O visão-americano, o lagostim-vermelho-americano e a fauna nativa - Um dilema de conservação no Noroeste de Portugal

Filipa Alves
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Lagoas de Bertiandos e São Pedro de Arcos, uma análise a pequena-escala

Numa segunda fase, o projecto focou-se em determinar a relação entre o visão-americano e os carnívoros nativos, o que foi feito a pequena-escala, na Paisagem Protegida das Lagoas de Bertiandos e São Pedro de Arcos, situada nas imediações de Ponte de Lima. Esta área protegida é que uma pequena zona húmida que apresenta “águas paradas ou com correntes fraquinhas”, condições ideais para o lagostim-americano e que não abundam no resto do Minho, o que faz com que “este seja um dos principais núcleos de lagostim vermelho americano no Norte”, revela Rui Rebelo. O biólogo do CBA, especialista em lagostim vermelho americano, tem realizado investigação sobre a espécie no Sul de Portugal, onde está amplamente distribuída e é muito abundante.

 

Fig. 4 - Lagoas de Bertiandos

 

A análise da composição dos dejectos recolhidos na Paisagem Protegida revelou que “a presa mais consumida, tanto pela lontra como pelo visão-americano é o lagostim, sem qualquer sombra de dúvida”, diz Diana Rodrigues. No entanto, as duas espécies “diferem nas outras espécies consumidas: a lontra, para além do lagostim, alimenta-se de peixes, e o visão, para além do lagostim, alimenta-se de micromamíferos e aves”.

Estudos noutras regiões da Europa, onde a lontra e o visão estão presentes e os recursos são escassos, indicam que a “lontra domina sobre o visão”, diz Diana Rodrigues. Isto acontece “porque a lontra é maior e mais forte”, ganhando vantagem em confronto directo e sendo, portanto, capaz de “expulsar o visão de certos rios”.

No entanto, na Paisagem Protegida das Lagoas de Bertiandos e de São Pedro de Arcos não é este o caso. “O que pode estar a acontecer aqui é que, como há tanto lagostim, o facto de os recursos não serem escassos e a lontra focar-se na predação de peixes poderá estar a permitir a coexistência das duas espécies sem qualquer tipo de confronto” revela Diana Rodrigues.

 

Fig. 5 - Dejecto com abundante lagostim

 

Este fenómeno permite explicar a rápida expansão do visão-americano no Minho nos últimos anos. “Nós pensamos que o visão estava a expandir-se devagarinho no Minho e em toda a zona Noroeste de Portugal”, comparativamente com o que tem acontecido noutros países da Europa, “e esta expansão só começou a acelerar após 2004 ou 2005, quando lá chegou o lagostim”, revela Rui Rebelo.

A lenta expansão do carnívoro invasor no Minho, até meados da primeira década do séc. XX, era consequência da baixa produtividade dos rios daquela região, que não satisfaziam os elevados requisitos energéticos do visão, a que acrescia o facto de, no nosso país “as populações de lontra serem muito saudáveis”, travando o seu avanço, explica Margarida Santos-Reis, coordenadora do projecto.

Estes obstáculos foram ultrapassados com o aparecimento e dispersão do lagostim vermelho americano na região, que terá acontecido não por expansão natural da espécie a partir de outras áreas, mas sim por acção humana. “Os primeiros pontos de presença do lagostim no Noroeste de Portugal só aparecem no ano 2000, a primeira vez em que é visto nas bacias hidrográficas a Norte do Douro. E logo a seguir, o animal aparece numas bacias muito distantes umas das outras, o que quer dizer que foi mão humana que o transportou”, refere Rui Rebelo.

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