A processionária na saúde do animal doméstico

Daniela Paiva Calado
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A processionária ou lagarta-do-pinheiro é uma praga florestal que, para além de causar danos importantes em matas de coníferas, pode causar intoxicações severas em humanos e animais domésticos através do contacto com os seus pêlos urticantes.

 

 

O que é a processionária ou lagarta-do-pinheiro?

Os pinheiros e cedros servem de hospedeiros a uma lagarta da família Thaumetopoidea, género Thaumetopoea, e espécie Thaumetopoea pityocampa, que causa por vezes grandes danos em vastas áreas florestais, sendo por muitos considerada o agente mais destrutivo dos pinhais a seguir aos incêndios.


Lagarta-do-pinheiro ou processionária

Os seus efeitos nefastos não se restringem a estas espécies florestais mas a muitas espécies animais que com ela contactam. No seu habitat natural, as raposas, os ginetes e os texugos são muitas vezes afectados por este ser rastejante. Cavalos, ovelhas e porcos são também surpreendidos durante a pastagem, bem como diversas espécies de aves que, na procura de alimento, são afectadas por esta lagarta. Na fauna doméstica, o cão e o gato são objecto de consulta veterinária frequente pelos efeitos alérgicos que a processionária neles provoca.

O ciclo de vida da processionária

 

Ciclo de vida da Thaumetopoea pityocamp

O seu ciclo de vida compreende diversas fases ao logo de todo o ano, algumas delas inofensivas para os seres acabados de referir. A lagarta propriamente dita eclode dos ovos depositados nas copas dos pinheiros em meados de Setembro. A partir daqui vai sofrer uma evolução constante até ao estádio em que, pela sua constituição anatómica e fisiológica, é capaz de desencadear reacções alérgicas em muitos dos seres vivos que com ela contactam. Toda esta evolução ocorre em cinco fases, sendo a partir da terceira (em meados de Novembro) que lagartas provenientes de diversas posturas constroem o seu ninho de resistência capaz de enfrentar o frio do Inverno que se avizinha.

 


Ninho de processionária na copa do hospedeiro

 É então que, desde meados de Fevereiro até fins de Maio (com oscilações provocadas pelas condições climatéricas), as lagartas descem das copas das árvores hospedeiras até ao solo, em procissão (daí o nome comum de processionária) normalmente liderada por uma fêmea.

Nesta altura, a processionária tem o corpo dividido em pequenos segmentos, cada um dos quais com milhares de pêlos urticantes de coloração alaranjada que se vão libertando à medida que a larva se move. São estes pêlos que, quando em contacto com a pele, mucosas e olhos provocam a reacção alérgica tão indesejada.

 


Deslocação das larvas em procissão

 Terminada a procissão, as lagartas dão início à fase subterrânea do seu desenvolvimento, enterrando-se a alguns centímetros de profundidade do solo. Em climas frios, estas procuram as zonas banhadas de sol enquanto que em climas quentes preferem as zonas sombrias. Aqui evoluem para o estádio de pupa ou crisálida que, desde finais de Junho até Agosto sofrem uma metamorfose originando as borboletas (insecto adulto) que acasalam entre si. As fêmeas depositam os seus ovos nas copas dos pinheiros, fechando assim o seu ciclo biológico.

 

Que factores climatéricos afectam o ciclo de vida da processionária?

O ciclo biológico da lagarta do pinheiro é influenciado principalmente pela chuva e pela temperatura ambiente. As chuvas fortes e constantes são capazes de destruir os ninhos edificados no hospedeiro (pinheiro), interrompendo o ciclo na transição de ovo para lagarta ou mesmo afectando as cinco fases do estádio larvar. Por seu turno, as temperaturas amenas aceleram a eclosão dos ovos e o consequente aparecimento de larvas com propriedades urticantes.

Assim sendo, de um ano para o outro varia a ocorrência no tempo de cada estádio de desenvolvimento desta praga florestal, flutuando igualmente a incidência do número de casos de intoxicação por contacto com a processionária, quer em medicina humana, quer no âmbito veterinário.


Aspectos clínicos veterinários da intoxicação por contacto com a processionária

Na clínica veterinária, o diagnóstico de intoxicação por contacto pela processionária é muitas vezes dificultado pela escassa informação de história clínica sobre o animal em causa. Frequentemente o cão e o gato saem de casa para o seu passeio sem que os seus donos se apercebam dos caminhos por onde andam ou o que cheiram, abocanham ou comem. Quando regressam, despertam a atenção pelo seu focinho inchado (edemaciado) língua grossa (macroglossia) por vezes azulada (cianótica), babar intenso (hipersiália e sialorreia), comichão (prurido), vómito e dor intensa quando o dono tenta à força abrir-lhes a boca na ideia de encontrar um corpo estranho (pau, lasca de madeira, etc.).


