sua descrição, estava já dominada por cacaueiros, cafeeiros, bananeiras e coqueiros -espécies cultivadas. Foram também plantadas árvores de sombra, e existem muitas espécies espontâneas de árvores, arbustos, lianas e ervas descritas para esta região, entre as quais várias endémicas. Algumas antigas plantações nestas áreas foram abandonadas, possibilitando a substituição da vegetação de forma gradual.

A floresta densa húmida de montanha (dos 800 aos 1400 metros de altitude) é a terceira área descrita, e nela podemos encontrar árvores altas, com copa densa (dando a esta área o aspecto de floresta cerrada), fetos, lianas, musgos, líquenes e orquídeas. Nesta zona não foram muito desenvolvidas as plantações, pelo que a vegetação existente conserva ainda muitas características originais. Além disso, a humidade é maior e as temperaturas mais baixas, o que determina o tipo de flora presente.

Finalmente, a área de floresta de nevoeiro (a partir dos 1400 metros de altitude) é caracterizada por temperaturas ainda mais baixas, forte precipitação e formação intensa de nevoeiro. Aqui a vegetação presente é constituída essencialmente por árvores de grande porte, sobressaindo o endémico pinheiro-da-terra, ou pinheiro-de-são-tomé (Podocarpus mannii Hook. f.).


Apesar das regiões a baixa altitude terem sofrido uma forte degradação da vegetação original, devido sobretudo às culturas de cana do açúcar, café e cacau, as áreas acima dos 800 metros encontram-se ainda bastante conservadas, resultado da dificuldade de acesso.

A vegetação do Príncipe é muito semelhante à de São Tomé, com mais espécies características de floresta secundária. Isto pode dever-se à destruição de grande parte da floresta, em 1906, para erradicação de doença do sono.

Passeando por estas florestas, podemos encontrar plantas que atraem a atenção por diferentes razões.

Os fetos são muito abundantes (cerca de 150 espécies nas duas ilhas) e encontram-se disseminados por todas as regiões. São de variados tipos, desde espécies epífitas (plantas que se desenvolvem sobre outras, sem serem parasitas), forrando completamente troncos de árvores, espécies cobrindo muros sob cascatas, até mesmo espécies arbóreas.

Das plantas angiospérmicas (plantas com flor) podem destacar-se várias, como a fiá-bôba-d’obô (Begonia crateris Exell), endémica em São Tomé, que pode atingir três metros de altura; a celé-alé (Leea tinctoria Lindl. Ex Baker), também endémica de São Tomé; as várias espécies de Impatiens, com flores muito características, com um esporão, de diversas cores; ou as várias espécies de orquídeas.

Nas plantas gimnospérmicas (sem flor), salienta-se o pinheiro-da-terra (Podocarpus mannii Hook. F.), endemismo da ilha de São Tomé, cultivado frequentemente para fins ornamentais, encontrando-se na natureza apenas a grandes altitudes.

Além desta flora, é sempre possível encontrar líquenes, musgos e lianas, que emprestam ao ambiente de floresta um cenário inesquecível.


4. Conservação do ambiente das ilhas

Desde há já alguns anos tem-se vindo a reflectir uma preocupação generalizada com a conservação do património natural de São Tomé e Príncipe. Este inclui toda uma vegetação rica em endemismos, bem como uma fauna que nela se abriga e que dela depende. Constitui também uma fonte de plantas de valor alimentar (como o pessegueiro-de-são-tomé, Chytranthus mannii Hook.f.), ornamental (como as orquídeas) e medicinal.

Foi a aceitação da importância destes factores que levou à criação, já no final do século passado, de duas áreas protegidas de floresta nas duas ilhas. Apareceram, assim, o Parque Natural d’Obó, em São Tomé, e o Parque Natural do Príncipe, na ilha do Príncipe.

Têm-se desenvolvido também vários projectos de investigação relacionados com a flora destas ilhas, apoiados, sobretudo na parte logística, pelo projecto europeu ECOFAC. Este surgiu em 1992, e dele dependeu a criação de um centro de investigação na roça do Bom Sucesso, que inclui um herbário, um viveiro de orquídeas e um espaço de alojamento para visitantes.

Se se mantiver uma preocupação activa em relação ao património florístico (e faunístico) destas duas ilhas, é possível conservar um ambiente que prova ser de enorme riqueza de espécies (endémicas e raras) e de grande importância ecológica.


* Bolseira do projecto “Origem da Flora de São Tomé: uma abordagem sistemática e molecular”, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia.

Sites a consultar

http://www.ecofac.org

http://www.ggcg.st

Comentários

Newsletter