Monitorização de borboletas diurnas e a gestão sustentável dos montados de sobro - um estudo na Serra do Caldeirão

Maria João Verdasca e Ana Sofia Leitão - TAGIS – Centro de Conservação das Borboletas de Portugal
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Devido à sua sensibilidade às alterações do meio, as borboletas são excelentes indicadores da qualidade ambiental. Na Serra do Caldeirão a sua monitorização é uma das componentes de um projecto de optimização da gestão dos povoamentos suberícolas.

As borboletas desempenham um papel importante nos ecossistemas terrestres, não só por serem elementos vitais na cadeia trófica, mas também por darem um inestimável contributo para a polinização das plantas. Como têm vida curta, e portanto muitas gerações em pouco tempo, permitem a rápida acumulação de informações taxonómicas, ecológicas e evolutivas, tornando estes insectos ideais para o estudo da dinâmica de populações. Certas espécies dependem exclusivamente de uma planta, tornando-as muito sensíveis às alterações do meio, sendo por isso consideradas espécies indicadoras da qualidade ambiental e da integridade das paisagens naturais. Este facto faz com que os estudos de monitorização dos lepidópteros numa determinada área sejam muitas vezes utilizados como ferramentas indispensáveis na biologia da conservação.

 

Acobreada Lycaena phlaeas

A monitorização da comunidade de borboletas realizada no âmbito do projecto “Gestão da vegetação em paisagens suberícolas da Serra do Caldeirão para a redução de riscos de incêndio, valorização e conservação da biodiversidade”, pode contribuir assim para o planeamento futuro das prioridades em conservação a implementar nesta área.

A Serra do Caldeirão faz fronteira entre o litoral e o barrocal algarvio e as planícies do Baixo Alentejo. Apesar da sua modesta altitude, que atinge apenas os 580m no seu ponto mais elevado, a sua paisagem assume uma forma muito peculiar. Os cerros são cortados por uma densa rede hidrográfica que na sua maioria é constituída por cursos de água temporários, tendo por isso um relevo muito acidentado em diversos pontos.


A vegetação natural da serra é influenciada pelo clima. Nas regiões mais ocidentais predomina o sobreiro (Quercus suber) associado ao medronheiro (Arbutus unedo). Nas vertentes próximas do Vale do Guadiana predomina a azinheira (Quercus ilex) associada ao sobreiro. A presença da esteva (Cistus ladanifer) indica a presença de solos pobres e xistosos. Na serra ainda é possível encontrar os matos bem preservados com a presença de espécies como a aroeira (Pistacia lentiscus), o tojo (Genista hirsuta), o sanguinho-das-sebes (Rhamnus alaternus), a roselha (Cistus crispus), a urze branca (Erica arbórea), o alecrim (Rosmarinus officinalis), e o rosmaninho (Lavandula pedunculata).

 Neste projecto foram definidas aleatoriamente 48 parcelas de 1 hectare agrupadas em 6 classes que diferem ao nível do sub-coberto vegetal, sendo este mais ou menos denso consoante o ano em que foi feita a última limpeza e corte do mato. A amostragem mensal nos meses de Primavera e Verão teve início em Junho de 2005 e terminou em Maio de 2006.

Almirante-vermelho Vanessa atalanta

Nas amostragens efectuadas foram observadas cerca de 40 espécies, mais de metade da diversidade específica da região do Algarve. Nos pontos mais elevados e nos meses mais quentes, pode-se encontrar a Borboleta do Medronheiro (Charaxes jasius) – a maior borboleta diurna do nosso país, e cuja lagarta se alimenta exclusivamente de medronheiro. A espécie Euphydryas aurinia, com estatuto de conservação (presente no anexo II da Directiva Habitats) encontra-se associada a montados em que o mato tenha sido cortado há pouco tempo e em que a madressilva, a sua planta hospedeira, esteja presente. As três e únicas espécies da família Papilionidae presentes em território nacional aparecem aqui em força na Primavera: são elas a Borboleta Carnaval (Zerynthia rumina), a Borboleta Cauda de Andorinha (Papilio machaon) e a Borboleta Zebra (Iphiclides feisthamelii). Nesta época aparecem ainda as bonitas Vanessa atalanta e Vanessa cardui, vulgarmente conhecidas por Almirante Vermelho e Bela Dama, respectivamente. As espécies da subfamília Satyrinae (ex: Hipparchia fidia) encontram-se preferencialmente associadas aos habitats de bosque de sobreiral em que a vegetação é mais densa e cerrada. Pelo contrário, os pequenos licenídeos como a Acobreada (Lycaena phlaeas) podem avistar-se nas parcelas mais soalheiras junto aos bordos dos caminhos onde haja a presença de algumas plantas aromáticas. As borboletas mais comuns e que se encontram presentes em todos os tipos de parcela são as da família Pieridae que inclui as borboletas brancas e amarelas.

Os resultados preliminares indicam que a época de amostragem é de extrema importância para a caracterização da comunidade de borboletas diurnas, destacando-se grupos de espécies característicos de cada um dos meses. As parcelas em que a limpeza do mato é recente possuem um reduzido coberto vegetal, o que proporciona o aparecimento de um elevado número de herbáceas em flor e em consequência uma maior área aberta propícia à ocorrência dos lepidópteros.


O tratamento mais completo da informação recolhida ao longo dos meses de primavera e verão irá clarificar a importância da gestão da vegetação na diversidade de borboletas e permirá seleccionar a potencialidade de alguns grupos como indicadores do estado dos povoamentos florestais na área.

Borboleta-zebra Iphiclides feisthamelii

Site recomendado: www.tagis.org

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