Uso do meio de Perdiz-vermelha

Rui Borralho
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A Perdiz é uma espécie cinegética emblemática que sofreu um declínio acentuado nos últimos 30 anos. No entanto, existem áreas onde, sendo caçada, é uma espécie abundante, o que resulta em larga medida de uma correcta gestão do meio.

A Perdiz-vermelha, uma das mais importantes espécies cinegéticas da nossa fauna, sofreu um declínio marcado na Península Ibérica, em grande parte devido a perda de habitat por intensificação agrícola ou florestação e ainda por caça excessiva sem gestão. Apesar disso, tem-se verificado uma recuperação das populações de Perdiz em diversas áreas sujeitas a gestão cinegética cuidada. De facto, vários estudos científicos (neste momento é em Portugal que existe mais produção científica sobre a Perdiz-vermelha na Europa) demonstraram que a Perdiz-vermelha pode continuar a ser caçada de forma sustentada, mantendo a sua densidade ou mesmo incrementando-a, desde que as capturas realizadas pela caça sejam compensadas pela aplicação de um conjunto de medidas de gestão que aumentem a capacidade de suporte do meio.

Uma das áreas com maior densidade de Perdiz-vermelha em Portugal é a Herdade de Vale de Perditos, próximo de Serpa. A sua população de Perdiz tem vindo a ser seguida por uma equipa do Departamento de Investigação Aplicada da ERENA, de forma a avaliar a sua utilização do meio e a apoiar a implementação de medidas de ordenamento que optimizem o habitat para a espécie.


Figura por Luís Pignatelli


Entre outras linhas de trabalho, na Primavera de 1998 efectuaram-se contagens intensivas de casais reprodutores, em conjunto com elementos da equipa que gere a propriedade, cartografando-se os territórios dos casais e incorporando essa informação num Sistema de Informação Geográfica (SIG). Foram igualmente incorporados nesse SIG outros níveis de informação geograficamente referenciada relativos ao tipo de coberto vegetal da área de estudo, às localizações de comedouros e bebedouros, e a diversos índices espaciais (relativos à diversidade da paisagem).


Com o auxílio deste Sistema de Informação, e uma vez cartografados os casais, estabeleceram-se isolinhas de densidade de Perdiz-vermelha na área (curvas de nível), as quais foram cruzadas posteriormente com a informação espacial indicada acima. Este processo permitiu avaliar quais as características de habitat associadas às zonas com maior e menor densidade de perdizes.



Assim, verificou-se que a densidade primaveril de perdizes foi favorecida pela existência de faixas estreitas de cereal em associação com leguminosas, dispostas em manchas de mato e em áreas recentemente florestadas, pela existência de pousios recentes de cereal e pela implementação de comedouros. Pelo contrário, as zonas de pastagem e as áreas florestadas antigas foram evitadas.


Estes resultados levaram, entre outras medidas, à instalação subsequente de mais faixas de culturas para a fauna em áreas de menor densidade de perdizes, à não intervenção em áreas que tinham tido culturas no ano anterior, de modo a garantir a existência de pousios recentes, e à disposição de mais comedouros e bebedouros nas áreas onde estes eram menos densos.

Como consequência das acções de gestão implementadas, a população de Perdiz-vermelha de Vale de Perditos aumentou cerca de 2.6 vezes da Primavera de 1998 para a Primavera de 1999, atingindo uma densidade de 0.84 perdizes por hectare em Abril de 1999, valor este muito elevado, correspondente à existência de cerca de 2200 aves nos 2620 hectares da propriedade.

Este é um exemplo em que a investigação biológica aplicada se traduz em ganhos reais para as populações em estudo, demonstrando que é possível manter densidades elevadas em áreas caçadas, desde que se faça uma gestão adequada e os números os animais caçados não sejam excessivos. Trata-se de um caso de conservação de uma população de Perdiz-vermelha pelo seu uso sensato.


Bibliografia Adicional

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Borralho, R., Rego, F. e Vaz Pinto, P. (1997). Demographic trends of Red-legged Partridges (Alectoris rufa) in southern Portugal after implementation of management actions. Gibier Faune Sauvage, Game and Wildlife, 14: 585-599.

Borralho, R., Rito, A., Rego, F., Simões, H. e Vaz Pinto, P. (1998). Summer distribution of Red-legged Partridges Alectoris rufa in relation to water availability on Mediterranean farmland. Ibis, 140: 620-625.

Carvalho, J. e Borralho, R. (1998). Produtividade e sucesso reprodutivo de duas populações de Perdiz-vermelha (Alectoris rufa) em diferentes habitats. Silva Lusitana, 6: 215-226.

Castro Pereira, D., Capelo, M. e Borralho, R. (1996). Selecção de habitat de perdizes Alectoris rufa provenientes de repovoamento segundo duas escalas espaciais. Actas do I Congresso de Ornitologia da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, Vila Nova de Cerveira: 41-43.

Tavares, P., Gonçalves, D. e Fontoura, A.P. (1996). Bio-ecologia de uma população de perdiz-vermelha (Alectoris rufa) num agro-ecossistema do Centro de Portugal (Santarém). In: A.P. Fontoura, M. Silva, D. Gonçalves e S. Dias (eds) Actas do I Workshop Sobre Biologia da Caça - As Aves, a Caça e a Protecção da Natureza: 29-43. Associação Portuguesa de Biólogos, Porto.

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