Padre Himalaya - Homem de ciência, pioneiro da ecologia em Portugal

Helena Simões
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Noutra conferência, proferida em 2 de Março de 1909, sobre o Porto de Lisboa, em construção desde 1887, o padre critica as construções existentes, que no seu entender desvalorizam esteticamente a zona que vai da Alfândega à Torre de Belém; defende um cais portuário desde Sta. Apolónia até aos Olivais, propondo uma arrojada plataforma de meio quilómetro sobre uma estacaria de cimento armado e, numa antevisão da actual ponte Vasco da Gama, propõe a construção de uma ponte levadiça na zona do Beato em direcção ao Montijo. Finalmente, defende o aproveitamento das marés para o fornecimento de energia hidroeléctrica a Lisboa e a construção de uma estação de caminho de ferro em Cacilhas, para embarque do minério e de outras mercadorias.

O contexto social e político da altura não favorece a visibilidade e concretização destas propostas. O atentado e morte de D. Carlos, em 1 de Fevereiro de 1908, é o culminar da agitação entre as forças políticas e as classe sociais. O padre Himalaya diversifica as suas relações tácticas; ao estabelecer relações com a Banca e com os meios militares, assegura contactos com o governo monárquico, enquanto as suas relações com a Academia de Sciências de Portugal, hegemonizada por republicanos e maçónicos, lhe facilitam a transição para o novo regime republicano.

Após algum tempo de pesquisa de terrenos, o padre Himalaya, à frente da Companhia Himalayite entretanto formada, constrói a fábrica da pólvora, na Quinta da Caldeira, no Seixal. Esta Companhia resultou novamente da participação da Condessa de Penha Longa, em conjunto com outros investidores da aristocracia enriquecida, os quais previam um negócio chorudo. O padre vai viver para a Quinta, instalando-se no edifício situado em frente ao moinho de maré do Seixal. Esta proximidade levou-o a conceber um plano para um moinho de múltiplas funções, voltando a defender, em 15 de Abril de 1913, na Academia de Sciências de Portugal, a utilização da energia das marés.

Durante a sua estadia na Quinta da Caldeira, o padre Himalaya passa a contar com a presença de uma rapariga vinda de Cendufe, sua aldeia natal, de nome Rosa Cerqueira, que terá tido as funções de governanta, mas passava por ser sobrinha do padre, para se evitarem falatórios…

O tremor de terra de Dezembro de 1908, em Messina, na Sicília, levou a que a questão da segurança na construção das habitações passasse a ser discutida em Portugal. A Academia das Sciências, por sugestão do padre Himalaya, propõe à Câmara Municipal de Lisboa a utilização do cimento armado como material mais conveniente para resistir aos terramotos. Em 23 de Abril de 1909 dá-se um abalo sísmico na região de Lisboa, sobretudo na zona de Benavente. A Academia organiza uma sessão pública na Sociedade de Geografia, subordinada ao tema da sismicidade, onde Melo e Simas apresenta uma explicação para os fenómenos sísmicos baseada numa conjugação de fenómenos astronómicos e o padre Himalaya apresenta uma explicação mais telúrica, afirmando que os vulcões e focos sísmicos eram causados pela água sobreaquecida.

Nas suas numerosas conferências na Academia das Ciências de Portugal, o padre Himalaya aborda os mais variados temas, desde a teoria da evolução de Darwin, que compatibiliza com o texto bíblico, à homenagem ao padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, por ocasião da comemoração de bicentenário da sua experiência de ascensão de um balão de ar quente. Elabora uma tese, segundo a qual, Bartolomeu de Gusmão fora o pioneiro na descoberta do hidrogénio, tendo utilizado este gás para fazer a ascensão do balão. Elogia frequentemente o modelo americano de pluralidade de religiões e liberdade de ensino, assim como a sua experiência na técnica hidráulica.

Em Maio de 1910, no Congresso Nacional, a propósito da apresentação de soluções para a crise económica, agrícola e comercial, critica a opção pelo trigo, quando considera que existem outros cereais que se adequam melhor aos solos portugueses, como o milho e o centeio, que também produzem óptimo pão. Defende ainda que os terrenos não cultivados devem ser expropriados. Esta posição causa algumas reacções na ala mais conservadora do congresso, que a cataloga como mais um “elixir do sacerdote”.

A 5 de Outubro de 1910 é implantada a República. O padre Himalaya parece totalmente à vontade dentro deste novo regime. A Academia de Sciências de Portugal é oficializada, ganhando uma importância decisiva na nova sociedade portuguesa, ao contrário da sua congénere, Academia de Sciências de Lisboa. Da primeira saem alguns membros que irão ocupar lugares de destaque no governo.

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