Conservação do Lobo a Sul do Rio Douro

Clara Grilo, Gisela Moço, Ana Teresa Cândido, Sofia Alexandre e Francisco Petrucci-Fonseca
Imprimir
Texto A A A

São vários os factores conducentes à redução da área de distribuição do Lobo a sul do Douro, que reunidos à perda de continuidade entre os núcleos situados a norte e a sul deste rio, representam uma séria ameaça à viabilidade da espécie no centro do País.

A primitiva área de distribuição mundial do lobo (Canis lupus, L. 1758) abrangia quase todo o hemisfério Norte, excepção feita ao Norte do continente Africano. Actualmente este canídeo ocupa uma área muito mais reduzida, estando classificado como Espécie Vulnerável a nível mundial. Na Península Ibérica, a área de distribuição deste predador restringe-se ao quadrante noroeste da península (Figura 1), estando classificado como Espécie Vulnerável em Espanha e como Espécie Em Perigo, em Portugal.


Figura 1 –Distribuição actual do lobo na Península Ibérica. Fonte: Alexandre et al (em prep.), F. Álvares com. pess., L. Llaneza com. pess., P. Sierra com. pess..


Em 1988, considerando a evolução dos efectivos populacionais nacionais, o lobo ibérico (Canis lupus signatus Cabrera, 1907) foi classificado com o estatuto legal de espécie estritamente protegida em Portugal – Lei nº 90/88 de 13 de Agosto ICN/LIFE (1997). No entanto, esta regulamentação não tem sido suficiente para travar os problemas de conservação que este predador apresenta, principalmente a sul do rio Douro.

Desde o início do séc. XX que a área de distribuição do lobo a sul do rio Douro tem vindo a sofrer uma acentuada redução (Figura 2). Os factores considerados como principais responsáveis por esta regressão são: a mortalidade causada pelo Homem, a falta de presas silvestres, a diminuição das presas domésticas e a destruição e fragmentação do habitat. Estes factores, associados a uma perda de continuidade entre as populações lupinas do norte e do sul deste rio, representam uma séria ameaça à viabilidade dos núcleos da região centro de Portugal (Petrucci-Fonseca et al., 1998).

 


Figura 2 - Evolução da distribuição do lobo em Portugal desde a década de 30 até 1997 (quadrículas de 10 kmx10 km). Fontes: Petrucci-Fonseca 1990, ICN/LIFE 1997.

O projecto “Bases para a definição de corredores ecológicos na conservação de uma população animal marginal e fragmentada: o caso da população lupina a sul do rio Douro”, financiado pelo programa PRAXIS XXI, teve por objectivo principal contribuir para a prevenção da extinção do lobo nesta região. Durante o período em que decorreu este projecto (1997/2000) monitorizou-se a população lupina, procedeu-se à análise da adequabilidade do habitat para a espécie e procurou-se estudar possíveis corredores ecológicos, os quais poderão promover não só a manutenção desta população como também as possibilidades da sua expansão.

 

 


Figura 3 - Lobo ibérico (Canis lupus signatus Cabrera, 1907)

 

Monitorização da população lupina

Para estimar o número de exemplares presentes nesta região, individualizar e localizar os grupos familiares, e determinar o estatuto reprodutor e as principais causas de mortalidade da população, foram utilizados métodos directos: (1) esperas diurnas e nocturnas para a observação directa de indivíduos, (2) recolha de lobos mortos, (3) simulação de uivos, (4) captura e marcação dos lobos com colares rádio-emissores para seguimento por telemetria (Figura 4); bem como, métodos indirectos: (1) realização de inquéritos aos pastores e guardas florestais, (2) procura de indícios de presença (dejectos, pegadas, trilhos e restos de presas).


Figura 4 – (a) Dejecto de lobo (foto de Francisco Álvares), (b) e (c) colocação de um colar num exemplar de lobo-ibérico para seguimento por telemetria (fotos Ana Teresa Cândido).


