O Fogo e a Biodiversidade

Alexandra Fonseca Marques
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A forma como os fogos afectam a componente biológica de um dado ecossistema é função de um vasto número de parâmetros bióticos e abióticos que fazem com que o seu impacto na biodiversidade seja muito variável e, por vezes, inesperado.

As estatísticas dos incêndios em Portugal reflectem prejuízos económicos muito elevados resultantes da perda do coberto florestal, bem como danos ambientais associados à morte e fuga dos animais, à maior susceptibilidade do povoamento ardido a pragas e a um eventual aumento da erosão do solo. Aparentemente, o ecossistema fica mais pobre, devido ao desaparecimento de inúmeras espécies da fauna e flora, que dão lugar ao solo nú. Mas, será que esta perda é definitiva? Como é que o ecossistema recupera após o fogo? Qual é o efeito do fogo, a médio e longo prazo, na biodiversidade?


Habituámos-nos a entender o fogo como um fenómeno destrutivo, não natural, associado às actividades humanas, talvez porque conduz ao desaparecimento imediato de inúmeras espécies de plantas e animais numa dada área. No entanto, para avaliar os efeitos deste fenómeno na diversidade biológica do ecossistema, há que analisar o processo de recolonização do espaço no médio e longo prazo, e comparar a comunidade que se desenvolve (pós-fogo) com a inicial (pré-fogo), atendendo ao número de espécies existentes (riqueza florística, se estivermos a considerar a vegetação) e à abundância relativa dos indivíduos de cada espécie.

Nesta abordagem temporal, o fogo surge como um evento natural, que ciclicamente afecta o ecossistema, de tal modo que as comunidades vegetais evoluíram e adaptaram-se a um determinado regime de fogo. Sendo portanto um agente modelador da estrutura e composição da paisagem.


Deste modo, os efeitos do fogo ao nível da biodiversidade do ecossistema dependem essencialmente do estado de evolução desse mesmo ecossistema e da frequência de ocorrência do fogo (período de tempo entre cada fogo).


Assim, os fogos com intervalos longos (superiores a 100 anos), normalmente de grande severidade (i.e., elevado fluxo de calor libertado), conduzem a profundas alterações na composição florística. Isto verifica-se nas florestas boreais, do Ciclo Árctico, onde os incêndios pouco frequentes (ocorrem em intervalos de 200 a 250 anos), mas de elevada severidade, causam a destruição dos povoamentos florestais adultos de coníferas (como píceas Picea sp., pinheiros Pinus sp. e abetos Abies sp.), permitindo a regeneração dos estratos herbáceo e arbustivo e o rejuvenescimento dos povoamentos florestais (CHANDLER et al., 1983). 
 
Pelo contrário, os fogos em intervalos curtos (inferiores a 20 anos), de baixa severidade, têm pouco impacto na composição das comunidades porque estas são dominadas por plantas tolerantes ao fogo. É o que acontece nas florestas típicas das regiões mediterrâneas, compostas por matos baixos e povoamentos pouco densos de espécies adaptadas ao clima mediterrâneo (secura estival e precipitação moderada, concentrada no Inverno) e a ciclos de fogo de 15 a 25 anos. Tratam-se de ecossistemas com elevada diversidade, graças à abundância do sub-coberto, que promove a estratificação vertical do povoamento e cria inúmeros habitats para a fauna (CHANDLER et al., 1983).


Ao nível da comunidade vegetal, os efeitos do fogo dependem da resposta individual das espécies à sua ocorrência e às relações competitivas entre estas. Verifica-se um efeito selectivo do fogo, que favorece a dominância de espécies com estruturas morfológicas ou mecanismos fisiológicos que garantam maior resistência à sua passagem e/ou posterior recolonização da estação. O fogo pode mesmo conduzir à extinção local de espécies endémicas de zonas frias (onde o fogo é pouco frequente), que crescem muito lentamente e sem estratégias eficientes de reprodução e colonização (GILL, 2002).


A capacidade de resistência das plantas ao fogo resulta da tolerância dos tecidos ao calor e/ou da sua elevada humidade foliar. Algumas espécies desenvolvem estruturas de protecção dos tecidos, como cascas resistentes ao fogo (na Pseudotsuga menziesii e Quercus suber), outras possuem gomos protectores, que lhes permitem reconstituir a copa danificada pelo fogo (Pinus ponderosa e Populus tremuloides).


A regeneração das plantas herbáceas após o fogo é assegurada por estruturas de reprodução vegetativa subterrâneas (como rizomas, tubérculos ou bolbos), ou por via seminal. As lenhosas podem regenerar apenas por semente (como as Cistáceas Cistus sp., de que a Esteva é um exemplo), ou preferencialmente por via vegetativa, a partir de rebentação de toiça ou raiz (como por exemplo o Medronheiro Arbutus unedo, a Aderno-de-folhas-largas Phillyrea latifolia e o Carrasco Quercus coccifera) (DE BANO et al., 1998).

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