A - Edema da face / B – Macroglossia com cianose da língua


Edema da face, macroglossia e cianose

 

Em casos menos frequentes surge a tosse, as dificuldades respiratórias e a asfixia. O choque anafilático está descrito como muito raro na sequência do contacto com a processionária. Se por vezes o estado alarmante do animal leva o dono a transportá-lo ao veterinário com a máximo urgência, outros casos há em que, por atenuação dos sintomas do animal ou mesmo por incúria dos donos, a visita ao veterinário só é feita em último caso. O tempo que decorre entre o contacto com os pêlos urticantes da lagarta do pinheiro e a instauração do tratamento é crucial no sucesso deste último. A extensão das lesões depende também da quantidade de alergeno, ou seja, da quantidade de pêlos urticantes que contactaram com a pele, mucosas, olhos, ou foram inalados. O tratamento consiste em bloquear a reacção alérgica capaz de provocar lesões irreversíveis como sejam a necrose (morte) da língua e dos lábios e a cegueira. O estado deplorável em que muitas vezes fica o animal impedindo-o de continuar a fazer coisas tão básicas como comer e beber leva o dono a optar pela eutanásia. Não chegando a este extremo, é infelizmente frequente a queda de parte da língua ou lábios.


A - Queda de parte da língua / B - Cegueira

Os corticóides (compostos à base de cortisona) utilizados para estagnar a reacção alérgica, com actividade anti-inflamatória e anti prurítica, são a primeira medida a tomar. Enquanto actuam, deve fazer-se uma lavagem abundante com soro fisiológico, ou mesmo água corrente, das zonas supostamente afectadas (face, boca, olhos) para eliminar todos os pêlos urticantes que aí se podem encontrar. Um tratamento antibiótico é normalmente iniciado para combater as possíveis infecções secundárias, geralmente da boca. Um anti-emético (anti-vomitivo) é administrado sempre que haja sintoma de vómito. Os colírios oftálmicos (pingos para os olhos) são recomendados sempre que esteja presente uma conjuntivite (inflamação da conjuntiva do olho) ou queratite (inflamação da córnea do olho).


Métodos de controlo da processionária

Como MAIS VALE PREVENIR QUE REMEDIAR, é importante saber quais as medidas de erradicação desta praga e como fugir aos seus efeitos. O conhecimento do ciclo biológico da lagarta do pinheiro é a base das medidas profiláticas a tomar.

Durante os dois primeiros estádios larvares, antes de se formar a lagarta capaz de provocar reacções alérgicas (estádio 3), os métodos de destruição químicos são os mais eficazes. Este objectivo pode ser conseguido provocando a morte das larvas de estádio 1 e 2 ou impedindo a evolução destas últimas para o estádio 3. Seja qual for a opção, a maior preocupação é escolher o produto eficaz e de baixa toxicidade para o Homem, fauna e flora envolventes. No nosso mercado existem dois grupos de produtos que preenchem estes requisitos. São eles os compostos de diflubenzurão (inibidores do crescimento das larvas 2) e os compostos de Bacillus thuringiensis (insecticidas das lagartas 1 e 2). A aplicação de produtos químicos com recurso a meios aéreos deve ser comunicada com pelo menos oito dias de antecedência às direcções Regionais de Agricultura e Delegações Regionais de Saúde (Lei nº 10/93, de 6 de Abril).

Aquando da formação dos ninhos pelas larvas estádio 3 (meados de Novembro), a medida mais eficaz é a destruição dos mesmos sendo queimados ou esmagados no solo.

 

Na altura da procissão das lagartas (de Fevereiro a Maio), é recomendado fazer a sua destruição mecânica criando uma espécie de armadilha no tronco do pinheiro, que consiste numa cinta de plástico com cerca de 1 metro embebida em cola inodora (à base de poli-isolbutadieno). As que escaparam a este método podem ser capturadas no chão (enquanto rastejam) ou desenterradas do solo (a cerca de centímetro e meio de profundidade) com o auxílio de algum instrumento de jardinagem adequado e posteriormente esmagadas ou queimadas.

Qualquer um dos métodos de combate a esta praga florestal exige o máximo de cuidado por parte de quem o pratica. É indispensável o uso de luvas, vestuário apropriado para protecção de todo o corpo, máscara de protecção para nariz e boca. Há que seguir à risca as instruções de manuseamento e utilização de cada produto.

Pelo que ficou dito: Em zonas florestais onde a lagarta do pinheiro é hóspede, deve evitar-se o passeio ou a pastagem dos animais bem como a aproximação das crianças, principalmente na Primavera. Em caso de contacto com a processionária, o tratamento médico ou médico-veterinário é urgente!

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