Análise de adequabilidade do habitat para o lobo

A área de estudo considerada neste trabalho corresponde à área de distribuição do lobo na década de 70 (região centro e sul do rio Tejo), de acordo com Petrucci-Fonseca (1990). Para a modelação da adequabilidade do habitat da espécie recorreu-se a uma análise multivariada (regressão logística). O modelo obtido estabelece uma relação entre a presença/ausência da espécie e um conjunto de variáveis ambientais seleccionadas, que é expresso em níveis de probabilidade de ocorrência de lobo (Massolo & Meriggi, 1998). Estes níveis de probabilidade podem ser entendidos como indicadores da adequabilidade do habitat para a espécie, ou seja, a áreas de maior probabilidade de ocorrência de lobo corresponderão a zonas de habitat mais favorável para o mesmo.


Definição de corredores ecológicos

Uma vez identificadas as zonas que apresentam os maiores valores de adequabilidade para o lobo, é necessário analisar áreas que pelas suas características ambientais possam vir a funcionar como corredores ecológicos, permitindo a ligação entre as actuais áreas de distribuição da espécie, como também, entre estas e as áreas onde o predador está ausente, mas que são potencialmente boas para o canídeo. Para a definição de um corredor ter-se-ão em conta não só a adequabilidade do habitat, como também a proximidade entre as manchas de habitat favorável e o respectivo tamanho. A largura mínima destes corredores deverá corresponder à média do diâmetro do território do lobo nesta região (Saunders & Hobbs, 1991).

A protecção da actual área de distribuição do lobo a sul do rio Douro e a sua ligação, através de corredores ecológicos, a outras áreas de ocupação potencial para a espécie, constituem um elemento fundamental de uma estratégia de conservação séria e actuante, que urge aplicar face à crescente fragmentação do habitat que está a provocar o isolamento desta população lupina.

A conservação de um predador que ocupa o topo da cadeia alimentar, generalista e com grandes áreas vitais, como o lobo, poderá também beneficiar outras espécies com áreas mais pequenas e requisitos mais estritos, contribuindo, assim, de um modo mais amplo, para a recuperação e preservação dos ecossistemas a que pertence.

Os resultados deste estudo serão objecto de uma próxima apresentação na Naturlink.


Bibliografia

Alexandre A.S., A. T. Cândido, C. Grilo e G. Moço (em preparação). Bases para a definição de corredores ecológicos na conservação de uma população marginal e fragmentada: o caso da população lupina a sul do rio Douro. Relatório Final. Centro de Biologia Ambiental.

Blanco J. C., L. Cuesta e S. Reig (1990). El lobo en España: una vision global. in Blanco J. C., L. Cuesta e S. Reig (eds.), El lobo (Canis lupus) en España. Situación, problematica y apontes sur su ecologia. ICONA, Colección Técnica, 118 pp.

ICN/LIFE (1997). Conservação do Lobo em Portugal. Relatório final. 231 pp.

Massolo A. e A. Meriggi (1998). Factors affecting habitat occupancy in Northern Apennines (Northern Italy): a model of habitat suitability. Ecography 21: 97- 107.

Petrucci-Fonseca F. (1990). O lobo (Canis lupus signatus Cabrera, 1907) em Portugal. Problemática da sua conservação. Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa para obtenção do grau de Doutor, Lisboa, 322pp.

Petrucci-Fonseca F., A. S. Alexandre e A. T. Cândido (1998). Bases para a definição de corredores ecológicos na conservação de uma população marginal e fragmentada: o caso da população lupina a sul do rio Douro. Relatório de Progresso, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, 19 pp.

Saunders H. e R. J. Hobbs (eds.) (1991). Nature Conservation 2: The role of corridors. Surrey Beatty and Sons Pty. Chipping Norton, NSW. 442 pp.

Comentários

Newsletter