Padre Himalaya - Homem de ciência, pioneiro da ecologia em Portugal

Helena Simões
Imprimir
Texto A A A

 

Após a frequência dos cursos livres de Química do Dr. Ferreira da Silva, que possuía bons amigos em França, muda-se na Primavera de 1898 para Paris, para prosseguir os estudos e construir a 1ª máquina solar. Esta deslocação foi patrocinada por D. Emília Josefina dos Santos.

Com o forno solar o padre Himalaya pretendia obter azotatos da atmosfera e com eles produzir fertilizantes para a agricultura. A primeira máquina solar foi construída em Neully sur Seine, e aqui decorreram as primeiras experiências. A segunda terá sido montada no Verão de 1900, em Sorède, uma pequena aldeia de montanha dos Pirinéus Orientais, junto à fronteira Espanhola, a partir de peças mandadas construir em Paris. A montagem decorre numa atmosfera de espionagem industrial, sendo o padre Himalaya acompanhado pelo Capitão Bazeries, responsável por questões de segredo militar. O 2º modelo do “Pyrheliophero” é montado a cerca de 5 Km da aldeia, numa colina junto às ruínas da Ermida de Castel d’Ultrera. Sobre uma plataforma de pedra e areia são assentes carris circulares, sobre os quais deslizava a estrutura de suporte, que podia ser orientada de acordo com a posição solar. A campânula era em forma de calote esférica, com centenas de espelhos, e estava suspensa na estrutura por dois eixos, que permitiam uma orientação vertical ou horizontal. O padre Himalaya orientava-a verticalmente, apontando os reflectores para o sol e fazendo incidir o ponto focal na boca do pequeno forno refractário. Numerosos ensaios permitiram-lhe redigir num manuscrito, um relatório das experiências realizadas, assim como alvitrar novas metodologias para a construção da “lente metálica”, tendo sempre como principal objectivo a obtenção de fertilizantes nitrosos.

Em Março de 1901 viaja até Londres, onde estabelece um contrato com a Condessa de Penha Longa, viúva do banqueiro Pinto Leite, constituindo uma sociedade para explorar esta invenção: aparelho óptico para utilizar praticamente o calor do sol nas artes metalúrgicas e químicas e em todos os ramos da indústria. O padre Himalaya cede à sociedade a sua invenção, assim como as patentes já registadas em França, Espanha e Bélgica, comprometendo-se a prosseguir o seu trabalho e a realizar todos os aperfeiçoamentos necessários, enquanto a Condessa disponibiliza o capital necessário para a construção dos dois primeiros aparelhos de demonstração e para a mensalidade a pagar ao padre pelo seu trabalho. Responsabiliza-se ainda pelo pagamento e registo de novas patentes. No seguimento deste contrato, regressa a França, onde executa um protótipo-miniatura experimental e prossegue os seus contactos no meio universitário e científico Parisiense. Em Setembro desloca-se para Lisboa, instalando-se no palacete da Condessa, junto à Lapa, onde reformula e simplifica os projectos de construção de forma a que os aparelhos possam ser construídos em Portugal e com custos reduzidos. Mostra-se céptico quanto à possibilidade de construção dos reflectores de que necessita, assim como da sua eventual qualidade.

Em Abril de 1902, na Tapada da Ajuda, é feita a primeira demonstração pública do funcionamento do “Pyrheliophero”, que se traduz num enorme fiasco! Erros na construção da máquina levam a que o foco de luz saia distorcido, derretendo o seu próprio suporte. A relação contratual com a Condessa é reformulada e o entusiasmo desta no projecto torna-se praticamente nulo, julgando o padre como um simples visionário após ler o relatório de um exame efectuado à invenção, encomendado a um engenheiro civil português, um tal António Teixeira Júdice. 
 
Desalentado, mas com o firme objectivo de construir um aparelho que possibilite a geração de temperaturas na ordem dos 6000 a 7000 graus (tarefa impossível de acordo com as leis da termodinâmica), o padre Himalaya regressa a França, onde constrói nova máquina, mais aperfeiçoada, possivelmente ainda com o apoio da Condessa de Penha Longa. É ainda graças a nova reformulação do contrato com esta senhora que consegue apoio para se deslocar aos Estados Unidos, à Exposição Universal de St. Louis, em Abril de 1904. Todavia, e devido ao seu insucesso em Portugal, o “Pyrheliophero” não constava do conjunto de mostragens da representação Portuguesa!

Mais tarde ele pode exibir a sua invenção. A sua montagem é morosa e difícil, talvez devido aos trambolhões da viagem. Finalmente, em Outubro, é realizada a primeira experiência. A multidão apinhava-se, como habitualmente, à entrada da exposição. O invento do padre Himalaya, pela sua imponência (80 m2 de superfície reflectora) e novidade tecnológica, exercia grande atracção sobre os visitantes e a demonstração do seu funcionamento é feita com enorme êxito. Consegue gerar temperaturas da ordem dos 3000-4000 graus, derretendo todos os materiais que coloca sob o foco de luz, sendo premiado com o “Grand Prize da Louisiana Purchase Exposition”. A revista Scientific American publica, nesta altura, um artigo do seu correspondente em St. Louis, intitulado “A Solar Reducing Furnace”, o qual vem credibilizar este invento junto da comunidade técnico-científica. Para além deste prémio, o padre Himalaya fora convidado para integrar o Júri das Artes Liberais, tendo recebido esta honra como se de um grande prémio se tratasse.

Contudo, a montagem do “Pyrheliphoro” não se fez com o dispositivo para a transformação do azoto em azotatos, não estando equipado com o reservatório e forno destilatório previstos nos planos efectuados em França. Não se sabe se tal se deveu ao receio de que a experiência não fosse bem sucedida, ou à premente falta de meios para a sua execução. Assim, não foi demonstrada a sua capacidade produtiva e o seu potencial comercial, geradores de eventuais interesses financeiros, mas apenas a sua capacidade de gerar altas temperaturas. A produção industrial de azotatos com um forno eléctrico veio a concretizar-se em 1905, na Noruega, por Birkeland e Eyde.

Aos vencedores premiados da Exposição Universal foi proporcionada uma viagem de estudo por vários locais dos Estados Unidos. Nesta, o padre aproveitou para estabelecer contactos e relações de amizade que lhe foram valiosas em anos futuros.

Quando regressou ao recinto da feira, a sua máquina solar tinha sido completamente despojada dos 6117 espelhos côncavos de cristal, assim como do mecanismo de relojoaria. A sua desmontagem era caríssima e a Condessa de Penha Longa tinha abandonado o projecto de pesquisa sobre a energia solar. O armazém previsto para guardar a máquina nunca se concretizou!

Comentários

Newsletter