Padre Himalaya - Homem de ciência, pioneiro da ecologia em Portugal

Helena Simões
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De acordo com Jacinto Rodrigues, quer em França, quer nos Estado Unidos, as forças económicas da altura não se mostraram interessadas no aproveitamento da energia solar, estando mais empenhadas na exploração petrolífera. Era a hora do petróleo, dos automóveis Ford e do “progresso” que não olhará a meios para impor a sua ganância destruidora da natureza.

Aquando da sua estadia em Londres tornara-se vegetariano, aperfeiçoando os seus conhecimentos em dietética. Após os desaires na sua “investigação solar”, tenta sobreviver nos E.U.A., voltando à Naturopatia, fabricando os “organic salts”, pastilhas à base de cinza e sumo de limão e preparando elixires para a calvície. Mas voltou a não ser bem sucedido! Durante esta estadia torna-se amigo de Adele Marion Fielde, sufragista e antiga missionária baptista, que se tornara defensora dos direitos cívicos das mulheres. Esta aconselha o padre a entrar em contacto com o Carnegie Institute, o qual criara um observatório de investigação solar no Mont Wilson, na Califórnia, em 1904. A pedido do Dr. Woodwards desta instituição, o padre Himalaya escreve um livro sobre as suas investigações acerca das energias renováveis, intitulado “The forces of Nature”. O manuscrito em inglês, encontrado no seu espólio, nunca chegou a ser publicado, restando apenas um texto incompleto de três capítulos dos seis referidos no índice.

Não abdicando das suas investigações ao nível da energia solar, pretendeu realizar fotopilhas, transformando de forma directa a luz solar em electricidade, realizando algumas pesquisas e traçando numerosos esquissos. Como a Carnegie Fondation, assim como a Condessa de Penha Longa, não se encontravam disponíveis para o apoiarem financeiramente, o padre Himalaya passa a interessar-se também por explosivos, dados os seus conhecimentos químicos e a abertura no mercado para este tipo de produto. Monta na sua casa de Washington um laboratório e nele fabrica a “Pólvora Sem Fumo” ou Himalayite, patenteada em Maio de 1907 com a designação “Process of Making Smokeless Powder”. Esta pólvora cloratada é testada primeiro em pedreiras e posteriormente em vários arsenais do exército norte americano. A Himalayite resiste a grandes choques, fricções e temperaturas sem perigo de explosão, sendo fabricada com produtos de origem vegetal e mineral, de fácil obtenção e baixo custo.

De regresso a Lisboa, em Setembro de 1906, a receptividade aos seus trabalhos aumentou, sendo publicados artigos sobre os seus inventos em várias revistas, realçando, em particular, a descoberta do explosivo. A firma da Condessa de Penha Longa, a Pinto Leite & Brothers, interessa-se por este invento, sendo o padre convidado a realizar testes na quinta da Condessa, em Sintra. O Ministro da Guerra, Vasconcelos Porto, e o próprio Rei D. Carlos assistem a alguns ensaios dos explosivos. Em breve estabelece novo contrato com a Condessa para a exploração deste invento em Portugal e Colónias, assim como no mundo. Regista várias patentes de invenções de pólvora, em Inglaterra e também em Portugal.

Na Escola Prática de Artilharia de Vendas Novas realizam-se estudos comparativos sobre os efeitos destrutivos da Himalayite e da Schneiderite. Conclui-se que a primeira não é própria para o carregamento de petardos, mas o seu preço torna-a interessante para a utilização em minas e granadas.

Em 1908 o padre Himalaya adere à Academia de Sciências de Portugal, onde profere diversas conferências e participa em vários congressos. Nas suas intervenções é manifesta a preocupação com o ordenamento territorial do País, expresso nas suas teses de aproveitamento das energias renováveis, com vista a um desenvolvimento sustentado. Na sua comunicação “Alguns problemas de economia e higiene pública” o padre Himalaya propõe as seguintes linhas de actuação para o ordenamento e prosperidade económica da “nação portuguesa”: 
 
1 – Irrigação dos terrenos cultivados e arborização das montanhas e terrenos não aráveis. Sugere o estudo aprofundado das espécies de árvores mais vantajosas para cada tipo de situação, assim como dos métodos técnicos de construir presas, albufeiras, barragens, açudes, etc., para o aproveitamento das águas provenientes de uma precipitação irregular. Para tal aconselha um estudo comparativo das legislações nacionais e estrangeiras, com vista à elaboração de um projecto de lei que promova semelhantes actividades nas diferentes regiões do país;

2 – Utilização das quedas de água e outras chamadas forças naturais. Prevê o esgotamento dos combustíveis fósseis, propondo estudos hidrográficos dos principais rios do continente, com vista à construção de barragens, o aproveitamento da energia das marés, o estudo do regime dos ventos e brisas para os utilizar como força motora, assim como a elaboração de legislação que facilite a aquisição dos direitos de utilização destas energias;

3 – Métodos racionais de promover a cultura intensiva dos pousios e charnecas aráveis. Propõe o levantamento de todos os terrenos incultos existentes no país, o estudo dos métodos a utilizar na sua fertilização e a determinação das espécies e variedades de cereais ou outras culturas agrícolas mais apropriadas, bem como os meios de valorização dos produtos obtidos para consumo interno e exportação;

4 – Melhoramentos a introduzir nas indústrias piscatórias. Recomenda a construção de açudes nos rios e a introdução de plantas e peixes exóticos, mais resistentes e vigorosos do que os indígenas. Sugere também que se aperfeiçoem as técnicas de conservação do pescado;

5 – Plantas e animais nocivos à agricultura e à higiene pública. Desmistifica a animosidade popular relativa a animais como o ouriço cacheiro, a doninha, o sapo e a coruja, valorizando a sua contribuição benéfica no controlo de pragas agrícolas. Propõe o estudo das plantas invasoras e venenosas, dos insectos nocivos e dos agentes da doença dos castanheiros e doutras árvores e das técnicas a utilizar no seu controlo e erradicação. Recomenda ainda o estudo das plantas e animais úteis à agricultura e à higiene humana e meios de os propagar;

6 – Meios eficazes de promover o robustecimento da raça. Segundo o padre Himalaya, a espécie humana definha e extingue-se em todas as grandes cidades em 3, 4 ou 5 gerações. Se não existisse a emigração constante de indivíduos dos campos, ou de pequenas povoações, as grandes cidades ficariam reduzidas a simples aldeias no espaço de pouco mais de um século. Aponta como causas a impureza do ar respirado, a alimentação predominantemente à base de produtos de origem animal e a ingestão de diversos venenos, como o excesso de bebidas alcoólicas, café, chá, tabaco e abuso de medicamentos. Critica também a quase completa ausência de “exercícios enérgicos ao ar livre e à luz”. Propõe o estudo de meios práticos para extinguir as poeiras e diminuir a quantidade de micróbios patogénicos nas habitações, fábricas e lugares públicos; o estudo da alimentação humana com a determinação do valor nutritivo de vários alimentos de origem animal e vegetal; o estudo dos efeitos perniciosos do tabaco, bebidas alcoólicas, estimulantes e medicamentos venenosos; o estudo de meios para a “prática de exercícios enérgicos ao ar livre”, sobretudo pelas crianças, “a fim de conseguirem o desenvolvimento normal do organismo e da personalidade”.

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