Padre Himalaya - Homem de ciência, pioneiro da ecologia em Portugal

Helena Simões
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Em 6 de Junho de 1920 o padre viaja novamente para os E.U.A., com o objectivo de estudar sistemas de irrigação e barragens hidroeléctricas. Leva consigo o motor directo. Ali permaneceu até 1922. Presume-se que tenha estudado agricultura e medicina no Instituto Carver, assim como registado algumas patentes dos seus inventos. Terá igualmente desempenhado uma missão oficial, fazendo parte, juntamente com o Visconde de Alte, Embaixador de Portugal nos E.U.A., da comissão de negociações do governo português para a renovação do armamento. Será o portador, para Portugal, de um modelo de espingarda americano: o U.S. Rifle, calibre 30, modelo 1903, assim como de uma carta de recomendação do Visconde de Alte, onde este diz que Himalaya poderá ajudar na elaboração do programa do governo, devido ao carácter prático dos seus trabalhos e estudos, ao seu patriotismo e à sua isenção política.

Uma vez em Portugal regressa à sua casa da Damaia, deixando progressivamente a intervenção social activa devido à instabilidade governativa do país, onde se sucediam as remodelações ministeriais. Entra num período de recolhimento, voltando a dedicar-se à medicina naturopata e à tentativa de organização de uma escola de jovens ligada à Ordem Terceira Franciscana. Ficou-se pela formação de grupos de jovens, seus ajudantes nas tarefas agrícolas e laboratoriais na quinta. Neste período, pensa-se que tenha acompanhado duas senhoras americanas ligadas à igreja católica de Ohio, numa viagem ao Oriente, ou pelo menos durante parte desta, tendo, possivelmente, visitado o Japão.

O seu interesse pela constituição de um laboratório leva-o a tentar vender a quinta da Damaia, em 1925. Talvez procurasse montar uma estrutura colectiva de investigação. Em Abril desse mesmo ano registou a patente: “Processo de transformação de crustáceos em alimentos completos para animais domésticos e para a espécie humana”, com a colaboração do engenheiro agrícola José Epifânio Carvalho de Almeida.

Nos finais de 1927 parte para Buenos Aires, a convite da viúva do Cônsul da Argentina, Srª Sagastume, para efectuar uma prospecção e demarcação de recursos nas suas propriedades, na província de S. Juan. Encontrava-se endividado, tendo vendido o seu palacete da Damaia. As viagens e a filantropia tinham-no arruinado. A ditadura do Estado Novo, que se implantara em 1926, reforçou-lhe o alento para esta viagem.

Instala-se no Hotel Sportsman de Buenos Aires, visita a cidade, passeando largas horas pelo Jardim Botânico, aumentando os seus conhecimentos de plantas medicinais. Encontra também alguém que manifesta interesse pelo seu “Pyrheliphero”. Durante as suas visitas a S. Juan, na tentativa de demarcar os terrenos imensos da Srª Sagastume, interessa-se pelas plantas autóctones, resistentes à falta de água, como os Algarrobos, que pensa poderem ser de grande interesse nos terrenos pobres do Alentejo e Algarve.

Em 1931, tendo adoecido gravemente junto da cordilheira dos Andes, refugia-se como capelão de um asilo de crianças abandonadas, o Asilo Preventório de Jauregui, situado na província de Buenos Aires. Esta reclusão terá sido motivada pela agitação social que se vivia na altura, após a implantação de uma ditadura militar por Uriburu. Pensa-se que o padre Himalaya estaria ligado ao antigo governo dos Cantoni. As suas relações com a Srª Sagastume deterioraram-se também neste período, tendo esta apresentado queixa ao Bispo. No entanto, o padre Himalaya terá conseguido demover a sua filha de lhe mover um processo, declarando-a insana e apoderando-se dos seus bens, em 1929.

Durante a sua estadia no asilo, o padre Himalaya redigirá um livro manuscrito em castelhano, intitulado “La Constituicion Mecanica del Universo”. Segundo ele, representava 43 anos de reflexão, observação, estudo e investigação. Pretendia editá-lo na Argentina e posteriormente traduzi-lo e publicá-lo em Portugal e em França.

Em Agosto de 1932 parte de Buenos Aires de regresso a Portugal, trazendo com ele o precioso manuscrito, ainda inacabado. Após várias visitas a Cendufe, segue para Viana do Castelo, onde desempenhará as funções de capelão do Asilo de Velhos e Entrevados da Caridade. O irmão, padre Gaspar, conseguira que lhe oferecessem este lugar quando diligenciava, infrutiferamente, junto do Bispo a sua promoção a Cónego.

Faleceu em 21 de Dezembro de 1933, no Hospital do Asilo, vítima de mielite, não se sabe se provocada por envenenamento resultante das experiências com ervas medicinais que efectuava em si próprio. Nunca chegou a publicar o dito manuscrito, do qual só algumas páginas chegaram aos nossos dias. Fora nomeado presidente de honra do Instituto Histórico do Minho em Novembro desse ano.

Para Jacinto Rodrigues, “O enigma de M.A.G. Himalaya foi o facto de se ter preocupado com a energia solar e ser simultaneamente inventor de explosivos, padre e ter vivido, muitas vezes, quase à margem da Igreja, sem nunca ter abandonado as suas convicções espirituais; ter lidado com monárquicos, republicanos e anarquistas, sem contudo se ligar pessoalmente a nenhum movimento; ter viajado por longas paragens, sem sabermos as relações institucionais que estabeleceu; ter recebido glória e fama e ao mesmo tempo abandono e desprezo. O padre Himalya é um personagem que incomoda e fascina. É um enigma e um mito. A sua biografia, desconcertante, é cheia de complexidade, de claros-escuros difíceis de deslindar. Acrescente-se a tudo isto uma mitologia que se gerou à volta da sua singular personalidade”. 

Nota final: O texto aqui apresentado resultou da consulta da obra “A Conspiração Solar do Padre Himalaya – Esboço biográfico dum português pioneiro da Ecologia”, da autoria do Prof. Doutor Jacinto Rodrigues, publicado pela Cooperativa Árvore (www.arvorecoop.pt), em 1999. Este livro foi o culminar de uma aturada pesquisa e múltiplas viagens realizadas pelo Professor durante vários anos, pelas paragens por onde o padre Himalaya repartiu a sua vida.

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